segunda-feira, 1 de abril de 2013

Pão e circo e missas municipais

 Coliseu de Roma, em 2012

Pedro Berruguete, S Domingos e um Auto da fé, final do século XV.

Sabedores de que com pão e circo o povo aguenta tudo, desde sempre os governantes providenciaram um e outro, ou pelo menos ´o segundo, enquanto se governavam, fingindo governar. Ficaram célebres, sendo ainda hoje recordados com saudade  por alguns, os combates entre gladiadores ou entre estes e animais ferozes, nos diversos coliseus espalhados pelo império romano.
Quinze séculos mais tarde em Espanha, a igreja católica arranjou um circo diferente, mas tão trágico como o dos romanos, logo seguida pela igreja portuguesa no século seguinte. Falo dos actos de fé ou "autos da fé", promovidos pelos tribunais da santíssima inquisição, durante os quais alguns desgraçados eram queimados vivos nas praças públicas, apenas porque professavam religião diferente, pensavam de maneira diferente, ou até só por terem bens cobiçados pelos familiares da dita confraria.
Apesar do evidente horror da coisa e da sua iniquidade, tivemos neste país, que dizem ser de brandos costumes, assados humanos na praça pública durante 300 anos, levados a efeito em nome da religião católica e por ela supervisionados até ao primeiro quartel do século XIX. Mesmo em Tomar. Ainda lá está em cima, nas fundações daquela torre do castelo mais à esquerda de quem olha -a Torre de Dª Catarina- o cárcere da inquisição.
Os tempos foram mudando, aboliu-se a pena de morte, mas os velhos hábitos mantiveram-se, transferidos para a arena parlamentar com o liberalismo. Tanto assim que, até com a implantação da República e mais tarde com a ditadura do Estado Novo, o circo continuou. Na então assembleia nacional salazarista, escolhida à medida graças a eleições pouco ou nada católicas, ficaram célebres os discursos ofensivos do deputado ortodoxo Casal Ribeiro, zurzindo "as atoardas cavilosas urdidas por alguns lá para as bandas transtaganas".
Quase quarenta anos após o 25 de Abril libertador, o país pouco ou nada mudou, apesar de vivermos numa democracia pluripartidária. Em Lisboa, o secretário-geral socialista, manifestamente incapaz de apresentar propostas alternativas realistas, resolveu recorrer ao circo. Quarta-feira próxima, a Assembleia da República vai debater e votar a moção de censura ao governo, submetida pela bancada do PS, que entretanto já sossegou a Alemanha e a União Europeia. O próprio Seguro subscreveu e enviou um documento para Bruxelas, no qual garante que, aconteça o que acontecer- os socialistas cumprirão o memorando proposto pela troika. Sendo assim, cabe perguntar: Para que serve então a moção de censura contra um governo maioritário, tanto mais que os seus autores subscrevem a política em curso?
Trata-se, obviamente, de uma simples versão moderna dos antigos combates de gladiadores e, sobretudo, dos autos da fé. Agora com o PS a tentar queimar "em estátua" o governo de Passos Coelho, tal como fazia a inquisição quando não conseguia prender os entretanto condenados.
Por uma vez e se calhar por ganância, cobardia, ignorância ou mero acaso, em Tomar já estamos há anos na fase seguinte. Já não há eleitos para tentar queimar "em estátua" o paupérrimo governo nabantino. Pelo contrário. Apesar de maioritária, tanto na assembleia municipal com no executivo, a oposição tem funcionado em perfeita sintonia com a maioria relativa. Em vez de autos da fé ou de debates acesos, limitam-se a uma missa semanal, durante a qual há umas conversas mais ou menos coerentes, uns protestos, umas declarações de voto, uns requerimentos. Tudo apenas para que conste em acta, dado que, mesmo as missas municipais, (ou actos de fé, em que todos os intervenientes comungam no amor aos euros das senhas de presença e outras regalias), têm de ter conteúdo, seja este substantivo ou não. A multimilenária questão do pão e circo, como forma barata e eficaz de manter a populaça entretida. Até quando?

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