sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

NA IMPRENSA INTERNACIONAL DE REFERÊNCIA

A TUNÍSIA,  E A SEGUIR?

Muitos palpitavam que haveria uma revolução na Tunísia, mas ninguém sabia quando. Com efeito, todos sabemos que desde há pelo menos vinte anos a democracia avança no mundo inteiro. Não por artes da política, mas graças à economia de mercado. Pelo menos teoricamente, estamos conscientes disso desde a análise da economia inglesa feita por Karl Marx, de acordo com a qual o mercado  cria as condições para o aparecimento da democracia. Porque possibilita o aparecimento de uma burguesia que sente a necessidade de segurança jurídica e de liberdade para inovar. Sobre este aspecto como sobre vários outros, a teoria do autor do Capital revelou-se correcta. Primeiro na Europa, a Oeste, depois a Leste, na Rússia e na América do Sul, finalmente em África e na Ásia.
Uma grande parte destes dois últimos continentes e a quase totalidade do mundo árabe continuavam até agora privados das bases da democracia. Alguns pseudo-especialistas, traumatizados pela falsa revolução iraniana, o massacre de Tiananmen e as dificuldades da Birmânia, chegaram até a afirmar que o futuro pertencia às ditaduras. E que a democracia não tardaria a recuar em toda a parte, nomeadamente face ao fundamentalismo religioso.
O que acaba de ocorrer na Tunísia prova pelo contrário que a demonstração feita por Marx continua válida: a Tunísia, uma vez alcançada a economia de mercado, só podia transformar-se numa democraca. E após a Tunísia, vai acontecer algo semelhante no Egipto, no Vietnam, na China, na África subsahariana e bastante mais tarde, porque aí a economia de mercado ainda é bastante incipiente, na Argélia e na Síria. Todavia, Marx não podia prever nem o momento nem a táctica. Mesmo tendo analisado, a partir do caso da Comuna de Paris, as circunstâncias em que uma revolução pode abortar ou derrapar para uma ditadura.
A França encontra-se assaz implicada neste debate, pois muitos destes países instáveis são antigas colónias suas, que continuam francófonas. Antes de mais, deve avaliar as condições necessárias para o sucesso de uma revolução que se possa transformar numa verdadeira democracia. Que são cinco, a saber: 1 - Uma forte burguesia educada; 2 - Umas forças armadas laicas; 3 - Uma juventude que não tenha nada a perder; 4 - Inexistência de um líder populista carismático; 5 - Um contexto internacional favorável.
Quando o êxito é possível, a França tem a obrigação de saber acompanhar as mudanças. Para isso, deve proclamar bem alto  que a democracia é o único sistema tolerável, pelo que um leader, seja ele quem for, não pode manter-se no poder durante vinte anos, nem deixar o seu filho como sucessor. Deve também afirmar que é amiga de uma nação e não de um presidente, mesmo que isso possa prejudicar, de forma transitória, alguns interesses das nossas empresas.
Finalmente, para entender cabalmente o que está em jogo em cada um destes países, a França deve servir-se das formidáveis redes constituídas pelas comunidades de imigrantes, que sabem bem mais do que os diplomatas franceses sobre aquilo que se passa nos respectivos países. Da mesma forma, no estrangeiro, convirá contactar com as comunidades francesas aí residentes, geralmente muito bem informadas sobre cada país, graças à sua convivência diária com as respectivas populações.
Tenhamos esperança que estas recomendações não sejam esquecidas até à próxima revolução. Das buganvílias ou dos juncos..."

Jacques Attali, L'Express, 19/01/11, página 82

Nota Final

Assim à primeira vista, esta crónica do politólogo Jacques Attali não tem grande interesse para os portugueses, nem para os tomarenses. Todavia, pensando um pouco mais, temos o caso do Alberto João, no poder há mais de 30 anos, a burguesia tomarense que já houve (?), os resultados do PC, da CDU e do BE, para já não falar de Angola, Moçambique, Cabo Verde...
Regra geral, a história nunca perdoa aos ignorantes. Basta ter paciência e dar tempo ao tempo...

4 comentários:

Anónimo disse...

A seguir à Tunisia, seguir-se-ão os restantes. Pois, é dos livros.
E antes desta nossa democracia ocidental, o Poder há-de cair na rua, pois claro. Está na cartilha.
O preço do petroleo vai disparar, os negocios - da guerra, do petroleo e dos outros- vão ter lugar, os ocidentais vão vibrar, os magrebinos vãso gozar. No fim, todos (salvo os dos negocios)estaremos mais pobres. Eventualmente, contentes.

Anónimo disse...

Óh António,

Quem não o conhecer até é levado a pensar que é um defensor e praticante do materialismo dialético - método de análise legado por Karl Marx e utilisado na análise que refere.

A implosão do capitalismo no seu actual estádio, caracterizado pela especulação financeira,pela corrupção generalizada,pelo crescente e acelerado empobrecimento de povos inteiros,será inevitável,num ritmo ditado pela maior ou menor organização dos espoliados,pela existência de líderes esclarecidos e pela intensidade das movimentações e levantamentos populares,pela aliança entre os povos e parte importante das forças armadas nacionais.

Mas não se pense que Portugal e outros países europeus estão a salvo de revoltas populares,pese embora o enquadramento geo-político da UE.

O cheiro a "podre" que anda no ar,a revolta surda que afasta mais de 50% da população da vida política e cívica podem,a corrupção e o arranjismo que atravessam toda a sociedade,podem,num ambiente contagiante de revoltas vizinhas,provocar surpresas aos mais avisados gurus da politologia.

Esperem para ver.

A malta está cansada e,mesmo a trabalhar,já não ganha para ter uma vida mínimamente digna.

Enquanto os políticos e os gestores ganham 10,15 ou 20 vezes mais do que pagam à generalidade dos trabalhadores que os servem.

Há uns poucos milhares que sugam quase toda a riqueza do país.

São os que verdadeiramente mandam no país e nos fantoches que fingem governar-nos,governando-se.

Esta hipócrita ditadura,disfarçada de democracia,não será o fim da história de Portugal.

FELIZMENTE!

KM Júnior

Unknown disse...

Não sou defensor nem praticante do materialismo dialéctico, mas isso não me impede de procurar conhecer com algum detalhe os assuntos ou as doutrinas que abordo. Neste caso, pareceu-me importante traduzir e reproduzir a análise de Jacques Attali, conselheiro de Sarkozy, nascido no Norte de África e de religião judaica, que também não defende Marx, mas usa os seus métodos quando é necessário, pois por estas bandas, ou estou enganado ou o pessoal tem andado a ver o filme ao contrário.

Anónimo disse...

Óh António,

O método analítico marxista não é bom ou mau conforme convém ou consoante quem o utiliza,sempre ou esporádicamente.

O seu mérito ou demérito é intrínseco e está testado e retestado históricamente.

A si,como intelectual,fica-lhe muito mal colocar a questão nos termos em que o fez.

Haja corência e princípios.


KM Júnior