terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

EU, SYLVAIN, COZINHEIRO DE "FAST-FOOD" - 1

Após a incursão desta manhã no tema do retorno dos citadinos à horticultura, uma outra ao mundo actual do trabalho precário, com o intuito de fornecer elementos de comparação aos adeptos dos Deolinda.
No Outono passado, um jornalista do semanário L'EXPRESS trabalhou, durante três semanas, num restaurante de "fast-food", em Paris. Eis o seu testemunho. Dada a sua extensão, o texto será publicado por duas vezes. A primeira parte agora, a conclusão amanhã de manhã.

"À noite, vistos da avenida, os reclames do restaurante de fast-food emitem uma luz calorosa, quase reconfortante. Na cozinha, o ambiente é menos convivial. "Mais rápido, Sylvain! T'ás a fazer burgers e não obras d'arte..." Nathalie, a gerente, nunca nos perde de vista. Atrás do balcão da cozinha, tenho de arranjar à roda de 180 sandes por hora, para satisfazer a procura, e o dobro nas horas de ponta, das 19 às 21. Porque na sala impacienta-se um pequeno exército de bocas. Nesta marca de comida rápida, estrategicamente situada numa encruzilhada de vários liceus parisienses, os jovens clientes desfilam durante todo o dia. Enquanto que os adolescentes gastam o dinheiro da semanada, os estudantes marcam aqui encontro, à quinta ou à sexta-feira, antes ou depois das festas particulares, bem regadas.
Candidatei-me a um emprego em 6 de Outubro e fui entrevistado nessa mesma tarde. Karim, o director mal encarado, recebeu-me no primeiro andar do restaurante, no meio da clientela. Ao meu lado, dois outros candidatos, Rémi e Hassan. O primeiro é um jovem marselhês de 18 anos, há pouco tempo em Paris. Protótipo do "geek", apresenta-se despenteado e com os olhos ainda vermelhos, da noite passada a jogar StarCraft 2, a última novidade vídeo em voga. Acaba de obter o diploma do secundário, mas nenhum BTS (Diploma de Técnico Superior, ministrado nos IUT - Institutos Universitários de Tecnologia) o quis admitir como aluno, devido ao seu dossié "catastrófico". Acontece. O outro, Hassan, já tem um passado: com 38 anos, foi analista financeiro na banca marroquina, durante uma década. Também está há pouco tempo em Paris. "Obrigado a recomeçar tudo", para poder acompanhar a esposa. O fast-food é afinal um dos raros sectores em França onde ainda é possível conseguir um ganha-pão temporário.
Pouco conversador, Karim nem sequer lê os nossos currículos. Só se interessa pela nossa disponibilidade imediata. Estão dispostos a vir trabalhar todos os dias, sem qualquer impedimento de horário? Contratados!
Dado que a maior parte dos empregados ficam apenas durante o ano escolar, as ofertas de emprego são abundantes no recomeço das aulas, no Outono. Karim deu-me uma bolsa: "Aqui tens a farda; dois polos e dois pares de calças. Começas amanhã."
Quase não volto a ver os meus companheiros do primeiro dia. Trabalham no turno do meio-dia e eu no da noite, das 18H30 às 2H30, quase sempre sete dias por semana. Recebo uma formação rápida de Jimmy, uma jovem cabeça no ar, vinda do Val-de-Marne (arredores de Paris) e prematuramente zangada com a escola. Tenho 25 anos, mas para ela sou um "velho". Do alto dos seus três anos de casa, até parece a patroa. O seu ídolo é Sefyu, a nova estrela dos bairros periféricos. Jimmy nunca pára de cantarolar os textos do tenebroso "rapper" de Aulnay-sous-Bois, como uma criança a recitar uma lengalenga: "Há mais zeros no boletim de voto do que nos nossos cheques."
Por falar em cheque, o futuro geógrafo Víctor não pensa noutra coisa. Estudante, trabalha aqui no fast-food à noite para pagar o quarto. Levanta-se às 8H30 e corre para a Faculdade. Deita-se às 3 da matina, após o encerramento do restaurante. Quando consegue dormir...porque aqui o stress cola-se à pele, ainda mais  que o cheiro a fritos. De regresso a casa, não consigo adormecer, com os alarmes dos micro-ondas e das torradeiras a ecoar na minha cabeça. Tão apanhado como Chaplin nos Tempos Modernos, vou repetindo os gestos laborais, meio ensonado. Aquecer os pães. Grelhar os hamburguers. Pôr o molho. Empacotar.
Tal como eu, os colegas trabalham 30 horas semanais, a 8,83 euros horários, o que totaliza 1.151,80 euros no final de cada mês. Quem é que vos disse que os menores de 25 anos não querem é trabalhar?
Lá fora há um barulho da rua, mas no nosso casulo profissional não o conseguimos ouvir. Apesar de neste mês de Outubro as manifestações contra o aumento da idade da reforma terem mobilizado muitos jovens, os meus colegas estão cheios de dúvidas. Há apenas algumas conversas sem paixão, no pequeno vestiário onde mudamos de roupa. "Eu não voto, nem faço greve, diz o Nicolas, 22 anos, com um tom fatalista. Nem a direita nem a esquerda conseguem mudar isto. Olha pró Obama. Tanta coisa e afinal é cmós outros. Por isso, os jovens manifestantes, o melhor que têm a fazer é ir às aulas!"
Tal como a Jimmy, há por aqui tanto os que perderam o comboio dos estudos, como os que trabalham exactamente para pagar os estudos, como o Víctor, por exemplo. E toda esta gente co-habita noite após noite, no calor sufocante do grill, aglutinados num pequeno cubículo sujo e mal jeitoso. O fast-food tem pelo menos a virtude de favorecer a mistura étnica e social. E sendo pontual e sério, qualquer empregado pode ser rapidamente promovido, graças às sucessivas formações profissionais internas."
Continua...

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