terça-feira, 19 de julho de 2011

Perdidos algures, num tempo que já foi...

Perdidos algures, num tempo que já foi e não volta -eis o drama de muitos tomarenses. Estranhos no mundo actual, provocando nalguns dos seus conterrâneos um profundo sentimento de desconforto e estranheza na sua própria terra natal. De tal forma que, se não fora época de férias, propícia portanto a todas as asneiras, estaria tentado a nem sequer abordar o assunto, de tal forma o considero tosco, vergonhoso e infantil.
Dois simpáticos leitores (um dos quais anónimo, como convém) escrevem em tom acusatório que me pirei da festa dos tabuleiros e agora venho criticá-la. Após o que um deles me aconselha a ganhar juízo, por já ter idade para isso. Haja santa paciência!!! Então alguém que por exemplo se tenha mesmo pirado da guerra colonial, não tem por isso agora o direito de criticar a mesma, em todos os seus aspectos? E, limitando-me à festa, é obrigatório que todos os tomarenses a ela assistam sempre?
Ainda sobre a festa, mas já noutra perspectiva, se esta edição foi assim tão conseguida, pertinente, popular e bem aceite por esse país fora, porque será que várias altas individualidades convidadas não compareceram e algumas nem se fizeram representar ou sequer responderam?
É muito comum procurar inculcar a ideia de que tudo correu pelo melhor no melhor dos mundos, mas a realidade é teimosa. Quanto mais a procuramos camuflar, mais ela se evidencia. A prová-lo, segue mais uma magnífica crónica de Daniel Abrunheiro (daniel.abrunheiro@gmail.com), publicada n'O RIBATEJO de 15/07/11:
Proust e os Tabuleiros de Tomar

"Num livro intitulado A pomba Apunhalada todo ele dedicado à figura e à obra, geniais ambas, de Marcel Proust), o respectivo autor, um italiano chamado Pietro Citati, escreveu: "Não existe nada para além do nosso próprio destino, que não é mais do que o nosso carácter". Concordei de imediato. E mais concordei quando Citati evocou o discurso directo do incontornável e colossal criador de À la recherche du temps perdu. Proust: 
"Em todos os momentos da nossa vida, somos os descendentes de nós mesmos, e o atavismo que pesa sobre nós é o nosso passado, confirmado pelo hábito."
Tudo certo, verdadeiro tudo. O (meu) problema é que, estas coisas lendo em prazenteira melancolia, me pus, literaturas à parte a pensar (outra vez e sempre, como sempre) em Portugal.
 O hábito. O atavismo. O destino. A pomba apunhalada. No nosso país, as crianças parecem nascer já octogenárias, ao passo que, na sombra corrompida e corruptora, rejuvenescidos decanos continuam urdindo o atraso, o conformismo, a acefalia, o encarneiramento, a PT, a GALP, o TGV, a Censura, a Lusofonia (esse espantalho analfa mais capaz de trepar bananeiras do que de redigir em português-de-cá uma frase limpa com sujeito, predicado e complemento), a Gastronomia Pimba e os Tabuleiros de Tomar, sassaricados num alto de palanque por uma bicha doida mui pouco templária, assaz "manuelina" embora.
Estais a ver o (meu) problema: mesmo invocando Proust via Citati, não logro desembestar-me do (nosso) país. Bem mais fácil e feliz, sei-o bem, me resultaria embarcar anestesicamente nos fumos opiáceos da alienação artistico-literária. Pois. Curtir umas livralhadas, fruir uns acordeonismos fadistas e lobrigar à sorrelfa, por essas praias embandeiradas de azul-ouro, as roscas de celulite das nossas ninfas-ninfas divorciadas. Mas não. Por e para minha desgraça, não. Não tenho remédio: tudo se me volve analogia patrícia -e pelo lado errado do coração.
O nosso destino. O nosso carácter. O Coiso subandrógino nos Tabuleiros de Tomar. E o Tempo Perdido, sem Busca possível no improvável futuro em que, por atávico hábito e recorrente impermeabilidade ao uso dos miolos, vamos continuar a apunhalar pombas e a pagar a araras de capoeira que dão-dão-dão às anquinhas plásticas no palanque de um corso que dantes, até por nabantino e popular, era bonito."

O texto é bastante complexo, que o mesmo é dizer de difícil leitura e maior dificuldade interpretativa. Quem conseguir lá chegar, que veja nele o nosso epitáfio enquanto tomarenses proto-históricos, involuntários palhaços pobres a imitar os ricos, por nem sequer disso nos darmos conta. A preguiça mental, o pronto a pensar, o conformismo, eis algumas das causas do nosso incurável drama existencial.
Acusam-me de me ter pirado da festa. E todos aqueles que desde há muito se piraram da realidade envolvente, não merecem reparo? Não conseguem entender que, em altura de grave crise, centenas de milhares de euros espatifados numa festa, incluindo um buffet froid para 500 pessoas, constituem um atentado ao bom-senso, uma evidente falta de respeito pelos contribuintes e uma ofensa à pobreza? E eu é que tenho de ganhar juízo?!?!
O tempora! O mores!

(O negrito do último parágrafo da crónica de D. Abrunheiro, é de Tomar a dianteira.)

1 comentário:

Anónimo disse...

uma espécie de coerência...
"Macário já não se opõe à introdução de portagens na Via do Infante", noticia a TSF.


Ora, o sr presidente da Câmara de Faro, ilustre figura do PSD nacional, era até há pouco tempo contra as portagens e aparecia na comunicação social muito combativo às mesmas, e agora de repente já não é contra.
O que é que terá mudado?"

Ora, Hugo Cristóvão (autor do texto) ... mudou o Governo!!!!!