domingo, 19 de maio de 2013

"Economistas em crise"

"Poucos conseguiram prever a catástrofe que mergulhou uma parte do mundo na recessão desde 2008. Nenhum achou ainda qualquer remédio eficaz. Perdidos nos seus cálculos, estarão os grandes teóricos a ficar cegos?"

"A crise busca um arauto, um gourou, um profeta ou até um mágico. Alguém assaz visionário para desatolar o Velho Continente dos problemas da dívida excessiva, da falta de crescimento económico e do desemprego dramático. Um "doutor" capaz de devolver à economia americana o vigor e a liderança a que nos habituou. Há já mais de cinco anos que dura a crise, uma crise económica que se transformou numa crise dos economistas. Muitos aguardam, com esperança. Mas a maior parte juntou-se ao grupo dos "aterrados", dos consternados, dos catastrofistas ou dos declinistas. Onde está o Keynes do século XXI? O Adam Smith da era Internet?
Durante todos estes anos, muitos "especialistas" denunciaram o que tínhamos feito a mais ou a menos, mas muito poucos conseguiram prever a catástrofe e nenhum conseguiu elaborar uma tese convincente para a ultrapassar. "Os nossos economistas de topo mostram-se muito convictos, mas percebe-se que estão perplexos", observa Jean-Luc Gréau, autor de "La trahison des économistes", Gallimard, Paris, 2008. É um mal-estar compreensível. Os "trinta gloriosos" pertencem ao passado e o desemprego assume proporções de fatalidade. As teorias validadas pelo sucesso nestes últimos decénios parecem agora em vias de ser invalidadas: o liberalismo de um lado, o keynesianismo do outro.
A explosão do capitalismo encostado à finança, em 2008, começou por pôr em causa os ardentes defensores do"mercado", vedeta da política económica nos anos de Reagan e Thatcher, a seguir a 1980. Desde 2010, a bancarrota de alguns estados da zona euro evidenciou as falhas de um modelo apoiado num crescimento a crédito e num estado social ultra-generoso. O suficiente para desacreditar os advogados do relançamento pelo incremento da despesa pública. "Em 2009 disseram-nos "a crise acabou" e afinal, insiste Gréau, não conseguimos sarar as feridas. Estamos a tratar a doença com mais doença. Fala-se da doutrina keynesiana, mas na realidade trata-se apenas de um fóssil." "Desde 2008 que caminhamos no escuro, às apalpadelas", acentua Paul Jorion, antropólogo, sociólogo e economista, no seu livro "Misère de la pensée économique", Fayard, Paris, 2012.
Para boa parte dos universitários, as causas deste mal são conhecidas. Se o remédio é mesmo assim tão difícil de encontrar é porque esta crise é diferente de todas as outras. Não se trata do rebentamento de uma bolha, mas de algo bem mais grave. "Esta crise faz parte das grandes crises cíclicas do capitalismo, tal como a de 1929, constata Philippe Askénazy, investigador no CNRS e membro do movimento "Economistas aterrados". Estamos perante um fenómeno espectacular que em 2008-2009 mergulhou mais de metade dos países do mundo na recessão. Nós, os economistas, julgávamos dispor dos recursos necessários para resolver o problema. Toda a gente estava convencida disso. Mas afinal, nada funcionou como previsto. Estamos por assim dizer numa situação de ausência de gravidade."
A economia mundial ficou parecida com o célebre cubo de Rubik. Dramático? Clássico, pensa Askénazy": "Desde o princípio do século XX, cada uma das grandes crises originou novas teses. A de 1929 originou o keynesianismo pós-guerra, que alimentou os "trinta gloriosos". Mas essa teoria gerou depois o enigma da "estaglafação", um misto de inflação e ausência de crescimento. Por sua vez, esse fenómeno misterioso forçou outros desenvolvimentos teóricos, os quais conduziram, no final dos anos 70, ao aparecimento da escola dos monetaristas e dos neoliberais."
Estes cinco anos de perplexidade económica e de apalpadelas políticas desde 2008, mesmo parecendo uma eternidade, mais não fazem afinal que corresponder ao lapso de tempo necessário para que uma nova escola de pensamento ultrapasse a anterior. É como se nos faltasse um pouco de tempo para que um economista se destaque. À maneira de François Quesnay, o cirurgião-barbeiro de Luis XV que aproveitou algumas "sangrias" para sussurrar a Sua Majestade as novas ideias dos fisiocratas.
Eis quanto, para a teoria. Agora falta só a prática: encontrar a tal ave rara. Para resolver tal equação, o ideal seria que a profissão fizesse o seu exame de consciência. Porque esta crise alimentou muitos rancores. Não só porque apenas os "Dr. Doom", esses profetas da desgraça, previram a crise, mas também porque se acusam os economistas de ter traído a disciplina, dividindo-a em fatias, em domínios estritos (emprego, finança...) produzindo assim micro-especialistas, sem que algum deles tenha uma visão assaz transversal para perceber um mundo cada vez mais complexo e misterioso.
Mais imperdoável ainda é terem transformado as ciências económicas num exercício matemático. A beleza das demonstrações e o rigor dos raciocínios adoptados, nomeadamente pela Escola de Chicago, nos anos 80, seduziram bastante. Demasiado mesmo. Ao ponto de levarem os nossos especialistas a esquecer que a economia é uma ciência social, logo imperfeita. Os dois famosos economistas Kenneth Rogoff e Carmen Reinhart são disso o exemplo perfeito: Persuadidos de terem encontrado o número mágico (90%), além do qual a dívida pública seria desastrosa para a economia, foram afinal forçados a reconhecer que estavam equivocados nesse ponto, no final do último mês de Abril.
Mas o vício da matematização da economia provocou outros estragos. "A ciência adora entrincheirar-se numa torre de marfim, feita de matemática. de grego ou de latim, de história, de axiomas ou outros rituais sagrados, santuários ilegítimos onde os sábios escapam às críticas dos outros campos do saber e do público em geral", escreve Tomas Sedlacek, ex-conselheiro económico de Vaclav Havel, na sua obra "L'économie do bien et du mal" Eyrolles, Paris, 2013, 382 páginas, 25 euros. "A matemática arredou as emoções. Temos edificado prédios teóricos sem arquitecto. Prédios que não são bonitos nem feios. São sem sentido."
Segura de si, arrogante, a economia ter-se-à assim transformado, segundo Sedlacek, numa religião cujos princípios são os seguintes: trabalhar arduamente e optimizar a rentabilidade, tudo baseado numa bíblia de estatísticas à priori infalíveis. Para ele, a economia está agora a pagar o facto de ter perdido os seus matizes "em benefício de um mundo tecnocrático a preto e branco." Outrora ligada à filosofia, a ciência económica teria começado a desdenhar as ciências sociais. Sucede que "nunca será bom economista quem é só economista". Transformados em puros alocadores de riquezas, os nossos teóricos terão resvalado para o cinismo: "Imagino um economista encarregado de optimizar o trabalho de uma orquestra, escreve Vaclav Havel no prefácio da edição original do livro de Sedlasek antes citado, "Julgo que esse economista eliminaria todos os silêncios das sinfonias de Beethoven..."
Esta crise força-nos a repensar a economia. A não ser que todas estas reflexões sejam em vão. Porque os mais fatalistas imaginam já que estamos a assistir ao fim de um mundo -este que conhecemos. O crepúsculo da economia ocidental, outrora florescente, teria chegado. O mundo, mimado por anos de sobre-exploração, terá chegado ao limite daquilo que pode produzir e os nossos cérebros ao limite do que podem inventar. Esquecer a corrida ao crescimento: o planeta terá atingido o seu "ponto estacionário". O economista americano Robert Gordon lembra que "Antes de 1750 não havia crescimento económico. Os progressos destes últimos 250 anos podem não passar afinal de um episódio único na história da humanidade, em vez do tal crescimento sem fim."
As teses sobre o apocalípse económico reaparecem a intervalos regulares, esclarece o historiador Jean-Marc-Daniel. Em cada crise, ou quase,  os que pensam que nenhuma inovação voltará a ter o poder   multiplicador da electricidade ou da máquina a vapor, insistem na sua visão. Uma espécie de maltusianismo revisitado. Com alguns matizes, porém: contrariamente a Thomas Malthus, o pastor anglicano que pensava que o povo devia reduzir os actos sexuais para poder continuar a evitar a fome, uma vez que a terra não produziria o suficiente para tantos novos habitantes -os teóricos de um estado estacionário pensam que é o nosso cérebro que atingiu os limites.
Basta observar com atenção, dizem-nos: as inovações actuais, como o iPad ou o telemóvel têm muito menos impacto sobre a produção, do que o avião ou o tear mecânico. "Ignoram que as inovações revolucionárias do futuro talvez estejam já escondidas algures", assegura Jean-Marc Daniel.
Dado que a economia se transformou numa religião, há que continuar a ter fé..."

Claire Gatinois, Le Monde, Culture & Idées, 18/05/2013, página 6


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