sexta-feira, 31 de maio de 2013

Tentando endireitar a sombra de uma vara torta...



Ilustração 1

Ilustração 2

A notícia foi largamente difundida: O governo resolveu interditar novas inscrições nos cursos de licenciatura que em anos anteriores registaram menos de 10 alunos. (Ver ilustração 1). O que na prática vai conduzir ao seu desaparecimento a prazo. Era uma decisão há muito aguardada, tendo em conta a crise que o país atravessa. Se o leitor pretende uma ideia mais clara do que custam a saúde e a educação em Portugal, vá ao Google, digite pordata e depois clique em Base de Dados  Portugal. Já conseguiu? Então agora leia o quadro na parte inferior direita do ecrã. Impressionante, não é?
Regressando ao tema inicial, o PÚBLICO honrou os seus pergaminhos de jornal de referência, dedicando ao assunto uma página inteira, assinada por Samuel Silva, assim como o quadro supra (ilustração 2). Tudo bem, por conseguinte? Infelizmente não. Trata-se, no meu entender, de um caso paradigmático de jornalismo à portuguesa, cuja especialidade consiste em enganar os leitores dizendo-lhes a verdade. Repare-se, com mais atenção.
"Encerramento deverá afectar 80 cursos e não 171 como foi avançado inicialmente". Logo: Afinal não é tão grave como parecia, pensa o leitor. Segue-se um gráfico com "Os cursos e instituições mais afectadas", o qual não permite de todo em todo perspectivar as alterações em causa. Menos 7 cursos no Politécnico de Leiria será mais grave que menos 4 no de Beja? Olhe que não, olhe que não! Como se passa a demonstrar.
Conforme devem (ou deviam) saber os profissionais de informação titulares de mestrado ou doutoramento, as ocorrências têm de ser devidamente catadas, até permitirem apresentar aos leitores textos que não os induzam em erro, mesmo que involuntariamente, como é talvez o caso.  Foi para isso que foram treinados em investigação, em síntese, em redacção... Ou não?
Assim, se fora eu o encarregado de redigir a notícia, teria estruturado o "papel" da forma seguinte:

1 - Instituições universitárias que não sofrem qualquer redução da oferta:
     Universidade Clássica de Lisboa, Universidade Técnica de Lisboa, Universidade Nova, Universidade    de Coimbra, Universidade do Porto e Universidade da Madeira.
2 - Instituições universitárias que perdem uma licenciatura (ver nota na ilustração 2).
3 - Instituições com mais reduções: primeira coluna, total actual da oferta; segunda coluna, novo total; terceira coluna, % de redução:

1 - I. P. Guarda ----------19----12----36,8%
2 - I. P. Santarém..........27----19----29,6%
3 - I. P. Portalegre-------24----17----29,1%
4 - I. P. Tomar-----------27-----20----25,9%
5 - I. P. V. Castelo.........28----22----21,4%
6 - I. P. Beja--------------20----16----20,0%
7 - I. P. Bragança--------44----36-----18,1%
8 - I. P. Leiria------------45----38......15,5%
9 - I. P. Setúbal----------30----26-----13,3%
10 - U. Évora--------------40----37-------7,5%


Agora sim, parece-me, o leitor já terá outra perspectiva da racionalização em curso no ensino superior português, que afecta sobremaneira as instituições menos apetrechadas em termos humanos para fazer face à sempre crescente concorrência. Entre estas, as que correm maior perigo são as primeiras cinco, que perdem desde já mais de um quinto da oferta, situação que vai provocar rombos ainda maiores no futuro, devido ao chamado efeito de arrastamento, ou de "bola de neve".
No que concerne ao Politécnico de Tomar, cujos responsáveis muito provavelmente vão avançar com a argumentação costumeira, visando sacudir a água dos capotes respectivos, uma comparação se impõe. A Universidade da Beira Interior, que apenas perde um curso e até já inclui uma licenciatura em medicina, é irmã gémea do politécnico tomarense. Ambos foram criados em simultâneo, nos anos 70 do século passado, pelo então ministro da educação Veiga Simão, que até veio a Tomar na ocasião.
Na altura a UBI era o I. P. da Covilhã. Apesar da localização bem mais ingrata, conseguiu singrar e impor-se. Teve dirigentes capazes. Em Tomar é como se sabe...

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