quarta-feira, 8 de maio de 2013

Para quem ainda não percebeu

"Coragem, tenacidade e pedagogia -é agora!"


"Faz agora um ano que foi eleito, mas o clima não é de festa para o presidente socialista francês. Prometia uma "França serena e unida", temos agora, como raramente aconteceu, um país decepcionado, dividido e depressivo. Queria ser um presidente "normal", mas rapidamente sentiu como tal aspiração alimentava dúvidas sobre a sua lucidez, a sua eficácia e a sua autoridade. Apontava "A mudança -é agora!", mas os franceses, atacados pela crise, têm a impressão de que nem sequer lhe viram a cor.
Finalmente, o seu principal objectivo -corrigir as finanças e a economia do país- vai-se afastando à medida que o tempo passa. O elevado montante dos défices públicos continua a hipotecar o futuro, a recessão ameaça, o desemprego ultrapassa sombrios máximos e a pressão fiscal atinge níveis que desmotivam tanto o consumo como o investimento.
Com tudo isto, François Hollande está encostado à parede, com três grandes riscos pela frente. O primeiro consistiria em ceder ao pânico e mudar de rumo. Socialista, ousou fazer escolhas difíceis, inéditas para um presidente de esquerda: o rigor orçamental e financeiro, o aperto fiscal em vez do usual aumento da despesa pública, o compromisso com os mercados, a disciplina europeia, a adaptação da competitividade nacional aos constrangimentos mundiais, em resumo, o esforço e só depois a recompensa.
Ceder agora aos arautos da "outra política", como lhe reclamam a Frente de Esquerda, de Mélenchon, mas também uma parte da maioria socialista, e mesmo alguns ministros, arruinaria imediatamente toda essa estratégia, bem como o crédito que dela pode esperar a médio prazo.
O segundo grande risco, inverso do primeiro, é ser infectado pelo tétano político. É certo que as instituições protegem o presidente, mas o tal tétano fá-lo correr o risco permanente de não ouvir o país, tal como já aconteceu por diversas vezes na V República. Além disso, vítima de uma impopularidade record e  da rápida erosão da sua base de apoio, pode sentir-se paralisado na sua capacidade de reforma.
Sucede que as reformas continuam a ser necessárias, vitais mesmo. Ao conceder à França um prolongamento de dois anos para reduzir o défice público a 3% do PIB, a Comissão Europeia acaba de afrouxar o calendário da recuperação financeira, mas em caso algum as suas apertadas obrigações. Tendo já accionado o aumento fiscal, doravante o governo apenas poderá agir na área da redução da despesa pública.
E temos o terceiro risco, o da explosão social. Porque a redução da despesa pública abrangerá naturalmente todas as grandes políticas estatais, num país habituado desde há décadas a viver acima das suas possibilidades. Salvo raras excepções, todos os ministérios vão sofrer. Se a isso acrescentarmos uma nova alteração já anunciada das reformas, a qual vai atingir frontalmente o eleitorado de esquerda, ou uma outra reformulação das políticas sociais, que vai irritar a classe média, vê-se bem o risco do citado colapso.
Para o evitar, será necessário um misto de tenacidade e de habilidade negocial, de coragem e de pedagogia. É agora!

EDITORIAL, Le Monde, 07/05/2013, primeira página

Outra política, não é? Brincalhões.

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