sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

SE VIRES AS BARBAS DOS VIZINHOS A ARDER, VAI PONDO AS TUAS DE MOLHO

"TRIPLO A NA EUROPA DO NORTE, TRIPLA RUÍNA NA EUROPA DO SUL"


"Jerez de la Frontera, na Andaluzia, é uma cidade espanhola de 212 mil habitantes, célebre pelos seus vinhos e pelo seu circuito de fórmula 1, onde Ayrton Senna venceu uma vez um Grande Prémio por 14 milésimos de segundo. Pois a cidade tem doravante uma outra especialidade. Está falida.
Os funcionários municipais e os do sector público local não recebem desde Dezembro. Os transportes públicos estão em greve e, por falta de combustível, os que ligam as zonas rurais dos arredores asseguram apenas metade das carreiras. As instalações desportivas do município estão encerradas há um ano, porque lhes cortaram a electricidade, por falta de pagamento. 33% da iluminação pública também já não acende. O prédio da Acção Social, inaugurado há um ano, também já não tem ar condicionado. Os funcionários trabalham graças a um gerador a gasolina e sem aquecimento.
Há várias manifestações  diárias, desde ocupações a reclamações de toda a ordem. Um dia são os polícias municipais, no outro os coveiros dos cemitérios, a seguir as funcionárias da assistência social, na impossibilidade de pagar os subsídios de sobrevivência, porque a câmara não tem dinheiro.
Jerez começou o ano de 2012 sem dinheiro em caixa. Com um orçamento de 222 milhões de euros, tinha no final de 2010 uma dívida global de 958 milhões de euros. Parou então a corrida ao endividamento. "Estrangulada, Jerez agoniza", resumia o El País de domingo 19 de Fevereiro. Em Espanha são às dezenas as cidades arruinadas como Jerez de la Frontera.
Mas o leitor daquele diário espanhol sente-se menos só ao ler as páginas com o noticiário internacional. Segundo o citado jornal, os vizinhos portugueses sofrem "num inferno particular", "vivem troikados". "Troikado" é um neologismo para designar os três países vigiados pela troika, desde que a  Zona Euro forçou a Grécia, a Irlanda e Portugal a pôr em ordem as finanças públicas.
Viver "troikado" é por assim dizer como viver em Jerez, mas tendo como brinde a visita dos funcionários estrangeiros que vêm aconselhar os governos respectivos. "Ali estão eles, na foto do Diário de Notícias, a atravessar o Terreiro do Paço, em Lisboa. Jovens, modernos, sorridentes, fato completo e 
gravata, óculos de sol e computadores portáveis nas pastas pretas", escreve o jornalista do El País. E esta imagem contrasta terrivelmente com a de um país que se esboroa, no qual as ambulâncias já não saem, se fecham escolas porque há menos 10% de professores e as magníficas auto-estradas estão desertas. Como que resignadas perante "esta vida a andar para trás de dia para dia". Apesar disso, os portugueses são mais pacientes que os habitantes de Jerez.
Exactamente o oposto dos gregos, como todos sabemos. Ninguém segue as notícias da Grécia com mais atenção do que os espanhóis. Com uma espécie de curiosidade típica dos presidiários e uma ideiazita reconfortante de que mesmo assim o presídio grego ainda é pior que o espanhol. Em Atenas, ao cair da noite, lê-se no El País, "quando os turistas se vão embora, os sem abrigo começam a concentrar-se nos passeios, nos largos e nos portais, protegidos por cartões, mantas e cobertores. Algumas praças transformam-se em autênticos dormitórios ao ar livre e na Rua Sófocles distribuie-se gratuitamente sopa aos pobres."
É esta a realidade em 2012, a sul da zona euro. A Itália de Mário Monti entrou também em regime de austeridade, mas a vida italiana é diferente. A fuga ao fisco transformou-se no inimigo público nº 1, com um novo tipo de crime. Mais vale trazer a declaração de IRS no porta-luvas do Maserati, pois os controles são frequentes. É mesmo uma das razões pelas quais as medidas de austeridade são mais toleradas em Itália, ou mesmo em Espanha, do que na Grécia: os governantes procuram demonstrar que os sacrifícios não são só para as classes médias e populares.
O primeiro-ministro italiano Mário Monti renunciou os seus vencimentos como presidente do conselho e como ministro da economia, e obrigou a igreja católica a pagar impostos, o que nunca acontecera. Em Espanha, o presidente do governo Mariano Rajoy reduziu o seu salário anual para 78.185 euros ilíquidos, enquanto que o do presidente francês Sarkozy é de quase 240 mil euros.
Os apresentadores de televisão e os gestores públicos "aceitaram" reduções salariais entre 25 e 30%, enquanto que os vencimentos de todos os funcionários públicos espanhóis baixaram 5% em 2011 e estão congelados em 2012. Em contrapartida, como sublinha o economista francês Jean Pisany-Ferry, a Grécia reduziu o salário mínimo para 483 euros, mas não parece incomodar-se  com "a evasão fiscal dos 10% do topo, que se traduz numa perda de 25% das receitas totais do IRS." Tão flagrante injustiça perante os sacrifícios, não é politicamente nem socialmente sustentável.
Outrora dividida entre o Leste e o Oeste, a Europa sofre agora uma nova e gritante divisão: a fractura Norte/Sul. O norte da zona euro é a Europa do triplo A, do crescimento económico, mesmo moderado, dos serviços públicos eficazes e das taxas de desemprego toleráveis. É a Europa terra de acolhimento para imigrantes qualificados.
Ao sul da zona euro fica a Europa da tripla ruína, da recessão e do desemprego, onde o endividamento excessivo conduziu às situações acima descritas. Os jovens e os diplomados fogem desta Europa "troikada", em busca de postos de trabalho, na América do Norte, do Sul ou até em África.
Será possível aguentar tais desigualdades durante muito mais tempo? A pergunta é pertinente, particularmente em França, que é um país-charneira, simultaneamente da Europa do Norte e da Europa do Sul, mas que, em termos de disciplina orçamental e de endividamento público, está mais próxima do sul que do norte. Não é certamente mero acaso se, de acordo com uma recente sondagem do IFOP (Instituto Francês da Opinião Pública), metade da população francesa e 63% dos operários receiam uma crise como a grega em França."


Sylvie Kaufmann, Le Monde, 22/02/2012, página 16

4 comentários:

Luis Ferreira disse...

E este Ferrari altera-se como?

Com investimento e com crescimento económico.

Para quando compreenderá a Europa do Triplo A que assim é?

É que se não o fizerem rapidamente em menos de um ano não haverá país Europeu com crescimento, tal o nível de exposição dos do triplo A à divida dos outros, que se não crescerem deixarão de poder pagar e nesse dia, bye bye Europa e bem vinda a guerra.

Se nada for mudado será bem breve...

(A sorte pode ainda ser que a vitoria de F.Holland em
França, abra caminho para uma nova política.)

alexandre leal disse...

Sr. Vereador

Com que investimento conta para garantir o crescimento económico?
Com o do estado ?!
Julgava que a evidência recente tinha demonstrado que essa estratégia é um desastre.

Cumprimentos

Luis Ferreira disse...

Dr. Correia Leal

Se o Estado, a todos os níveis, gastar menos em funcionamento interno e mais a investir nos sectores estratégicos por um lado e a acompanhar, apoiando os projectos de investimento nas localidades e pais, por outro, haverá solução.

A palavra de ordem, neste tempo, é claramente organização e produtividade, investindo, investindo sempre para fazer funcionar a economia. Só assim haverá riqueza, só assim haverá empregos. Destruir o Estado não resolve o problema. Pô-ló a funcionar poderá dar mais trabalho, mas é mais eficaz. Os Estados da Europa que funcionam são bem mais pesados que o nosso e investem muito mais na sociedade, como melhor que eu saberá. O paradigma é portanto esse, não o liberalismo económico. Esse, onde foi implementado, só cria miséria e sub-desenvolvimento.

alexandre leal disse...

Sr. Vereador

Neste ponto jamais chegaremos a acordo!

Apesar da consideração pessoal que tenho por si.

Vantagens e encanto da democracia desde que haja a honestidade intelectual que ambos reconhecemos indispensável.

Cumprimentos