Quando uma sociedade entra em processo de desmoronamento, a partir de certa altura só não vê quem não quer mesmo ver. A chamada doença civilizacional é algo simultaneamente difuso e com múltiplos sintomas gritantes. Tome-se o caso de Portugal e mais precisamente de Tomar. Desemprego, abandono escolar, delinquência, insegurança, ruínas urbanas, sujidade, falta de autoridade, ausência de liderança, economia informal, carência de projectos, abandalhamento, má qualidade, egocentrismo, obstinação, emigração; um longo rol de infelicidades que tendem a agravar-se. Potenciadas por uma autarquia praticamente ao Deus dará, cujos eleitos não sabem para onde ir, quando ir ou como ir. Uma desgraça tamanha que até o padre da paróquia -apesar de amigo próximo do presidente da autarquia- já se lastimou publicamente, em plena igreja. Ensimesmados, os habitantes da zona, uns de forma voluntária, outros (a maioria?) porque a cabeça não dá para mais, mantêm-se mudos e quedos, quiçá na expectativa da próxima chegada de alguém providencial, que tudo resolva num ápice e sem que cada um de nós tenha de sujar as mãos, de transpirar, ou sequer de cansar o bestunto. Santa ignorância, que já foi uma virtude cardeal!
Em semelhante contexto societal, que se agrava a olhos vistos de dia para dia, o fracasso do "Mouchão alternativo" de ontem só surpreenderá quem se obstine em alhear-se do que o rodeia. O tal desmoronar de uma comunidade.
Uma volta ao outrora orgulho dos tomarenses, que um meteco trucidou graças aos dinheiros europeus e à complacência dos ainda hoje instalados nos arcos da Praça da República, cuidando estar a fazer obra útil e para a história, uma vez que ninguém se lhe opunha, bastou para perceber que tudo aquilo mostrava decadência, falta de qualidade, falta de gosto, falta de arrumação, falta de estética, abandalhamento, informalidade, indignidade. Até havia uma pretensa "tasca" a vender tintol a copo. Em pleno Mouchão, que já foi a formosa sala de visitas da cidade.
Ao que se sabe, o público foi escasso e as vendas raras. Era expectável. Outro tanto sucedeu nas Festa do Chocolate em Óbidos, bem entendido de outro gabarito. A crise atormenta cada vez mais os cidadãos, que cada vez em maior número já nem têm para o essencial, quanto mais agora para o supérfluo. A esperança dos contestatários moderados, que convidaram o Nobel Krugman para reforçar a ideia de que o governo deve injectar liquidez na economia, não resistiu à agreste realidade lusa. O ilustre economista lamentou ter de admitir que se estivesse no governo não faria afinal muito diferente. Balde de água gélida nos chupistas do costume. As vacas gordas foram-se mesmo e já nem no horizonte do futuro a médio prazo se vislumbram.
Pior ainda, o opinion maker americano não foi de meias palavras: os salários portugueses têm de descer entre 20 e 30% em relação aos alemães. Isso ou reduzir a função pública nas mesmas proporções, digo eu, posto que com menos funcionários improdutivos se reduz a despesa fixa do estado, e que com menos encargos fixos o governo pode baixar as despesas obrigatórias das empresas e dos particulares, diminuindo assim os custos de produção e finais, ao mesmo tempo que cria condições para o aumento da procura. O problema reside no facto de ninguém ousar mexer a sério no funcionalismo, o mais importante e coeso grupo sociológico eleitoral.
Resta-nos por conseguinte continuar a penar a todos os níveis, até que não haja mesmo outro remédio. Como já está a acontecer na Grécia e na Itália, com tendência a alastrar para Espanha e França. Tempos dificeis para as cigarras. Excelente época para as formigas pensadoras...
PS - Alguns espertalhuços aquartelados na comunicação social lisboeta, julgam ter descoberto a pólvora. Segundo proclamam, apoiando-se em dados oficiais, afinal, ao contrário do que opina a tia Merkel, os trabalhadores portugueses até trabalham mais horas por ano do que os alemães ou os holandeses, por exemplo. Era bom, era! Infelizmente, o que os dados citados mostram é apenas que os salariados portugueses passam mais horas anuais no emprego. O que não quer dizer que estejam a trabalhar. E muito menos a produzir bens transaccionáveis. A mentira tem sempre a perna curta...e a tia Merkel sabe em geral o que diz. Viveu durante mais de 30 anos num país de "socialismo real".
9 comentários:
Meu caro professor, quanto ao Nobel Krugman, deixe-me dizer-lhe que isso não é lá muito bom cartão de apresentação; vide o caso do sr. Friedman e da sua teoria ultraliberal, no que deu...
Eu também vi o senhor na TV; não entendi bem se o senhor anda bem informado em relação aos salários praticados por cá, mas deduzo que não, porque eles já são 50% em média mais baixos que na Alemanha ( não, não contemos com os salários de gestores e que tais, que esses ganham mais que os alemães e estragam a média e não é justo! ).
Já agora, quando também refere a diminuição de FP's, para meu esclarecimento apenas, está a referir-se a professores, a polícias, a médicos, a trabalhadores da recolha do lixo, da limpeza de ruas, de fornecimento de água, de tratamento de esgotos, bombeiros, coveiros ou a membros de concelhos de administração de institutos e organismos públicos sem utilidade alguma, a compadres e amigalhaços adjuntos e assessores com ordenados chorudos, carro telefone, gabinete e secretária, a gente que mama dos orçamentos, geral e municipal e que efectivamente está ao serviço nos partidos, gente que "pica" o cartão de manhã e segue para os seus gabinetes de arquitectura ou engenharia e depois aparece à tarde para registar a saída de "serviço", com a conivência de dirigentes e políticos, como pagamento de favores aos partidos e aos próprios, etc., etc.?
Bom, se fala destes, estamos ambos de acordo! agora deixe lá os desgraçados dos FP's que servem de arma de arremesso para tudo e nunca ninguém lhes pergunta se e como podem contribuir para a prestação de um melhor serviço aos cidadãos. Se calhar teríamos algumas surpresas...
Já quanto aos números, vamos ser honestos: eles valem para tudo e valem quando nos agrada, mas também devem agradar quando se verifica o contrário; e como contra factos não há argumentos, esses são os números, ainda que possa argumentar com falta de produtividade, com o que admito concordar. Mas não será essa também uma falha dos empresários, em regra muito menos qualificados que aqueles a quem dão emprego? é que enquanto neste país continuar a subsistir a máxima do construtor civil do tempo das avenidas novas, que a primeira coisa que compra é um Mercedes, logo que vende o primeiro apartamento, não vamos a lado nenhum, certo?
Não somos os melhores trabalhadores do Mundo, não, mas por esse Mundo fora, em realidades laborais bastante diversas, não somos inferiores aos outros, logo, será dos trabalhadores a maior culpa do estado em que se encontra Portugal? pense nisto.
Cumprimentos
Creio que de acordo com a boa tradição americana, quando Krugman advoga a redução de salários está a referir-se à diminuição dos custos de produção em relação à Alemanha.
Sobre os funcionários a afastar quanto antes,há só uma hipótese -os que não fazem falta a ninguém. E só esses claro! Mas todos!
Cordialmente,
Só para me situar: quando o Amigo Leão da Estrela fala de trabalhadores da função pública refere-se também aos milhares que colaboram em empresas com milhões de prejuízos pagos por nós e que são uns amestrados das correias de transmissão do PC , sempre à bica para fazer greve? E que ganham não sei quantor ordenados mínimos?Ou está a pensar no funcionário público que trabalha na sua repartição , sem estímulos,muitas vezes mal chefiados,outrora bem pagos ? Ou está a referir-se a quadros que devem 2/3 do que levam para casa a horas extraordinárias?
O mal é que vai pagar o justo pelo pecador.
Cumprimentos
Meu caro Alexandre, os que trabalham nas empresas públicas, não são funcionários públicos e não faço a mínima ideia de quanto ganham.
( e olhe que está enganado, subentendendo que se está a referir aos maquinistas da CP, que parece que ganham bem para os padrões do país, de correia de transmissão do PC é que eles não têm nada ).
Ainda bem que reconhece que os FP's são mal pagos, é uma realidade! e sem as regalias que p'rái se apregoam.
Se andar atento, verificará que não há um único sindicato, da CGTP ou da UGT, que defenda o trabalho extraordinário...antes salários decentes.
E infelizmente sim, pagará sempre o mais fraco.
Meu caro professor, mas não poderão os custos de produção ser reduzidos de outra forma que não a mais simples de redução dos vencimentos?
Que tal o dinheiro ser mais barato para as empresas?
Que tal a electricidade ser a um custo mais razoável?
Que tal as taxas municipais, incluindo a Derrama que é acrescentada ao IRC, ser mais favorável?
Que tal os combustíveis serem a um preço mais competitivo para as empresas?
Que tal?
Que tal?
Que tal?
Ele há um ror de alternativas ao corte de vencimentos e que se bem aplicadas até os poderiam aumentar, houvesse vontade para isso...
Cordialmente
Infelizmente não há qualquer alternativa para o nosso problema. Se houvesse já os águias de esquerda a teriam apresentado e gabado em toda a imprensa. Como não há, o melhor que conseguiram até agora foi o Krugman. Em linguagem rasa, a nossa crónica situação radica m dois pares de opostos: A - Produzimos pouco, mas gostamos de consumir muito; B - Pagamos ao estado o que podemos, mas queremos receber muito para além dos meios de que dispõe.
A ganância e a inconsciência dos políticos (para já não falar no analfabetismo económico) fazem o resto. Agora resta-nos pagar, aguentar e esperar que melhores dias venham. O resto são lérias para tentar endrominar a malta. Tranquibérnias, como diz o execrado VPV.
Professor,
Quanto a não haver alternativa para o nosso problema, somos capazes de estar de acordo, mas concordará comigo que "há muitas maneiras de matar pulgas"...
(execrado ou execrável? :-))
Bem resumido e concluído Professor.
Infelizmente será o que nos resta.
Ao Amigo Leão da Estrela esclareço que me referia aos trabalhadores dos transportes ,incluindo os "desfavorecidos" trabalhadores da TAP. Os srs. maquinistas da CP ,principalmente os da carga,já são um caso especial! Coitadinhos.
Os quadros que levam sacam 2/3 da massa em horas extraordinárias são,por exemplo,alguns esculapios da praça.
Cumprimentos.
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