sexta-feira, 9 de março de 2012

A MANIA DAS GRANDEZAS


Não há como os vizinhos para nos descobrirem a careca. Quase sempre por inveja doentia. Mas desta vez não é o caso. O semanário O Mirante desta semana puxou para manchete um tema que os dois jornais tomarenses nem noticiaram -O ponto de vista dos técnicos oficiais de contas sobre a contabilidade das autarquias. Geralmente muito criativa, diga-se desde já. Donde o extremo interesse e oportunidade da matéria. De apreensão assaz complexa, devido à junção intencional de duas autênticas pragas nacionais: o calão político e o calão contabilístico.
Leia-se com atenção o início da chamada de título "Torres Novas, Alcanena e Tomar figuram na lista dos municípios como menor grau de execução da receita cobrada." No país que somos e na cidade que é a nossa, quase de certeza que 8 ou 9 em cada dez leitores do jornal em questão não ficam a perceber patavina do assunto. O que também não tem importância nenhuma porque, acrescentariam se interrogados a esse propósito -isso é lá com eles, que eu não tenho tempo para essas coisas. Por isso estamos como estamos. Com tendência para pior.
Trata-se afinal de mais um caso gritante de megalomania. De mania das grandezas. De "empenachar" a realidade, como forma de esconder a miséria real. De se apresentar com fato novo, comprado a crédito, mas com as cuecas e as meias rotas. No que concerne a Tomar, os famosos orçamentos "estilo António Paiva", que continuam em uso pelas suas evidentes vantagens para políticos palonços, apresentam receitas e despesas da ordem dos 66 milhões de euros. A mostrar que Tomar é uma autarquia importante e rica. Porém, chegado o final de cada ano, verifica-se que afinal, excluindo as verbas europeias e os empréstimos bancários, o município não conseguiu executar = receber dos contribuintes (directamente ou através do governo) nem metade. Vantagens de tal estilo mentiroso? São várias. Os senhores políticos liderantes alegam que é para mostrar capacidade de absorção das verbas do QREN. No Orçamento para 2009 (páginas 4/5) lê-se esta singela confissão, que dispensa mais comentários (o negrito é de Tomar a dianteira): "O valor do orçamento agora apresentado ascende a 57.631.136€, um montante que consideramos ambicioso, porque elevado comparativamente às últimas execuções. Mas é resultado de uma enorme vontade em continuar o trabalho que iniciámos há onze anos. Este ano o orçamento é superior em cerca de 22,37% ao do ano anterior, dado estarmos na vigência de um novo Quadro Comunitário (QREN), do qual ainda não sabemos os montantes a receber e que obras poderão ser financiadas. Como é nossa obrigação estar atentos a todas as novas oportunidades que contribuam para o desenvolvimento do nosso concelho e bem-estar das populações, temos que prever realizar o maior número de obras que possam vir a ser objecto de candidatura QREN."
Em palavras simples, para que todos entendam: Isto está tudo aldrabado e feito à pressa por causa da nossa ganância doentia, mas é por uma boa causa. Os resultados estão agora, quatro anos mais tarde, à vista de todos. Há obras concluídas e outras por acabar, que ninguém sabe para que servem nem como se hão-de pagar.
Além desta falaciosa e perigosa argumentação, tendo por base os fundos europeus e uma pretensa ambição, há outras igualmente nefastas e desonestas, como por exemplo a deliberada dissimulação da realidade, mediante o recurso a grandes números apenas de fachada. É o caso das despesas de funcionamento do município (vencimentos + encargos obrigatórios + consumíveis). Se o orçamento fosse honesto, ver-se-ia que correspondem a mais de 50% das receitas efectivamente cobradas. Com os orçamentos habilidosos, passam a ser menos de 40%, o que já é muito mais aceitável.
Deste embuste resultam situações curiosas. Ainda na penúltima reunião a oposição chumbou a transferência para as freguesias de cerca de 600 mil euros = 120 mil contos = 7.500 contos por freguesia, em média.  A argumentação usada pelo PS deixa perceber que há sacanice na repartição, pelo que é urgente rever finalmente os respectivos critérios. Conforme já várias vezes prometido por Carrão, mas nunca executado. Já os IpT votaram contra, mas por não concordarem com o facto de Carrão ter resolvido -finalmente!- reduzir as transferências em relação ao ano anterior. Não muito, apenas 30 mil euros = 6 mil contos = menos 375 contos por freguesia, em média. Pois mesmo assim Pedro Marques e Graça Costa não concordaram. Percebe-se. Habituados a orçamentos habilidosos e a golpes de toda a ordem por parte da relativa maioria, o que são 30 mil euros? Apenas 62 salários mínimos! Ou cerca de 15 meses da reforma de Pedro Marques. Pouca coisa, como se vê. A política tomarense é um mundo de fantasia!

4 comentários:

Anónimo disse...

Caro professor,

Tem toda a razão quanto à mania das grandezas de grande parte dos nossos autarcas; eu cuido que há uma explicação simples para isso: o dinheiro não é deles!

Julgo que se se ser ao trabalho de analisar os orçamentos de todos os 308 municípios, encontrará muito poucos em que a previsão de receita seja realista. Tem a ver com tudo o que referiu e com a capacidade de endividamento, que é outro flagelo por que passam quase todos.

Já quanto ao QREN, deixe-me sublinhar o publicado no Boletim Informativo nº 14
divulgado recentemente pela Comissão Técnica de Coordenação do programa:
"No período 2007-2011, de acordo com a programação aprovada no inicio pela Comissão Europeia, Portugal podia utilizar 14.468,40 milhões € de fundos comunitários, no entanto utilizou, até 31.12.2011, apenas 8.347,7 milhões € (57,7%), ficando por utilizar 6.120,7 milhões €."

A não utilização atempada dos fundos comunitários resulta principalmente da conjugação dos
seguintes factores:1) Dificuldades que as empresas e outros beneficiários, incluindo o Estado,
têm enfrentado para obter crédito para financiar a componente nacional dos investimentos
apoiados pelo QREN; 2) A recessão económica que tem levado muitas empresas a paralisar os
investimentos e 3) Dificuldades burocráticas criadas pelas entidades oficiais.

Nos programas operacionais regionais, vitais para combater as graves assimetrias (desigualdades) regionais e a elevada desertificação do interior do país, que se têm agravado nos últimos anos e ainda mais com a crise, as taxas de utilização dos fundos comunitários são bastante baixas. Até 31.12.2011,no Programa Regional de Lisboa ( que é o que nos interessa propriamente ) a taxa de utilização é apenas 48,5%
ficando por utilizar 110,45 Milhões de Euros.

É verdade que os fundos comunitários não utilizados poderão ser investidos em anos posteriores, mas também é verdade que a sua não utilização quando já o podiam ter sido, contribuiu para o agravamento da crise (foi capacidade produtiva e emprego que não foi criado), por um lado, e, por outro lado, com atrasos tão grandes perde-se elevado poder de compra (por ex., só no período
2011-2012 os preços deverão subir cerca de 7%), o que determina uma redução significativa, em termos reais, dos fundos comunitários
( um aumento de preços de 7% , determina, relativamente
ao volume de 6.120,7 milhões € de fundos não utilizados, uma perda, em termos reais, correspondente a 400 milhões €).

Serve isto para dizer que apesar de a justificação para orçamentos irrealistas ser esta ferramenta extremamente importante para o desenvolvimento do País, ela não tem sido devidamente aproveitada.

Claro que, apesar das dificuldades de acesso ao crédito, da crise, etc. haverá também um poucochinho de incompetência por aí à mistura com alguma megalomania também, já que se assiste por esse País fora, a obras de duvidosa utilidade, como muito bem refere.

Anónimo disse...

Esqueci aqui as Juntas de Freguesia.

Parece-me que a assinatura de um protocolo de delegação de competências entre a Câmara e as Juntas, com objectivos e tarefas bem definidas e orçamentadas, a exemplo do que sucede em muitos concelhos, seria a medida adequada, desde que devidamente acompanhado e "fiscalizado", e sem que, por simpatia política ou outra, fosse subvertido por mais este ou aquele subsídio.

Custa-me ler n'"a Cidade de Tomar" que volta e meia os presidentes de junta andam a mendigar na Câmara.
Com regras claras e para todos, provavelmente as JF's teriam mais autonomia e seriam ainda mais úteis às populações.

Luis Ferreira disse...

Pois foi precisamente isso que o PS propôs: protocolos com as juntas para que o dinheiro real transferido, corresponda a serviço real em prol das populações, dentro das responsabilidades que a Lei permite passar dos Municipios para as Freguesias.

Assim sim faz sentido. A proposta que o PPD fez está mais do que estafada... Alias como quase tudo o que propõem.

jccorreia disse...

Mas onde arranja o sr. Vereador tanta lata ! Entao depois de 6 anos de miserável balda e desvario de um indivíduo chamado Sócrates e seus sócios,camaradas ,cúmplices,(como entender) ainda acha que as medidas que os outros preconizam são disparatadas? Na reforma administrativa,, nos cortes nas transferências para as juntas,etc Mas quem assinou o memorando com a Troika e foi o óbvio e principal negociador ?
Também faz parte das conhecidas e bafientas "viuvas" do homenzinho?