quarta-feira, 7 de março de 2012

"Paleio, basófia e cortina de fumo"

"É o maior jogo de cabra-cega da história de França. Com os olhos vendados, 44 milhões de eleitores avançam às apalpadelas em pleno ruído dos candidatos, para escolher o próximo presidente da República. À volta deles ouvem o barulho dos pretendentes que se injuriam, dos programas que se afundam e das promessas que se acumulam. Já se sabia que ia ser uma eleição por defeito, vai acabar por ser um escrutínio ao acaso. As semanas passam, a competição agudiza-se, as sondagens contradizem-se e ninguém fala verdade.
A verdade é que um enorme esforço nacional vai ser necessário para evitar o declínio do país. Dizer que "A mudança é agora" implica enumerar os sacrifícios necessários, mas François Hollande cala-se sobre o assunto. Proclamar "A França forte" torna necessária a descrição do caminho escarpado para lá chegar, mas Nicolas Sarkozy nada diz a esse respeito. Não se trata de saber se o sangue, o suor e as lágrimas vão correr durante o próximo mandato de cinco anos, mas de dizer já quem sangrará até empalidecer, quem transpirará mais do que agora e que direitos sociais choraremos todos com lágrimas de endividados. Sím, é mesmo verdade. No final deste ano, os franceses viverão pior do que no início. Ou então o presidente eleito terá acrescentado às mentiras da campanha eleitoral a basófia do início de mandato. Sim, é verdade. O pior ainda está para vir, mas um pior que pode ser transitório e salutar. Mas então porque será que os candidatos nem sequer tentam explicar-nos que assim vai ser?
Os dois favoritos estão confortavelmente instalados num duopólio confiscatório. O actual presidente volta a aquecer os mesmos pratos de 2007. O favorito prepara um refogado de ambiguidades. Ambos estão de acordo sobre a melhor receita para o debate público: cozido a vapor. François Bayrou denuncia com razão  a "sarkhollandização" da eleição presidencial, que é afinal lógica. Só Sarkozy e Hollande parecem ter os meios daquilo que pretendem, enquanto os médios e pequenos candidatos não são convincentes nas suas propostas nem credíveis nas suas equipas.
Para evitar falar dos tempos agrestes que aí vêm, aumenta-se o volume, organiza-se a confusão, joga-se ao eixo com os processos, prometem-se referendos para levar o povo  acreditar que afinal será ele a decidir. Tudo não passa afinal de cortina de fumo. Só um debate televisionado em directo pode acabar com esta espécie de rapto. O Conselho Superior do Audiovisual faria melhor impondo-o, do que mantendo-se agarrado à  ridícula ampulheta do tempo de palavra de cada candidato.
Que seja o desfile dos candidatos pelo Salão da Agricultura que no fim de contas abre a campanha eleitoral é eloquente no país de La Fontaine, que conseguiu pôr os animais a falar e extrair o bom senso da capoeira ou até da selva. Há já muito tempo que os franceses não passam de vitelos quando se trata de reformar o país, vacas leiteiras para pagar impostos e bois infelizes após cada eleição presidencial, uma vez que os cornudos políticos são comuns à esquerda e à direita. Mas um dia chegará em que a manada acabará por atacar."


Christophe Barbier, Éditorial, L'Express, 29/02/2012, página 3

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