domingo, 18 de março de 2012

O que tem de ser feito

ENArca, Fundador do PSU, deputado, ministro, primeiro-ministro de Mitterrand, embaixador, conselheiro de Sarkozy, agora com 85 anos, Michel Rocard é um daqueles políticos que conseguem ver a realidade política de cima e de longe. Eis extractos das suas mais recentes declarações ao semanário Nouvel Observateur:

"A moralização das nossas sociedades é uma exigência. A sua sobrevivência depende da capacidade para recolocar o sector financeiro no seu lugar. Sem esquecer que não pode haver sociedade produtiva sem um sector financeiro dinâmico. O problema reside no facto de ser extremamente difícil recolocar a finança no seu lugar. A prova está em que quando Roosevelt impôs o "Glass-Steagall Act", a separação obrigatória ente bancos de depósitos e bancos de negócios -medida a que devemos 60 anos sem crise financeira- todos os poderes financeiros se lhe opuseram. Já então era verdade que os bancos lucravam mais com a especulação do que com a gestão de depósitos.
... ...O mais provável é que vamos ter uma longa estagnação económica, ou mesmo um ligeira recessão, acompanhada por sucessivas explosões financeiras. Temos um crescimento bastante tolhido. Na zona europeia o crescimento é cada vez mais fraco e assistimos agora ao afrouxamento do crescimento industrial na China, na Índia e no Brasil. Quanto à dívida dos Estados Unidos, cifra-se agora em mais um record absoluto de 350% do PIB [contra 115%  do PIB em Portugal]. Em 1929, durante a grande depressão, era de apenas 210%. Por conseguinte, é grande o risco de um cataclismo, em que a actual crise das dívidas soberanas europeias é apenas um pequeno detonador.
Contudo, paradoxalmente, parece que os mercados começam a temer a derrocada, pelo que se transformam pouco a pouco em solicitadores de regulação.
...Não é prudente falar da manutenção das despesas do Estado, pois a ultrapassagem da crise depende da confiança dos mercados e para os sossegar deve-se pagar a dívida pública. Porém -volto a ser subversivo- qualquer ideia de pagar a dívida em condições que enfraqueçam o crescimento e provoquem recessão, não é razoável, pois amputa a possibilidade de continuar a pagar a dívida. Há que encontrar um equilíbrio entre o pagamento da dívida e a manutenção das despesas públicas, necessárias ao poder de compra e ao investimento.
Dito isto, a capacidade da França para observar essa regra -reembolsar tanto quanto possível a dívida sem afrouxar o crescimento- é bastante forte. Mas se estamos menos endividados do que a Grande Bretanha ou a Itália, estamos numa situação mais perigosa, porque a nossa dívida, ao contrário da italiana, é detida a 67% por investidores estrangeiros. De qualquer modo, escapar à crise das dívidas soberanas não diminui o risco especulativo das centenas de triliões de dólares, que circulam nos paraísos fiscais e por outras paragens. Explosões muito mais graves podem acontecer a qualquer momento, mesmo durante a actual campanha presidencial
... ... Seria uma atitude irresponsável abandonar a energia nuclear. Porque não temos escolha possível. Dentro de dois ou três anos, o volume de petróleo disponível vai diminuir drasticamente, o que não impedirá o aumento dos consumos chinês e indiano.. É por isso inevitável um aumento considerável do petróleo, o que vai complicar singularmente o crescimento económico de todos os países. Actualmente as energias renováveis não constituem ainda uma alternativa suficiente. Devemos continuar a desenvolver esses tipos de energia mas, se nos limitássemos a isso, poderíamos ser arrastados para a recessão e mesmo para a guerra civil. Basta ver o que está a acontecer na Grécia.
Por conseguinte, o nuclear civil continua a ser necessário.
O que fazer com uma sociedade sem crescimento económico ou quase? Como reformá-la sem aumentar as despesas públicas? Trata-se de edificar uma sociedade menos mercantil e menos cúpida, menos voraz em termos de energia e dispondo de mais tempo livre. Há que suscitar práticas culturais e desportivas mais generalizadas. Redescobrir o tempo com a família, as relações de amizade e associativas, com carácter festivo. Não é indigno não trabalhar, quando se sabe dar um sentido ao tempo livre. Já Paul Lafargue [genro de Marx] assim o escrevia, em 1902, defendendo o direito à preguiça. E o agora tão celebrado Keynes disse em 1930, em plena Grande Depressão, que "antes do fim do século, bastarão três horas diárias de trabalho produtivo para a humanidade poder assegurar as suas necessidades, mas quando vejo o que os ricos fazem com o dinheiro, pergunto-me se não devemos temer uma depressão nervosa universal".  Aí está ela!"

Respostas recolhidas e tratadas por François Armanet e Laurent Joffrin, NouvelObs,08/03/2012, pág. 67
A cor e as partes entre [ ] são de Tomar a dianteira

1 comentário:

snowgoose disse...

Caro Rebelo, obrigado por partilhar este excerto do artigo.Vamos apostar no turismo! Um abraço amigo.JN