sábado, 15 de setembro de 2012

Lá como cá


No dia das quarenta manifestações (inteiramente justificadas, diga-se), para melhor conhecimento do actual contexto europeu, convém melhor situar as coisas. A ilustração supra mostra a capa do NOUVEL OBSERVATEUR, uma das bíblias da esquerda francesa, conjuntamente com o LE MONDE e o LIBÉRATION. Uma foto do governo socialista francês (33 ministros, contra 11 em Portugal), com o presidente da República ao meio, de braços abertos, tendo à sua direita o primeiro-ministro, permite ver que todos os governantes usam gravata, mas nenhuma é vermelha. Na pátria do chic e do savoir faire, nenhum governante ousa brincar com a etiqueta.
 A encimar a foto, uma interrogação lancinante, em letras garrafais: São assim tão fracos? Logo abaixo: Os bastidores de um recomeço falhado. Mais abaixo ainda, para completar o ramalhete: Eleições Americanas Porque é que Obama decepcionou.
Tudo isto numa revista de esquerda e extrema esquerda. E depois o prezado leitor Templário/Cantoneiro da Borda da Estrada ainda resolve escrever em tom acusatório que eu me passei para a direita com armas e bagagens...
Ainda no NOUVEL OBSERVATEUR, mas da semana de 30/08 a 06/09, julgo com interesse publicar alguns excertos de uma entrevista a  Daniel Cohen, economista, professor na Escola Nomal Superior e vice-presidente da Escola de Economia de Paris, por ocasião da saída do seu mais recente livro HOMO ECONOMICUS, Profeta perdido dos novos tempos, ainda não traduzido em português. O anterior livro de economia do mesmo autor, A prosperidade do vício, vendeu 100 mil exemplares, o que mesmo em França, para uma obra sobre economia...

"O paradoxo actual reside no facto de a economia ter tendência a ditar por todo o lado o seu modelo, mas num momento em que a evolução das necessidades sociais vai noutra direcção. Os grandes polos da sociedade post-industrial, que são nomeadamente a educação e a saúde, não entram no quadro da sociedade mercantil. Quando se tenta dar prémios financeiras a professores ou a médicos, por exemplo em função dos resultados, obtêm-se rapidamente catástrofes pedagógicas ou sanitárias. Se disser a um professor que terá um prémio em função dos resultados obtidos pelos seus alunos no exame do 12º ano, está a incentivá-lo a desinteressar-se dos alunos mais fracos, que praticamente já não têm qualquer hipótese, bem como dos melhores, que terão positiva de qualquer modo. Conclusão: um prémio tendo como objectivo aumentar a eficácia vai levar o professor a interessar-se apenas por um pequeno grupo de cada turma. O que não significa que nada se deva fazer; apenas que um dos desafios da esquerda agora no poder consistirá em inventar outras maneiras de regulação, diferentes das inspiradas pela lógica mercantil. O mesmo se pode dizer em relação ao sistema de saúde."

... ... ..."A Europa está perante uma crise existencial. Os pioneiros da construção europeia apostaram que a integração económica conduziria inevitavelmente à integração política. Os dirigentes actuais acabam de fazer a dolorosa descoberta de que afinal as coisas não estão a acontecer como previsto. A economia só conduz a si própria e de modo algum à cidadania política. Actualmente, os alemães não querem pagar para os gregos ou os espanhóis, repetindo os mesmos erros de 1930: deixar embalar os mercados financeiros, sem referências nem outros amortecedores. Keynes defendeu, logo a seguir à 2ª guerra mundial, a criação de uma moeda supranacional, que permitisse oferecer liquidez aos países em dificuldade, sem estar limitado pelas reservas de ouro dos respectivos bancos centrais. Pois criou-se o instrumento reclamado por Keynes -o euro- mas agora recusam servir-se adequadamente dele. A questão resume-se neste momento a isto: Os alemães vão aceitar que o BCE defenda os países em dificuldade contra os mercados? Ou vão continuar a pensar que os mercados detêm a verdade, à qual os governos se devem vergar? [Entretanto já se soube que a senhora Merkel escolheu a primeira hipótese, uma vez que o presidente do BCE anunciou a compra ilimitada de dívida até três anos de todos os países sob assitência da troika.] Navega-se aqui entre a razão e a superstição... A economia não leva à cidadania, mas são os seus disfuncionamentos que obrigam a escolher entre a solidariedade e o caos... Roosevelt foi capaz de oferecer um New Deal aos americanos, para sair da crise dos anos 30 do século passado, mas foi sobretudo a guerra que veio a criar depois um novo ideal de solidariedade. Agora é imperativo fazer um esforço semelhante em tempo de paz."

Daniel Cohen, Nouvel Observateur, 06/09/2012, página 67
Entrevista conduzida por François Armanet e Gilles Anquetil
O texto a azul é de Tomar a dianteira

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