"Desconhecendo que Luigi Duquenet estava em fuga há quatro meses, a guarda republicana desencadeou, na sexta-feita à noite, a operação de intercepção "Rede Azul". "Tinha havido tentativa de homicídio de um guarda, no exercício das suas funções", disse-nos o tenente-coronel Morault, segundo comandante da guarda republicana do distrito do Loir-et-Cher. Menos de duas horas mais tarde, o carro do fugitivo apareceu no controle de Thésée. Entretanto, Miguel tinha passado para o volante. De acordo com os guardas, o caro primeiro pareceu afrouxar, para logo a seguir se lançar a toda a velocidade em direcção aos agentes da autoridade, identificados pelos coletes florescentes regulamentares, que se aproximavam. Um deles empunhava a espingarda de serviço, com o cano virado para o solo. Assustado, o seu colega sacou da pistola de 15 tiros e disparou duas vezes na direcção do automóvel. Luigi veio a falecer pouco antes da meia-noite. Imediatamente detidos, os dois guardas, contra os quais a família do defunto afirma que vai apresentar queixa, foram libertados pouco depois, por ordem de um juíz.
A extrema violência da reacção à morte de Luigi, no domingo 18 de Julho na aldeia de Saint-Aignan-sur-cher, próximo do local do drama, surpreendeu toda a gente. A praça central foi atacada por cerca de quarenta ciganos, alguns de cara tapada. Equipados com machados e barras de ferro, arrancaram uma a uma as letras do dístico "Guarda Republicana", assaltaram a padaria, tendo roubado pão e todos os bolos, derrubaram várias tílias e alguns semáforos. Lastimando os incidentes, o pai de Luigi assinalou que "mesmo assim, uma árvore derrubada é menos importante do que uma vida humana". Na noite seguinte, verificaram-se outros incidentes do mesmo tipo em várias aldeias do vale do Cher, que por enquanto ainda não foram oficialmente relacionados com a morte de Luigi. As povoações atingidas estão situadas mais ou menos no trajecto do passeio mortal do jovem. Foram incendiados alguns automóveis, um estabelecimento foi assaltado com um automóvel para arrombar a porta, e duas pequenas câmaras municipais [em França não há freguesias, é tudo câmaras] foram incendiadas.
Por enquanto não há detenções, mas o inquérito prossegue e 300 guardas republicanos foram destacados para a região."
Patricia Jolly/Le Monde
Tradução e adaptação de A. Rebelo
Nota de Tomar a dianteira
Uma semana após os incidentes, em 23 de Julho, um tribunal da região julgou em flagrante delito alguns dos implicados nos actos de violência, tendo condenado um a sete meses de prisão, dois a dois meses, e determinado o controle judiciário para um menor. Continuam as buscas para encontrar e levar a tribunal os restantes implicados na alteração da ordem pública.
POR ESTES LADOS, OS NÓMADAS VIAJAM POUCO
"Área de acolhimento reservada aos nómadas" é uma indicação frequente nas estradas do Loir-et-Cher. Com 21 locais reservados por a efeito, -ao abrigo do determinado pela lei de 5 de Julho de 2000, que obriga as povoações de pelo menos 5 mil habitantes a acolherem os ciganos-, o distrito cumpre globalmente o esquema regulamentar.
Distribuídas pelos bairros de Blois, Vendôme e Romorantin, 422 lugares de estacionamento estão reservados para caravanas, com uma média de quatro pessoas cada uma. Podem ficar estacionados durante um máximo de 90 dias, após o que são obrigados a mudar de concelho. há igualmente uma zona de grande passagem, aberta a pedido da comunidade, durante as migrações tradicionais, como as peregrinações a Lourdes, Lisieux ou Saintes-Maries-de-la-Mer. Todavia, estes terrenos identificados oficialmente e equipados com sanitários, água e electricidade, tudo a pagar, não convêm a todos. Algumas famílias acham-nos demasiado longe do centro, sem sombras, e gostariam que fossem gratuitos. As famílias que continuam nómadas nem sempre apreciam a cohabitação com as "sedentarizadas".
"Paradoxalmente, por aqui os nómadas viajam pouco", explica-nos o segundo comandante distrital da guarda republicana. Alguns apareceram na região logo após a segunda guerra mundial, há muito que são sedentários, certamente porque gostam do bom clima." Para se sentirem realmente em casa, algumas famílias ciganas da região foram comprando ao longo dos anos terrenos onde a construção é proibida, nos quais estacionam as caravanas e edificam armazéns de apoio. É o caso da família de Luigi Duquenet, o jovem cigano de 22 anos, atingido mortalmente por um tiro de pistola disparado por um guarda republicano, durante uma operação-stop, na passada sexta-feira, 16 de Julho. Instalado nos arredores de Blois desde os anos 50/60 do século passado, o seu prolífico clã até tem, no cemitério de Saint-Gervais-la-Forêt, um jazigo subterrâno familiar, no qual já repousam agora três gerações. E no entanto, a comunidade cigana continua a não se sentir em casa.
"Tenho 52 anos e vivo aqui há 50; porquê tanto racismo e tanto ódio contra nós?", pergunta-nos Jean-Pierre Chatelin, empregado da câmara de Saint-Gervais-la-Fôret, durante o funeral de Luigi, seu "primo em terceiro grau", que ele continua a pensar que foi morto de propósito durante a operação-stop. Para ele, como para outros familiares do defunto, uma expressão é repetida vezes sem conta -a "perseguição" das forças da ordem. "Mesmo se nos limitamos a fazer normalmente a nossa vida, estão sempre em cima de nós", lastima-se.
Do lado oposto a interpretação tem pontos comuns: "Os ciganos são controlados porque infelizmente muitos delitos nos conduzem com muita frequência a certas famílias. É por isso natural que se possam sentir perseguidos", explicou-nos o segundo comandante da guarda republicana. Temos com eles os mesmos problemas que os nossos colegas da polícia nacional têm de enfrenter nos bairros dos subúrbios das grandes cidades. Há cada vez menos "guardas velhos", bons conhecedores do território e das famílias que aí habitam. Entretanto os patriracas ciganos foram desaparecendo e tornou-se difícil estabelecer contactos regulares com interlocutores que respeitem a palavra dada. Há por isso falta de confiança recíproca, pelo que eles nos vêem mais como força de repressão, do que como protectora das pessoas e dos seus bens."
"De há 15 anos para cá, os nossos jovens deixaram de nos ouvir, porque são demasiado mimados, com os computadores portáteis e as cônsolas de jogos, logo a partir dos 6 anos", admitiu-nos Jean-Pierre Chatelin, que foi avô aos 38 anos. Recentemente, dois dos seus netos até lhe roubaram dinheiro. "Mas a mãe deu-lhes um valente sova e fez muito bem", disse-nos com ar feliz."
Patricia Jolly
4 comentários:
Para alem dos incidentes em Loir-et-Cher, houve também destruição no sudeste (Isere);aqui parece não terem sido ciganos. Quando escreve "guarda republicana" refere-se à "Gendarmerie"?
Claro. É a única tradução possível em português. Caso contrário ninguém sabe de que autoridade se está a falar, excepto os emigrantes e ex-emigrantes em França, no Luxemburgo ou na Bélgica.
Gendarmerie também pode ser simplesmente polícia ou esquadra de polícia. Claro que no imaginário português guarda republicana (excepto BT)é sinal de piores "maneiras", modos mais "broncos", acção mais rude!
Alguns jornais relacionaram os factos referidos com o que se passou no Isere. Aqui, da responsabilidade da comunidade magrebina.
Cuidado com o muito português "vai tudo dar ao mesmo". No caso presente, deve-se sempre ter em conta que a gendarmerie, tal como a GNR, a guardia civil, os carabinieri, ou a maréchaussée são forças militares de segurança interna, exactamente com os mesmos postos e a mesma disciplina do exército. Pelo contrário, PSP, Polícia Nacional, em Espanha, Police Nationale, em França, etc, são forças civis de segurança, com outra preparação,outra disciplina e outra maneira de actuar.
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