terça-feira, 24 de julho de 2012

Na informação internacional

"A Sicília é a Grécia da Itália"

"É uma reunião de trabalho, prevista para hoje em Roma, que pode bem vir a transformar-se num choque de civilizações. De um lado, o austero milanês Mário Monti; do outro o altamente despesista Raffaele Lombardo, "governador" da Sicília. O primeiro, presidente do conselho de ministros italiano, infligiu ao seu país uma cura de austeridade sem precedentes. O segundo afogou a região que governa num défice de 5,3 mil milhões de euros, o que equivale a 6% do PIB da ilha, e numa dívida de 21 mil milhões. 
Mário Monti solicitou há pouco a Raffaele Lombardo confirmação da sua intenção de se demitir, para colocar a Sicília -região autónoma- sob tutela directa do governo central. Crê-se que o siciliano deverá aceder ao pedido do milanês.
"A Sicília é a Grécia da Itália", afirmou o presidente da câmara de Palermo, Leoluca Orlando, recentemente eleito. É que Raffaele Lombardo, mesmo tendo herdado uma situação financeira já bastante perigosa, aquando da sua eleição em 2008, não foi nada modesto. No último ano do seu mandato permitiu a contratação de milhares de funcionários, cujo total atinge agora 17.995, contra apenas 3.200 na região do Piemonte, equivalente em termos de população.
Tal prática tem um nome: clientelismo. Cada emprego na função pública, numa região onde o desemprego atinge os 20%, o dobro da média nacional, equivale a um voto para o respectivo padrinho. Assim, numa população total de 5 milhões, 144 mil trabalham na administração local, entre os quais 24.880 guardas florestais...
A sede do conselho regional, o Palácio dos Normandos, em Palermo, bate todos os records de desperdício e de manigâncias. 1.382 funcionários -mais do que na sede do governo inglês, no 10 Downing Street, em Londres -alguns a receber 17 mil euros mensais-, partilham entre si um imponente queijo. Um familiar doente? O funcionário respectivo pode solicitar a sua reforma, desde que tenha 25 anos de serviço. Milhares de consultores-fantasma "trabalham" para as colectividades públicas. E até os 90 conselheiros regionais (deputados) têm direito a 5 mil euros de despesas de funeral para os seus familiares.
Até agora Raffaele Lombardo tem sabido navegar de modo hábil. Eleito com os votos da direita, liderando o Movimento para as Autonomias, aliado do partido da Sílvio Berlusconi, tem-se mantido no poder graças a uma maioria de esquerda. Prometendo um subsídio por aqui, um emprego por ali, um negócio por acolá, acabou por intrigar a justiça, que o suspeita, junto com o irmão, de "participação exterior" numa associação mafiosa. Uma tradição. O seu antecessor, Salvatore Cuffaro, dorme numa prisão de Roma, condenado em 2011 a sete anos, por conexão com a Mafia.
Em sua defesa, Raffaele Lombardo alega que "a Sicília atravessa uma simples cise de liquidez, ligada à recessão da Itália em geral. Vou dizer a Mário Monti que o Estado nos deve mil milhões de euros. Com esse dinheiro não teríamos problemas." Quanto à questão do excesso de empregos na administração pública, a sua resposta é rápida: "Que havemos de fazer? Matá-los?"
Entretanto, enquanto se aguarda uma solução menos fatal, a agência de notação financeira Standard & Poor's confirmou a nota BBB+ da ilha, mas suspendeu-a logo a seguir "devido à falta de informações suficientes por parte da Sicília."

Philippe Ridet, Le Monde on line, 23/07/2012

Para perceber um determinado tema, ainda nada substitui uma ida às origens... Digo eu!

3 comentários:

Leão_da_Estrela disse...

Onde é que eu já vi isto?

(terá sido ali numa ilha no Atlântico, a duas horas de avião de Lisboa e governada por um trauliteiro que ao longo de quase 40 anos vem desafiando, sem consequências, os cubanos do cont'nente, inclusive o sr. Silva e o sr. Pinto de Sousa e agora também o Sr. dos Passos?)

templario disse...

DE: Cantoneiro da Borda da Estrada

Sicília?!
Sicília e Portugal.

Muitas coisas em comum ao longo da história, onde foi sempre difícil aos respetivos povos serem felizes, por serem dois pontos geoestratégicos de suprema importância, permanentemente disputados por razões políticas, económicas, militares e de expansão territorial. A Sicília por ter sido indispensável para dominar o Mediterrâneo e o respetivo comércio com o norte de África, Médio Oriente e Hispânia Ibérica; Portugal, a Hispânia dominada pela Lusitânia, para dominar o eixo Atlântico - Lusitânia não é Ibéria e Ibéria não é Lusitânia, Portugal não é Ibéria e Ibéria não é Portugal.

Foi pelo controlo da Sicília que se iniciaram as guerras púnicas entre Roma e Cartago e se abriu caminho para o Império Romano. Na Sicília ainda hoje se sonha com a independência.

Foi nestas regiões do sul que floresceram o comércio, a filosofia, as ciências, os contactos com outros povos e mundos. Sicília e Portugal foram pontos estratégicos.

O que foi no passado, o que tem sido e o que é hoje a Sicília? O que foi no passado, o que tem sido e o que é hoje Portugal? Ambos continuam a ser hoje centros de disputa geoestratégicos: elos fracos do continente Europeu.

Mafiosos na Sicília? Ora, ora.... O que devemos chamar então aos que têm mantido Portugal sua coutada ao longo dos séculos até ao dia de hoje? Na Sicília há muitos funcionários públicos? Em Portugal também há muitos funcionários públicos? Pudera!

Porque será que há tantos funcionários públicos nos países do sul, intervencionados ou em vias de o serem?

Porque será?

Boa pergunta, cuja resposta não pode ser dada sem ir à História. E como eu não sou historiador e não sei dar lições de História, o melhor é começarmos todos a interessarmo-nos por ela, a começar pelo nosso sistema de Ensino a todos os níveis - mas sem aldrabices e com o sentido de aprendemos com os fracassos.

Pela minha parte sempre me interessei e continuo a interessar-me, mas é coisa caseira, consumo doméstico. Interpretação livre. Que remédio... Há hoje historiadores que se distraem em controvérsias sobre um título honorífico, com opinião pesada...

Se a ignorarmos de todo nas nossas reflexões sobre as crises das sociedades de hoje, temos dificuldade em perceber porque surgiu a ideia de uma UE, porque está tão difícil em implementá-la e porque aumenta o fosso entre os países do sul (mediterrânicos) e os países a norte.

A História exerce uma força mais poderosa sobre o presente do que imaginamos.

Mas há quem pense que a história começa com eles. Quando assim é, dá bota. E está a dar.

Unknown disse...

Pois! É sempre conveniente ir dissertando, quanto mais não seja porque divagar pode levar longe.
O essencial neste caso, parece-me, é que entretanto a Sicília pediu ajuda financeira ao Estado e o professor Mário Monti, um italiano "bruxelizado" não transigiu: Ajuda estatal só após ter na mão o pedido de renúncia do governador e restantes eleitos. Assim tem procedido sempre, ainda recentemente em relação a Parma, (170 mil habitantes) capital da Parmalat, entretanto falida, e do célebre presunto. Segue-se o envio de funcionários superiores para governar a coisa. Tudo porque não há memória de algum leão ou tigre se terem tornado herbívoros.
Pena que Rajoy em Espanha e PP Coelho em Portugal ainda não tenham chegado à mesma conclusão. Já estaríamos livres dos sonhos independentistas catalães e do estarola do Funchal.