sábado, 14 de julho de 2012

Saia um pastelão para a mesa do canto! - 2

"Cada ministro marcou encontro com os funcionários superiores do ministério das finanças, com a esperança de poder obter o essencial. O que leva antigos ministros de Sarkozy a achar demasiado rigorosa a austeridade de Ayrault. O da Habitação, por exemplo, confessou: "Não estou a ver como é que vão conseguir poupar ainda mais. Já suprimimos a Lei Scellier e reduzimos drasticamente os empréstimos à taxa zero. Não há mais nada para rapar. François Hollande disse ser necessário aumentar os recursos dos investidores sociais e implementar um segundo plano de renovação urbana, suprimindo a taxa HLM [habitação de renda limitada]. É muito dinheiro", declarou-nos Chantal Jouanno, ex-ministra do ambiente, onde está prevista uma redução de 1.500 empregos: "É tentador cortar na rede de inspectores de riscos tecnológicos químicos, na Direcção da Biodiversidade, que deixou de ter um Secretário de Estado, ou na Agência do Ambiente e do Controle de Energia. Mas seria um grave erro, porque as implicações económicas são consideráveis."
Os sangradores do Ministério das Finanças têm pelo menos uma ideia exacta das amputações a realizar imediatamente? "Por enquanto a pergunta é prematura", disse-nos Jérôme Cahuzac, Ministro do Orçamento. Está fora de causa que sejam os tecnocratas do Orçamento a ditar as suas escolhas aos eleitos. "São os ministros os melhores conhecedores das suas administrações respectivas", acrescentou o ministro.
O método adoptado pelo professor Ayrault [professor de alemão] é a autodisciplina: cabe aos ministros definir os cortes a efectuar. Caso surjam diferendos com o do Orçamento, o primeiro-ministro decidirá. "Vai ser extremamente interessante, afirma sorridente Cahuzac. Antes da carta de enquadramento, os ministros tinham exigências exuberantes. Designadamente em matéria de criação de empregos. Vão ter de as reduzir e ajustar..." A Ministra da Cultura Aurélie Filippetti, por exemplo, terá de fazer novo relatório. No primeiro pretendia a criação de 700 empregos em três anos, para o ministério e respectivos operadores... No Ministério das Finanças, onde já se aplica a regra da não substituição de dois lugares em cada três que vagam por aposentação, juram que "ainda há racionalizações possíveis." O respectivo serviço de comunicação realça os méritos da central de compras, que vai permitir gastar menos. Compra de equipamentos -dos barcos da alfândega às borrachas dos inspectores- factura energética, rendas... O cost cutting há tanto tempo praticado nas empresas privadas, vai tornar-se uma religião de Estado.
Alguns bons alunos mostram já os seus resultados: "O orçamento da defesa é um caso específico, uma vez que depende de uma lei de programação orçamental 2008-2014", explica Jean-Louis Le Drian, um dos conselheiros do ministro. "Essa mesma lei prevê uma redução de 7% nas despesas de funcionamento." Os ministros do orçamento e da economia já referiram como "exemplar" a gestão dos militares.
Os protegidos de François Hollande -Educação, Interior e Justiça- estão dispensados no que concerne à redução de funcionários: Mas terão mesmo assim de reduzir as despesas de funcionamento. Como os outros! Mas que ninguém diga aos actuais ministros que estão a fazer o mesmo que os seus antecessores. "A nossa política não tem nada a ver com A Revisão Geral das Políticas Públicas, a qual impunha, sem discernimento,  a não substituição de um em cada dois funcionários a aposentar", explica o director de gabinete do primeiro-ministro. "Vamos criar empregos na educação, na justiça e nas forças de segurança. Nos outros ministérios pretendemos estabelecer um plano de economias adaptado às realidades do terreno, que preserve as prioridades estratégicas e os serviços públicos." Para afinar a análise, a ministra da Função Pública encomendou uma auditoria para avaliar o impacto da Revisão Geral das Políticas Públicas. As conclusões serão conhecidas em Setembro. "A RGPP, disse-nos, limitou-se a reduções cegas, ocultando uma etapa indispensável: a definição prévia de um serviço público moderno." Como se pode ver, a equipa Ayrault não se contenta com um vulgar cost cutting. Pretende, na nova linguagem managerial, implementar uma verdadeira "reengeenering", susceptível de identificar e suprimir as tarefas inúteis, substituindo-as por novos processos mais eficazes.
O problema é que grande parte da esquerda não percebe a nuance. Os sindicatos, já escaldados pela fraca revalorização do salário mínimo, estão contra a inultrapassável "lógica contabistica", que parece resistir a todas as "mudanças". "Andámos a comer dessa sopa durante cinco anos. Agora não queremos mais", lançou François Chérèque da CFDT. No parlamento, por enquanto apenas os dez deputados da Frente de Esquerda se manifestaram contra o governo, ao absterem-se na votação da moção de confiança. Mas a ala esquerda do PS começa também a agitar-se. "Para que serve aumentar a austeridade, quando o crescimento económico é fraco? Caminhamos para uma situação semelhante à da Grécia", proclama a senadora Lienemann (PS).
No próximo congresso do PS, que terá lugar em Toulouse, no final de Outubro, a corrente de que faz parte a senadora tenciona apresentar uma moção, para difundir "algo diferente em matéria de política económica e de construção europeia".A posição de Benoît Hammon, outro elemento da mesma tendência e ministro da Economia Solidária, promete vir a ser acrobática.
Os tempos difíceis que se avizinham para o governo parecem estar também na origem de uma tendência ultra-reformista: "Finalmente estamos perante a questão de uma verdadeira reforma do Estado Social", considera Bernard Spitz, um dos fundadores dos GRACQUES. Este clube de pensadores "post-social democratas" preconiza desde 2007 uma aliança da esquerda e do centro, como forma de se conseguir a grande viragem já efectuada nos países nórdicos e na Alemanha de Gerard Schröder. Que linha vai adoptar François Hollande? Pelo andar da carruagem, em Setembro as referências ao seu projecto presidencial correm o risco de não agradar nem aos representantes da esquerda tradicional, nem aos gestores ultra-modernistas, nem aos financeiros mundializados. Vai ter de clarificar. Mais uma vez e sempre..."


Sylvain Courage, com o Serviço Político, NOUVELOBS, 05/07/2012, páginas 24/25

1 comentário:

Leão_da_Estrela disse...

Prof.

Aproveitando para responder ao post anterior, pegou-lhe pelo acessório, esquecendo que concordei consigo no essencial.

Não querendo ser redutor, mas tendo que o ser, dir-lhe-ei que a economia da europa, França incluida, será aquilo que os alemães quiserem e os mercados que eles dominam ditarem.

O resto são fait divers...

Ctos