sábado, 10 de novembro de 2012

"Contra argumentos não há factos"

Apesar de dar sempre prioridade à cidade e ao concelho, decidi publicar este excerto da crónica de Miguel Sousa Tavares, por considerar que o último parágrafo retrata perfeitamente a actual situação tomarense. Basta substituir governo por autarquia, Passos Coelho por Carlos Carrão, António José Seguro por Anabela Freitas, primeiro-ministro por presidente da câmara e Portugal por Tomar. O resto assenta que nem uma luva.

"...António José Seguro vê em toda esta conversa da "refundação" uma excelente oportunidade para antecipar a campanha eleitoral e esperar que a rua lhe entregue o poder de bandeja, para que depois se invertam os papéis: um governo socialista, confrontado com os números, a querer reformar o Estado e a oposição de direita a impedi-lo, com o renovado apoio da extrema-esquerda.
A terceira atitude possível, e a única que me parece recomendável, é pegar no "convite" de Passos Coelho (que, obviamente, não é inocente nem ditado por boas razões, mas sim pelo reconhecimento do fiasco da política seguida até aqui), e começar por impor condições prévias: a renegociação do acordo com a troika, quanto aos prazos, juros e algumas das condições; a libertação de fundos que permitam o apoio do Estado ao relançamento da economia e o combate ao desemprego; a interrupção dos processos de privatização de empresas públicas viáveis e essenciais à soberania económica do país (e, já agora e por contraste, que o governo tenha a coragem de enfrentar sectores sócio-profissionais que se comportam como inimigos públicos, como sejam os dos estivadores ou os maquinistas da CP); um programa de cortes radicais e verticais na estrutura do Estado, e onde isso dói, ao PSD como ao PS: autarquias, fundações, institutos, direcções e serviços regionais e o regabofe do Jardim.
Isto exigido à cabeça, o Partido Socialista tem o dever cívico e patriótico de se sentar à mesa e participar na discussão e na busca de soluções para definir qual é o Estado que queremos e podemos manter -agora e, pelo menos, na geração seguinte. E é evidente que também Sua Cautelosa Excelência do Palácio de Belém teria o dever de ser parte e fomentador desta discussão, em lugar de se refugiar em "pareceres profundos" que encomendou e esperar para ouvir todas as opiniões, todas as queixas e lamúrias, e assistir a todas as manifestações ou arruaças, antes de ousar correr o risco de deixar de falar por cassandrices redondas e inócuas, justificando enfim porque quis tanto sentar-se na cadeira presidencial. Mas isto já é esperar de mais. O país não pode esperar e o PS não tem o direito de fingir que não sabe a importância do que está em jogo e ficar de fora, regalando-se com o espectáculo do apodrecimento da situação, até que um país podre, e não apenas um poder podre, lhe caia no colo.
Por estes dias, ao ouvir falar os socialistas, dei-me conta de que não aprenderam muito com a queda do seu governo e com este ano e meio de oposição. Repetem a mesma estratégia de sempre, convencidos de que esta é a mesma situação de sempre: que se trata do eterno jogo de alternância entre eles e o PSD. Não perceberam que alguma coisa de fundamental mudou na forma como a parte produtiva do país olha e pensa em tudo isto. Por pior que seja a opinião sobre o governo de Passos Coelho, não há entre os portugueses nenhuma pressa ou desejo intenso em vê-lo substituído por um de António José Seguro. Acreditem que não há. Não se trata já de mudar a maioria ou o primeiro-ministro, mas sim de mudar a forma de fazer política e a forma de governar Portugal."

Miguel Sousa Tavares, Expresso, 1º caderno, 10/11/2012, página 7

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