Felizes os cidadãos de países livres onde continuam a imperar a educação, o protocolo e as boas maneiras. Nesta foto do Le Monde de ontem, vemos o presidente da república, François Hollande, seguido do seu primeiro-ministro Jean-Marc Ayraut. Apesar de amigos íntimos há mais de 20 anos, durante as comemorações do fim da segunda guerra mundial, em Paris, o segundo respeita rigorosamente o protocolo: três passos atrás do PR.
Não me acusem daquilo que não sou!
Numa bem urdida catilinária, o meu preclaro amigo Luís Ferreira apoda-me, em termos cordatos, de liberal encapotado, agora depois de velho, no seu blogue vamosporaqui.blogspot.com E aproveita para vincar uma vez mais que "sem crescimento não é possível pagar a dívida". No que tem inteira razão. O problema está em saber como é que se pode espevitar o crescimento económico sem aumentar ainda mais a já colossal dívida pública, gloriosa herança socratina. Os especialistas apontam geralmente uma de três vias: A - Pela procura, mediante o aumento da massa monetária em circulação; B - Pela oferta, mediante o incremento das exportações; C - mediante um mix de A+B. Qualquer das opções exige meios de que a depauperada tesouraria portuguesa não dispõe, nem virá a dispor tão cedo.
Aqui chegados, Luís Ferreira propõe logo o modelo alemão do pós-guerra, quando a pátria da senhora Merkel, que alguns especialistas alemães já baptizaram de "Merkiavel" (Ulrich Beck, Angela Merkel novo Maquiavel, Le Monde, 13/11/2012, página 20) foi pagando a sua gigantesca dívida com uma percentagem fixa do seu crescimento económico. Até nem seria nada descabido, não fora um pequeno detalhe que o estimado vereador socialista omite, quiçá involuntariamente: Portugal não pediu dinheiro à troika para pagar a dívida, mas apenas para ir liquidando os juros da dívida. Para ir gerindo a dívida, diria o anterior primeiro-ministro. Assim sendo, que taxa de crescimento será necessária para assegurar uma coisa e outra, sem auxílio internacional? E como consegui-la? Com mais uns programas à la Sócrates, tipo Parque Escolar?
Não, meu caro amigo Luís. Não virei liberal, adepto dos Chicago boys, de Milton Friedmann. Nem coisa parecida. Apenas vou procurando, na modesta medida das minhas limitadas capacidades, manter alguma clarividência, evitando tanto quanto possível a cegueira ideológica. E para que possas constatar que estou muito bem acompanhado, farás o favor de ler a tradução seguinte:
"François Hollande e a via social-liberal"
"Feliz relatório Gallois, que se espera venha a marcar a viragem do quinquénio, seis meses apenas após a eleição de François Hollande. Era um nado-morto antes de ser publicado. Ei-lo agora em todas a bocas, tanto à esquerda como à direita. E no entanto, a opinião do antigo patrão da Airbus inflige uma dupla afronta: à direita de Jacques Chirac e Nicolas Sarkozy, que deixaram a França ficar para trás durante dez anos, dando assim razão às Cassandras, que denunciavam o declínio da nação; e ao Partido Socialista, pelo seu programa económico indigente, ao pretender que a França não tinha qualquer problema de competitividade, preferindo abrir a caça aos ricos.
François Hollande teve o mérito de agarrar o relatório com coragem, reciclando logo o "IVA anti-deslocalização" do seu predecessor. O chefe de Estado restabelece assim a coerência entre os seus actos e as suas opiniões, difundidas desde há algumas semanas, em off, junto dos seus conselheiros. Anuncia também, aos seus parceiros europeus, mais passos na mesma direcção, nomeadamente na flexibilização do mercado laboral.
Será conveniente não se deixar influenciar pela Frente de Esquerda ou pelos ecologistas, incentivando a política social-liberal. Não, não é nenhum palavrão, nem nenhuma injúria."
Arnaud Leparmentier, Le billet, Le Monde, 13/11/2012, página 2
Se ainda por cá andasse, o saudoso Fernando Pessa não deixaria decerto de usar a sua exclamação preferida: E esta heim?!?!
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