Por estes lados, temos sido prendados ultimamente com várias manifestações de índole turística. À cabeça, além naturalmente das visitas e outro folclore caseiro, os congressos. Turismo Cultural, Turismo Religioso, Turismo Lusófono, tudo é pretexto para reunir, comer, visitar e dissertar. Mas o turismo, como o próprio vocábulo indica, consiste em voltear e o seu interesse principal radica no valor acrescentado que permite gerar.
Nos países latinos (como o nosso) e árabes, mais dados à ostentação e ao espavento, pouco importa se as visitas dão lucro ou prejuízo. O que interessa é que os forasteiros fiquem de boca aberta com as nossas maravilhas de toda a ordem. Donde manifestações promocionais e outras coisas mais, quase (???) sempre à custa do orçamento. Mas nem todos pensam assim por esse mundo fora. Mesmo nas regiões menos hospitaleiras e mais desprovidas de recursos. Ora façam favor de ler com calma a crónica seguinte. Prometo que vale a pena.
"Gostaram de Majdal Shams e do seu Monte dos Berros, na linha de alturas do Golan, entre Israel e a Síria, onde as famílias druzas, separadas pela barreira de arame farpado, conversam por megafone? Então vão adorar Netiv Ha'asara, um mochav (cooperativa agrícola) encostado ao muro de separação com Gaza, outro sítio improvável do chamado "turismo de assustar"... com fronteiras!
O inventor do conceito foi o arquitecto Zvi Pasternak. Tudo começou há dois anos, quando o governo israelita lhe solicitou um estudo sobre os meios para desenvolver o turismo em ambientes excêntricos e singulares. Provido de um "modelo de desenvolvimento turístico" e do seu anexim multivalente "se Deus te deu um limão, transforma-o em limonada", ei-lo a trabalhar na fronteira com a Faixa de Gaza, em princípio a antítese de qualquer destino de excursões mas, segundo nos disse, "aí é que está o interesse".
Chama-lhe "tourism to the edge", algo como "turismo extremo". O seu modelo é simples: A fronteira com Gaza, o muro de separação, os palestinianos a disparar foguetes contra aldeias israelitas, os calafrios que provoca toda esta zona de alto risco, são de alguma maneira as "atracções" locais que devem servir para chamar os visitantes. Tudo promovido por uma modesta campanha publicitária à escala nacional. "Tem havido turistas por estes lados, esclarece-nos Pasternak. Sobretudo judeus americanos e israelitas de Tel-Aviv. Milhares deles vêm ver Gaza de perto, mas param só vinte minutos. Vamos arranjar motivos para ficarem mais tempo".
Ifat Ben-Shoshan faz parte da comissão de turismo do mochav. Olha-se para ela e pensa-se que se calhar sonha com uma pequena cidade tranquila, no centro de Israel, onde os seus filhos perdessem o reflexo condicionado de correr para o abrigo doméstico em betão, no tempo regulamentar de 15 segundo, logo que soa um alerta -por aqui chamam-lhe um "sinal vermelho"- para assinalar o disparo de mais um foguete palestiniano contra a aldeia. E na verdade Ifat já se podia ter ido embora. Mas acha que Netiv Ha'asara é um local "único", "uma comunidade onde as pessoas são realmente solidárias", mesmo se a vida é por vezes mais complicada do que noutros sítios.
Tem razão: na semana de 24 a 30 de Outubro, cerca de 80 granadas de foguete caíram nos distritos de Eshkol e Hof Ashkelon, na fronteira com Gaza, entre os quais cerca de vinte na área do mochav.
Deste lado da fronteira, mais barulho e medo que outra coisa: três trabalhadores tailandeses feridos, quatro edifícios com estragos. Do outro lado, em Gaza, houve cinco mortos e um número indeterminado de feridos, consequência do bombardeamento israelita de represália.
Ifat vive na casa mais próxima (cerca de 30 metros) do muro de betão, decorado nalguns sectores com pinturas de dunas e céu azul. Garantiu-nos que, "contrariamente aos meus vizinhos, não tenho medo. É melhor educar crianças aqui do que em Tel Aviv. A envolvência é mais agradável, estamos próximos do mar e os períodos calmos são muito mais frequentes do que se diz. E para mais, pago pela minha casa mil euros por mês, quando em Tel Aviv era obrigada a pagar o triplo".
Quanto à paisagem da zona, para a apreciar devidamente, o melhor é fazer uma visita guiada pelo pai de Ifat, o coronel aposentado Nitsan Ben-Shoshan. O muro de betão, de nove metros de altura, serve apenas para proteger a aldeia contra os disparos directos. Acaba logo mais adiante, substituído até ao mar por uma barreira de arame farpado. Dentro de seis meses já existirá uma plataforma para observação, com capacidade para cinquenta pessoas, bem como alguns alojamentos rurais. O panorama é espectacular. À esquerda, o barracão do check-point israelita de Eretz, o único acesso a Gaza para os visitantes. Instaladas em altos postes, web-cameras vigiam à volta, tal como o balão atmosférico, imóvel sobre a Faixa de Gaza. Nesta horrível torre de betão onde estamos, há um radar de alerta avançado: logo que soa uma "cor vermelha", um sinal de alarme é difundido por alto-falantes nas aldeias limítrofes.
O nosso guia aponta uma outra torre em cima do muro, virada para Gaza. É o sistema "See-shoot" "disparar sobre tudo o que mexe". Uma metralhadora que uma vez activada dispara automaticamente sobre tudo o que mexe. Em Gaza, os rapazes que se aventuram com burros nos escombros provocados pelos bombardeamentos da operação israelita "Chumbo endurecido", para recuperar metais, já foram várias vezes alvejados. Mais adiante, vêem-se as aldeias de Beit Hanoun e Beit Lahiya, bem como os edifícios da cidade de Gaza.
Zvi Pasternak e os membros da comissão de turismo visitaram as 70 quintas e falaram com os mil habitantes do mochav. Perguntaram a cada um qual a contribuição prática que poderá dar em prol da dinamização do turismo local. Mas se Tzameret Zamir já abriu uma olaria, não foi só para o turismo, mas igualmente para acalmar as crianças. Nada de ilusões! "Por vezes é muito difícil; tenho ganas de ir embora, de largar tudo; mas vontade de ficar, porque aqui é a nossa casa, e isso é que conta."
Em Netiv Has'asara, o circuito turístico passa pelo "caminho para a paz", uma inscrição de letras gigantes em pleno muro de separação, que são pouco a pouco decoradas com azulejos pintados pelas crianças da aldeia. Os turistas são convidados a juntar-se ao projecto "com a esperança de que um dia o nosso desejo colectivo de uma vida de paz e de tranquilidade se realizará."
Esperança? Entre Janeiro e Outubro deste ano foram mortos 67 palestinianos de Gaza, contra 108 em 2011. Quanto aos feridos, os totais respectivos são 277 e 467.
Laurent Zecchini, Lettre do Proche-Orient, Le Monde, 11/11/2012, página 23
E venham mais congressos de turismo. Enquanto ainda há dinheiro para folias.
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