O texto seguinte, subscrito por Jacques Attali, um dos mais reputados especialistas mundiais em prospectiva, socialista encartado e ex-conselheiro económico de Mitterrand e Sarkozy, tem o mérito da franqueza e da simplicidade. Mostra sem rodeios o que aí vem, apontando uma via para ultrapassar esta já longa crise. É por isso um viático fundamental, tanto para autarcas como para governantes nacionais, convindo que uns e outros o leiam com toda a atenção e abandonem de vez a ideia de milagres ou de homens providenciais. Fátima não é longe, mas mesmo lá, já há algum tempo que se deixou de falar em milagres...
"Mar alto ou recifes da costa?"
"Há uma argumentação que está neste momento muito na moda em Paris: reformas estruturais para quê? A crise financeira planetária está quase a acabar; o mundo está no final de mais um ciclo económico; o crescimento económico não tarda, sobretudo no Ocidente, primeiro nos Estados Unidos e depois na Europa. Nessa altura o desemprego baixará em França, e a zona euro encaminhar-se-à pouco a pouco para o federalismo, que todos os países membros vão aceitar sem sobressaltos particulares, mediante reformas institucionais e homeopáticas.
Há alguns indícios a favor desta tese: uma retoma do sector imobiliário nalgumas regiões dos Estados Unidos; o consumo e o emprego também aumentam e a situação só poderá melhorar doravante, dizem alguns, agora que as eleições já passaram e graças aos formidáveis progressos técnicos que aí vêm. A Ásia e a África estão em plena explosão económica, com taxas de crescimento superiores a 10% em muitos países. Finalmente, a renovação do poder na China vai acabar com as últimas incertezas. A zona euro, doravante unida no desejo de conservar a sua integridade, será arrastada por essa vaga de crescimento económico, como um barco empurrado pela corrente para o mar alto.
Todavia, outros factos tão importantes como os anteriores apontam em sentido inverso. Nos Estados Unidos, a necessidade de controlar a dívida interna e externa vai provocar decerto, a partir de Janeiro de 2013, aumentos de impostos que originarão uma nova recessão, bem como uma redução do valor do dólar, catastrófica para a Europa. Além disso, nada está ainda resolvido na zona euro. A situação económica, social e política agrava-se na Grécia, cuja dívida pública se encaminha para os 200% do PIB, com todos os planos de austeridade a falharem sucessivamente; em breve vai acontecer o mesmo em Portugal, em Espanha e na Itália. Os franceses e os alemães ainda não chegaram a acordo sobre os mecanismos a implementar para financiar os bancos e os Estados. E nenhum dirigente francês ou alemão tem a coragem de confessar aos seus eleitores que salvar a moeda única vai custar a cada um dos dois países mais de cem mil milhões de euros, mas que deixar o euro explodir custaria ainda mais caro. Nada está ainda pronto para entrar em vigor um orçamento federal, capaz de emitir euro-obrigações, as únicas aptas para financiar essas necessidades imensas.
Mais grave ainda, mesmo admitindo que o crescimento económico mundial vem aí, não estamos numa crise com um regresso ao ponto de partida. Antes, como em 1929, numa longa mutação em direcção a um mundo novo; uma crise da qual alguns países vão sair num estado ainda pior do que no início, como barcos arrastados por uma onda mais alterosa para os recifes da costa.
Por outras palavras, poder-se-à assistir lá para o fim de 2013 a um avanço no crescimento económico e até a um regresso duradoiro do crescimento mundial. Mas, a acontecer, será enganador para a Europa e para a França, porque sem garantia a longo prazo.
Pelo que só se pode compreender o que convém fazer agora tendo em conta uma visão da História muito mais longa que aquela que implicam os períodos eleitorais. E aqui, torna-se claro que a Europa não sairá da crise sem a adopção voluntarista e urgente de um federalismo orçamental, sem o qual a França não vai poder conservar o seu nível de vida senão tendo a ousadia de reformas fundamentais, enumeradas desde há muito.
Apostar na retoma económica mundial como substituto das reformas estruturais é muito tentador. E politicamente confortável. Mas, creio eu, trata-se de uma aposta com uma hipótese em cinco de ganhar a curto prazo, 1 em 10 a médio prazo e nenhuma a longo prazo. Acham satisfatório?"
Jacques Attali, Perspectivas, L'EXPRESS, 07/11/2012, página 82
5 comentários:
Mais um texto que confirma o que venho a dizer à muito tempo.
Toda esta teimosia reinante em Portugal e na Europa vai dar um resultado final: Fim da Europa como UE...
Se os Politicos portugueses tivessem Juizo e não sobre-endividassem o país, poderiamos estar no "céu" neste cantinho da europa.
E não venham com a história demagógica e caloteira de que a culpa é da Europa/Alemanha...
???
Estamos a brincar, certo?
A brincar e a gozar com o povo anda a classe politica desde 1974...
Brincar!?
Não me parece. Quem tem andando a brincar,a gozar à grande, e a fazer de todos nós "parvos" tem sido a classe politica, com todas as mentiras possíveis e imaginárias...
Ora bom dia, caro professor.
Não se tratasse dum socialista encartado, conselheiro de dois presidentes (um por acaso de direita, mas pronto...) e eu tenderia a pensar tratar-se dum professor Mambo qualquer, que trata todos os males e afasta de si a caramunha. "Atão" o homem não ajudou a França a chegar onde está? ou não foi ouvido pelos seus aconselhados presidentes?.
Claro que qualquer leigo apenas atento ao que se passa à sua volta, constata que as coisas estão mal organizadas, que há demasiada gente a comer da gamela do orçamento, que há demasiada gente a ser beneficiada, que há demasiada gente a receber favores em troca de favores, que não interessa à rica (agora, depois de ser largamente ajudada pela Europa após a unificação - a memória é demasiado curta) Alemanha e nem aos ricos do Norte, o finamento do Euro e que a solução é só uma: REFORMAR! o grave e insolúvel problema, são os interesses que atrás enumerei e que nenhum político tem tomates para cortar rente (passe a imagem)! é mais fácil usar umas mezinhas de professor Mambo, uns pós e umas ervas, que vão entretendo os papalvos, enquanto lhe vão à carteira, com a promessa vã de que a coisa tem um fim próximo e agradável e os mesmos se vão enchendo sempre e ainda, à custa do orçamento, prometendo os amanhãs que cantam, com o descaramento dos facínoras!
Não fosse este "amigo" socialista encartado e eu diria que ele poderia militar num qualquer partido comunista ou afim, que tanto têm pugnado por reformas estruturais e pela criminilização dos responsáveis pelo estado a que isto chegou...
Se é pelo federalismo que lá chegamos, 'bora lá! mas será que interessa à Alemanha de memória curta?
Como disse o "tomarense" atrás, não é culpa da Alemanha os desvarios dos políticos portugueses, mas também não foi culpa dos portugueses que os alemães se quisessem unificar e essa unificação tivesse sido paga também por nós (pois, a ameaça comunista, rebéubéu, pardais ao ninho). É hora de a Alemanha retribuir (e o que tem ganho com isso...).
Quanto à França, a minha opinião não mudou desde e nos últimos trinta e cinco anos, que é o tempo em que comecei a entender a a prestar atenção a estas coisas: sempre subserviente, sempre "estacionada" entre vários interesses (Vichy é um exemplo claro!), chauvinista quanto baste, assim a modos que um nobre a quem apenas sobrou o anel com o brasão de família e que, mesmo nos tempos difíceis da Alemanha, nunca conseguiu impor-se como condutor dos destinos da Europa. A França será grande. Em território!
Cordialmente
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