domingo, 7 de novembro de 2010

CHEGA DE ILUSÕES E DE TREMENDISMO!

"Na vida das nações, como na vida das pessoas, as emergências têm de ser resolvidas segundo uma ordem eficaz de prioridades. Nós estamos numa emergência e a prioridade agora não é chorar sobre o leite derramado, nem sequer entrar no jogo das culpas. De há uns vinte anos para cá, todos os governos têm culpas e quase todos nós também temos.
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...É evidente que os celebérrimos "mercados" são apenas um bando de abutres especuladores, contra o euro ou contra países vulneráveis escolhidos a dedo, que tiram todo o partido que podem da situação. É evidente que, quando tudo isto estiver resolvido, de uma forma ou de outra, o mundo vai ter de encontrar medidas para pôr termo a esse poder sinistro dos especuladores financeiros (que nos lançaram na crise e se aproveitam dela), que roubam o trabalho das pessoas, a poupança das famílias, a riqueza das nações. Ou o fará ou o capitalismo -tal como o conhecemos, fundado nas leis de "verdade" do mercado- tem os dias contados.
Mas isso não invalida que nos tenhamos posto a jeito, e é sabido que os abutres só atacam os animais doentes ou mortos. A Espanha deixou crescer um cancro corrosivo formado pela especulação imobiliária, que só podia acabar mal; a Irlanda alavancou todo o seu tão apregoado milagre económico num sector financeiro cujos lucros sempre crescentes não tinham sustentação no crescimento real da economia e, quando estoirou, foi a economia que teve de pagar os crimes da finança; a Grécia capitulou perante as reivindicações incomportáveis dos sindicatos e, para as acomodar, pura e simplesmente falsificou as contas públicas para enganar a Europa, gastando o que não tinha; e Portugal deixou que a sua antiquíssima crença na omnipresença e omnipotência do Estado criasse uma clientela de dependentes incomportável e sugadora de metade da riqueza do país.
Foi isso que nos trouxe até aqui e é por isso que, neste momento, não havia alternativa senão engolir um orçamento de que ninguém pode gostar e que todos sabem que, se tudo correr bem no seu objectivo único -controlar o descontrolo do défice- vai adiar outra vez e por mais uns largos anos a nossa eternamente adiada aposta num desenvolvimento económico a nível europeu. Mas. como explicou Manuela Ferreira Leite melhor do que todos, não havia alternativa: era isso ou a falência a curto prazo. ... ... ...
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...Para já, só nos resta sobreviver e aprender a lição. Uma crise é sempre uma grande oportunidade para aprender lições: não interessa vencê-la se não aprendermos nada e logo voltarmos a cair noutra. E só há uma maneira de o fazermos: falar verdade, falar toda a verdade. Dizer o que muitos não gostam que seja dito e o que outros têm medo de dizer. O tempo das promessas impossíveis já lá vai."

Miguel Sousa Tavares, Expresso, 06/11/10, primeiro caderno, página 09.
O negrito e a selecção dos excertos são da responsabilidade de Tomar a dianteira.
Os nossos agradecimentos ao Expresso e ao autor.

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