sexta-feira, 13 de abril de 2012

Contas e cálculos

Parece ter causado surpresa a rejeição ontem, pelo PS e IpT, da conta de gerência municipal de 2011. Até o presidente Carrão foi apanhado desprevenido, segundo a Rádio Hertz. Situação estranha, uma vez que tanto socialistas como ipetistas vêm ameaçando desde há tempos que sem diálogo nada feito. Por conseguinte, uma de duas: ou o PSD passa a agir em conformidade com os ditames da oposição, ou enfrentará uma cerrada obstrução ao seu trabalho. Como sucedeu ontem. Posto que, como afirmou o presidente, as contas não podem ser outras, não fazia qualquer sentido votar contra. Tratou-se portanto de mais uma tentativa, legítima conquanto absconsa, para constranger a relativa maioria a transigir ou se demitir. Que no fundo é o que os opositores pretendem -eleições intercalares, sem o ónus de as terem provocado directamente.
Perante isto, Carrão e os seus companheiros teimam na continuidade e na intransigência, alegando estar a defender o concelho. No fundo, porém, o que parece animá-los na sua reiterada teimosia é a secreta esperança de que até às autárquicas de Outubro de 2013 a crise seja ultrapassada e regresse o saudoso tempo das vacas gordas. De resto, Carlos Carrão até já declarou que tem esperança de conseguir um bom final de mandato.
A ser assim, parece-me louvável avisá-los, aos membros da troika PSD, que nada ganham em iludir-se e tentar iludir os outros, como mostra esta crónica:
"Os recentes problema de saúde de Michel Rocard (que oxalá sejam transitórios), convidam a voltar ao seu mais recente livro. Rocard [antigo primeiro-ministro socialista de François Mitterrand] terá sido até agora um dos raros políticos franceses a proclamar alto e bom som algumas verdades explosivas. A principal resume-se em poucas palavras: o "grande crescimento económico" acabou para sempre na Europa. Nunca mais voltaremos a ter os ritmos de crescimento de 4,5 a 6% ao ano, que permitiam ao Velho Continente desenvolver-se, ao mesmo tempo que iam  melhorando as condições de vida dos seus cidadãos. Criticando a maior parte dos candidatos presidenciais, por não terem em conta tal realidade, Rocard (que apoia o socialista François Hollande) escreve que a actual campanha eleitoral francesa é um "festival de imbecilidade política colectiva". Tem toda a razão. Mas é possível abordar de outro modo tão incómoda constatação, a qual é partilhada por muitos economistas.
Na melhor das hipóteses, devemos preparar-nos para um "crescimento mole", do qual dizíamos nos anos 80 que nos preparava para "sociedades duras". Deixemo-nos de pensar no regresso da Arlesiana. No conto de Daudet, adaptado por Bizet, a moça "toda de veludo e rendas", entregou-se a outro. E jamais voltará.
Pois o crescimento económico europeu é como a Arlesiana: todos os dias se anuncia o seu regresso, mas em vão. A beldade deu corda aos sapatos e foi-se, para a Ásia e para o Sul. Compreende-se porque é que tal desaparecimento dinamita a maior parte da lengalenga eleitoral. É porque torna inapropriada a palavra crise, o vocábulo-mala que todos utilizam. Sem se darem conta de que estão a mentir. 
Falar de "crise" leva a pensar que uma vez terminada, regressaremos à situação anterior. É falso. Não estamos a atravessar uma crise; estamos a viver uma mutação societal. Que altera quase tudo e redistribui o poder político à escala do  planeta. Tal mutação começou no final dos anos 70. Os dois choques do petróleo, de 1973 e 1979, marcaram simbolicamente o início dessa radical transformação. A partir de então, continuámos a enriquecer, mas foi a crédito. No fundo, começámos a fazer de conta.
Actualmente, derreada pelas dívidas excessivas, a Europa continua à procura da fórmula mágica, susceptível de compatibilizar austeridade e crescimento económico. Eu próprio já escrevi algures que sem crescimento económico a austeridade não passa de uma receita mortal, que mata o paciente ao pretender curá-lo. Fiz mal,  ao realçar o crescimento sem ter sido assaz preciso. Sendo verdade que o crescimento económico tradicional acabou, não devemos contentar-nos com lamentações. Afinal o regresso do crescimento, se calhar nem era assim tão desejado, pelo menos na sua forma anterior.
Há um quarto de século, quando se dizia que crescimento mole = sociedade dura, realçavam-se as virtudes analgésicas do citado crescimento. Lubrificando as relações sociais com o progressivo aumento das fatias do bolo, tornava menos insuportáveis as desigualdades sociais. Uma sociedade subitamente privada dessa morfina social, torna-se inevitavelmente batalhadora. Na sua recente nudez provocante, as desigualdades sociais assim ampliadas voltam a ser o que muito antes já foram: obscenas.
Visto que o "grande crescimento económico" nos deixou definitivamente, os mais realistas são agora aqueles que reflectem sobre uma "outra" sociedade, capaz de encontrar uma harmonia relativa sem crescimento forte. ... ... ...
... ... ...Penso na nebulosa de investigadores cujo trabalho prepara o futuro, longe dos políticos e das suas querelas. Quer se trate da rede UTOPIA (que aconselha o candidato Malenchon), quer do pequeno grupo liderado por Alain Caillé , quer do Movimento anti-utilitarista nas Ciências Sociais (Marcel Mauss), é doravante por essas bandas que se vai inventando o nosso futuro."


Jean-Claude Guillebaud, Nouvel Observateur, 05/04/2012, página 21

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