Com o evidente agravar da crise, que aparentemente até agora ninguém sabe como solucionar, os melhores vão pouco a pouco perdendo o indispensável sangue-frio, o que redunda em tomadas de posição insólitas e inadequadas. A última conhecida e de impacto é a do respeitado empresário Belmiro de Azevedo, dizendo a alunos de uma escola superior de gestão que, em determinadas circunstâncias, roubar é legítimo e não há outra solução.
No outro extremo da sociedade, o dos menos artilhados intelectualmente, a tendência é para associar, de forma inconsciente, impotência e megalomania. Incapazes de engendrar soluções para os seus problemas, respeitáveis cidadãos apontam soluções para os problemas nacionais, quando não mundiais.
Entre estes dois limites, têm passado despercebidas duas questões capitais -as dependências e algumas práticas aberrantes. Aquela, é o que podemos designar por síndrome da toxicodependência, nas suas duas vertentes, os estragos que já causou e os que virá a causar, caso não seja definitivamente eliminada. É assim com as drogas duras, com o álcool, com o tabaco, com o jogo, com o sexo... e com o recurso ao crédito. A outra é ainda mais peculiar. Enquanto a administração pública, ignorando com soberba a máxima segundo a qual "demasiado imposto mata o imposto", insiste em castigar os que conseguem auferir maiores proventos, a banca no seu conjunto faz exactamente o oposto. Quanto menores são as possibilidades de quem pede o empréstimo, maior é a "taxa de esforço" pedida, para usar um termo da gíria técnica.
Em ambos os casos, ressalta aquele velho dito "os hábitos têm a vida dura", que origina quase sempre uma rígida oposição a qualquer mudança. Temos assim que o fisco experimenta cada vez mais dificuldade em cobrar impostos, pois os mais causticados, aqueles que conseguem maiores rendimentos, cansaram-se de pagar de forma exagerada para os que pouco ou nada fazem, insistindo em viver à sombra do orçamento, e recorrem cada vez mais à engenharia contabilística. A conhecida "contabilidade criativa". O que se compreende perfeitamente, uma vez que, mesmo com taxas planas de imposto (iguais para todos os contribuintes), os de maiores proventos sempre pagariam mais. Assim, com as diversas isenções e as taxas progressivas, há uns que nada pagam, enquanto outros pagam de forma excessiva o que para os primeiros é gratuito. E chamam a isto justiça social.
Inversamente, no caso da banca e do crédito, passou-se em poucos anos das dificuldades e das letras para as amplas facilidades de financiamento. De tudo e mais alguma coisa. Até para tornar os seios mais vistosos. Ou apetitosos, depende dos pontos de vista. Tudo acompanhado da tal curiosa prática bancária que pode ser resumida na frase sempre implícita "Quanto menos podes pagar, mais vais pagar". Noutros termos, a solvabilidade do cliente é sempre inversamente proporcional às alcavalas que lhe impõem. E depois admiram-se que aumente exponencialmente o "crédito mal parado", quando foram os próprios bancos que o deixaram logo no início "mal arrumado".
De tudo isto, em síntese, podemos dizer que quem realmente deseje ultrapassar a crise, terá de mudar de hábitos e quanto antes. Assim, o Estado terá de encarar seriamente o princípio das taxas planas, a banca faria bem em agir de igual modo, os particulares devem deixar de vez a ideia de que é possível viver a crédito, as autarquias terão, mais tarde ou mais cedo, de recorrer ao crédito só para despesas de investimento, que sejam mesmo de investimento. Que possibilitem retornos capazes de remunerar e amortizar os empréstimos e de assegurar as respectivas manutenções, que são sempre indispensáveis.
Em qualquer caso, urge aceitar pacificamente que o grande problema actual não é propriamente a crise. São os maus hábitos que a originaram. E como os mesmas causas produzem sempre os mesmos efeitos, enquanto não mudarmos de comportamento...
3 comentários:
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Quanto menores são as possibilidades de quem pede o empréstimo, maior é a "taxa de esforço" pedida, para usar um termo da gíria técnica.
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Não é nada de ilógico.
Aliás é exactamente isto que o mercado internacional de crédito está a fazer com Portugal...
Lembram-se de um velho provérbio que diz:
Não há dinheiro não há palhaços?
Na Sic Notícias, esta noite, Alfredo Barroso abriu a sua intervenção proferindo a palavra
"Plutocracia".
E passou a explicar aos espetadores o que é a Plutocracia, e refer um conjunto de seus servidores, realçando jornalistas que estão ao seu serviço, mascarando-se de independentes e de jornalistas.
Sempre apreciei muito Alfredo Barroso.
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