sábado, 29 de maio de 2010

SOBRE DESENRASCANÇO, IDEIAS LUMINOSAS E ASNEIRAS MONUMENTAIS

Como se sabe, é largamente exagerada, designadamente na comunicação social, a importância dada ao desporto (leia-se futebol), quando comparada com os resultados obtidos. Tanto nos relvados como nas bilheteiras. Ainda assim, aproveitando tão estranho fenómeno, comecemos por aí.
Mourinho isto, Mourinho aquilo, Mourinho para aqui, Mourinho para acolá, todos os escribas de serviço omitem o essencial. A dada altura, o agora genial treinador foi corrido do Benfica, o Sporting não o quis contratar e a presente estrela dos treinadores teve de contentar-se com o União de Leiria. A 5 mil euros por mês, quando no Benfica ganhava 30 mil... Agora vai arrecadar algo como quase 840 mil euros mensais. No Real...Em Espanha. Após a coragem e "olho" de Pinto da Costa. Após a Inglaterra e a Itália. Esta Pátria é uma excelente mãe para os seus filhos.
Na mesma área, o Euro 2004, ainda no tempo da fartura e das vacas adiposas, foi uma maravilha. Estádios por todo o lado, que disso é que o povo precisa. E pelo desporto é que lá vamos! Seis anos passados, à excepção da Luz, de Alvalade e do Dragão, viabilizados graças a projectos imobiliários, mais ou menos em conformidade com os respectivos PDMs, anda tudo à procura da melhor maneira de se desfazer de tais "encomendas", ofertadas pelo governo.
Ainda no sector, aqui pelas mansas margens nabantinas, o melhor é aconselhar uma volta pelo ex-estádio...e poupar tinta, que isto está cada vez mais pelas ruas da amargura.
Este longo prólogo para abordar, mais uma vez, a notória falta de planeamento, bem como o subsequente e exagerado recurso ao improviso, ao desenrascanso, ao remedeio, à solução possível.
Cá na urbe, por estes dias, um dos grandes temas de discussão é aquele insólito paredão, cuja utilidade ninguém conhece e que todos enjeitam, apesar de ainda inacabado. Se houvesse hábitos de planeamento rigoroso e de debate público das questão que a todos implicam (ou deviam implicar), bastaria agora ir consultar os respectivos projectos. Tratando-se de mais um óbvio caso de improviso tosco, na hipótese mais favorável, ainda acabará por ser demolido.
Tudo indica que o erro primordial terá resultado de uma conjugação de desenrascanço lusitano + esperteza saloia + deixa andar nabantino. Mais claramente, o respeitável arquitecto Chuva, cujo gabinete foi encarregado de projectar o elefante branco da Levada, apesar de se proclamar apaixonado pela tarefa (e quem não se apaixonaria por aquele preço ?!), provavelmente é a primeira vez que tem entre mãos a elaboração de planos para musealizar uma vasta área multissecular. Provavelmente também, não terá grande competência na área do turismo, dos circuitos de visita, das estruturas de apoio, do estacionamento, etc. etc. Nem a humildade necessária para ir investigar. Daí o previsível desastre, de que o insólito paredão-mijatório é o primeiro testemunho.
Num pretendido museu polinucleado, projectar a área técnica e de acolhimento, num local sem estacionamento, sem acesso seguro e fácil, ainda por cima situado entre um núcleo à esquerda (Museu da Fundição) e dois à direita (Museu da Electricidade e Museu da Moagem), não lembrava ao careca. Mas lembrou ao digno senhor arquitecto, por ser a única área disponível para ideias engenhosas. Estamos a falar da parte ampla e parcialmente sem telhado, entre o ex-refeitório da Mendes Godinho e a Central Eléctrica. Vai daí, um espírito mais prático, mais bárbaro e mais desenrascado, (sabemos quem foi, mas não adiantaria dar nome ao santo) anteviu que o melhor era incluir, assim pela calada, um pórtico e um átrio ao lado da moagem, como forma de evitar o desastre completo. Por isso, temos agora aquele estranho muro, formando uma espécie de funil em relação ao velho arranha-céus. Quando e se chegar a levar o previsto portão, teremos mais uma via pública privatizada e uma espécie de entrada de prisão na zona histórica. Lindo de morrer!
Tudo por causa do desenrascanço, do improviso, das ideias luminosas, ou das soluções possíveis.
E depois ainda temos outras questões candentes, que por agora nos limitamos a enumerar em frases condicionais: 1 - E se o pretendido elefante branco polinucleado nunca chegar a nascer? 2 - E se, nascendo e vingando, se revelar financeiramente um abismo? 3 - E se houver muitos visitantes, onde irão estacionar? 4 - E se o previsto (?) circuito de visitas se revelar inadequado?
5 - E de onde virão os recursos humanos qualificados para tal empreitada museológica? 5 - E quem formará essas pessoas? 6 -E com base em que experiência prática, académica, pedagógica e adequada às circunstâncias? 7 -E quem irá dirigir semelhante gerigonça? 8 -E como será feito o respectivo recrutamento? 9 - Na devida altura logo se vê? 10 - Alguma coisa se há-de conseguir?
Ao contrário do que neste país e nesta terra usualmente se pensa, o mais importante não é encontrar respostas; é formular as perguntas adequadas, no momento oportuno.
Dia a dia, ganha corpo a ideia de que o modelo social europeu deixou de ser viável após os "trinta gloriosos", a fartura e as vacas gordas. É nossa convicção que outro tanto está a acontecer com a proverbial esperteza saloia, o usual desenrascanço e o tradicional improviso dos tomarenses... Depois não se queixem!

2 comentários:

Anónimo disse...

Acabo de ler o editorial desta semana no semanário "O Ribatejo" no qual o director, Joaquim Duarte, comenta o despesismo das Câmaras Municipais. Leiam este pedacinho: "O jornal 'i' fez uma viagem às contas das autarquias no ano passado e revela-nos que os nossos autarcas gastaram em 2009 mais de 12 milhões de euros em viagens de avião, o que daria, nas contas do mesmo jornal, mais de cinco mil viagens à volta do mundo - a propósito de viagens e nestes últimos tempos de crise o exemplo máximo de poupança vem-nos da Inglaterra onde, por recomendação do próprio governo, os ministros passarão a viajar sempre que posível em transportes públicos, e nos aviões só em turística! Por cá é o que se vê. O povo é brando e talvez por isso o exemplo nunca vem de cima". Tudo dito, Caro Professor. Estamos condenados...
Um de de aquém pontes

Anónimo disse...

A nossa Câmara Municipal não poderia convidar o Senhor Ministro dos Transportes para fazer uma viagem de carro - só uma! - entre Tomar e Condeixa, pelo chamado IC3? Se possível, com o Senhor Ministro dos Transportes a conduzir o carro. Se aceitar o convite, o Senhor Ministro ficará a perceber a razão do mesmo...
Um de além das pontes