Manhã fria. Nevoeiro de cortar à faca. Recordações do céu baixo, da neve, do vento gélido, da chuva das planuras do norte europeu. Nos anos 60/70 do século passado, acossados pela miséria e pela fome, centenas de milhares de portugueses galgaram a fronteira. A maior parte a salto. Com passaporte de cão. Rurais, sabendo apenas ler e escrever. Mas habituados ao trabalho duro nos campos. De sol a sol. Atravessavam Espanha em transportes clandestinos. Atravessavam os Pirinéus a pé. Falavam apenas português e mal. Nem sabiam sequer o que era formação profissional, sindicatos, semana inglesa ou subsídios disto e mais daquilo.
Acolhidos por compatriotas, muitas vezes em bairros da lata -os tão falados "bidonvilles"- logo conseguiam ocupação. Bem paga, mas fisicamente muito exigente. Agricultura, construção civil e obras públicas, pá e pica em geral. Outros nas cadeias de montagem da Renault, Peugeot, Citroën ou Simca.
De tempos a tempos retorno obrigatório ao serviço de estrangeiros. Em Paris, nos ex-matadouros de La Vilette. Filas intermináveis, desde as 5 da matina. Para obter um dos dois ansiados viáticos: "Récépissé de demande de carte de séjour" + carte de travail, ou carte de séjour + carte de travail. Suspiro de alívio uma vez com tais tesouros no bolso. Voltar dentro de seis meses ou um ano. E regresso ao trabalho. Numa profissão em geral nunca exercida antes.
Cinquenta anos volvidos, há a UE, as fronteiras abertas, o passaporte para todos, a formação escolar e a formação profissional gratuita (por vezes até remunerada), o inglês para todos, a informática, a Internet, os aviões, a globalização, os vários subsídios, as IPSS e actividades com falta de pessoal para trabalhar. Mesmo assim, noticia a comunicação social que -desgraça das desgraças- centenas de compatriotas estão a emigrar todos os dias. Muitos com cursos superiores. É o sangue jovem do país que se está a esvair. Coitadinho do país! Coitadinhos dos novos emigrantes! Tenho muita pena de ambos, mas não posso chorar. Fiz parte das manadas dos anos 60, logo após o regresso da guerra em Angola. E só a minha mãe chorou por me ver partir. Para França, que para Angola só lhe disse por escrito e depois de lá estar. Tinha saído de Tomar prometendo que voltava no fim der semana seguinte. Voltei 15 meses mais tarde.
Bem dizia o Camões -Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades...
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