O meu amigo e conterrâneo Luís Ferreira tem dado mostras de grande entusiasmo em relação aos primeiros meses de mandato do presidente socialista francês François Hollande, conforme se pode conferir no seu blogue vamosporaqui,blogspot.com. Procurando evitar-lhe futuros excessos de euforia, sempre contraproducentes em política, dedico-lhe particularmente a tradução do editorial do LE MONDE de ontem. Como é do conhecimento geral, o conceituado diário é a incontestável bíblia da esquerda francesa.
"Cada coisa a seu tempo, poderia bem ser o lema de François Hollande, nesse aspecto digno émulo de François Mitterrand. Mal regressou a Paris, após quinze dias de férias no Forte de Brégançon, o chefe de Estado não tardou a fazer novamente tal demonstração: "O fim das férias é agora" proclamou ele. Para logo a seguir acrescentar, visando acentuar a referência ao mote da campanha eleitoral: "A mudança prossegue ao seu ritmo."
Mas a piada implícita prova igualmente que as interrogações, as dúvidas e as críticas das últimas semanas, tanto à esquerda como à direita, não deixaram o presidente Hollande indiferente. Pouco importa que a "alfinetada" estival do seu antecessor sobre a Síria tenha sido entendida como demasiado provocatória. Pouco importa que a crítica de Jean-Luc Malenchon, no domingo passado, sobre os cem primeiros dias no Eliseu "para quase nada", seja sobretudo uma imprecação.
Subsiste um refrão, cada vez mais insistente: Não estará o governo a mostrar-se demasiado medroso face aos desafios da crise económica e às expectativas dos franceses? Será que o presidente tem realmente uma ideia clara sobre a melhor maneira de enfrentar as rudes realidades deste fim de férias, iniciando assim o mudança prometida? Em resumo, há já suspeitas de hesitação, ou até de imobilismo.
Cada coisa a seu tempo, pode ainda proclamar François Hollande. Já houve o tempo dos símbolos: um estilo presidencial menos enfático, mais familiar e clássico; promessas cumpridas, como a ligeira remodelação das passagens à reforma, a redução dos salários do patronato, o aumento do subsídio escolar ou a regulamentação das rendas de casa; uma revisão orçamental para acabar com os legados mais mais emblemáticos do sarcozismo; enfim, um pacto europeu de estabilidade, incluindo um modesto plano de retoma.
Houve também o tempo do discurso metodológico: consultas, concertações, reflexões em todas a direcções, sobre as principais questões sociais, sobre a educação, as instituições ou, futuramente, sobre o ambiente.
Registe-se.
Mas tudo isso não constitui ainda uma política. Ainda menos uma visão do futuro. Eis portanto chegado o tempo das opções e das reformas. Perante a estagnação económica, que mina o país há quase um ano, como reagir? Perante a ameaça de sucessivos encerramentos de empresas, como recuperar a nossa indústria? Perante uma perspectiva de crescimento anémico, com escapar a um orçamento que junta o peso do aumento de impostos ao choque da redução da despesa pública? Perante a lancinante crise do euro, que destabiliza perigosamente a Europa do Sul, como ultrapassar o impasse? Perante o cepticismo crescente dos franceses, como consolidar uma confiança razoável?
Tudo isto não se resolve em cem dias, como é evidente. Mas tão pouco em cinco anos, de tal modo as respostas são esperadas -e necessárias- já. Chegou portanto a hora das opções, das escolhas. Que, caso fossem adiadas, transformariam o tempo entretanto decorrido em tempo perdido."
Le Monde, editorial, primeira página, 21/08/2012
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