sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Nos Estados Unidos é assim...

Nota prévia

Se por acaso pertence ao vasto grupo dos funcionários públicos municipais e fica muito irritado com Tomar a dianteira quando aqui se afirma que vêm aí inevitavelmente despedimentos colectivos e reduções de salários, arme-se de paciência e leia a crónica seguinte. Vai ver que é muito instrutiva.
Tenha em atenção que nos USA não há pedidos de insolvência. É pão pão, queijo queijo. Declara-se falência e já está. Cada qual que se amanhe. Ora leia:

Carta dos Estados Unidos da América do Norte 

"Tal como qualquer outra empresa em crise, o município de S. Bernardino, a uma centena de quilómetros de Los Angeles e com uma população de 209 mil habitantes, declarou falência no passado dia 10 de Julho. Após Stockton e Mammoth Lakes, é o terceiro município da Califórnia que, incapaz de honrar os seus compromissos, declara falência.
O défice orçamental de S. Bernardino é de 46 milhões de dólares = 37 milhões de euros, tendo as receitas de IVA e de IMI sofrido uma redução de cerca de 16 milhões de dólares anuais, num contexto económico de recessão geral. Os cofres da autarquia estão vazios e os auditores financeiros entregaram aos membros do executivo um relatório sem apelo nem agravo: "Temos no imediato um problema de liquidez, pelo que não podemos cumprir os nossos compromissos de reembolso da dívida, nem assegurar o pagamento de salários."
O presidente da edilidade e os seus vereadores foram assim obrigados a votar favoravelmente a declaração de falência, que protege temporariamente o município dos credores, autorizando-o a reestruturar as finanças e reduzir os encargos, mediante o alongamento de prazos. A  alternativa teria sido a redução drástica dos serviços municipais, incluindo os de primeira urgência, como os bombeiros e a polícia. Contudo, as pensões de reforma dos empregados, apesar de representarem elevados encargos para o município, foram protegidas e não serão renegociadas.
Para Rick Cole, um dos gestores de Ventura, outra cidade californiana "O que aconteceu em S. Bernardino foi uma mistura de decisões políticas erradas e de contabilidade desonesta, que provocou uma espiral irreversível." Em Stockton, uma outra cidade da Califórnia, com 300 mil habitantes, situada no vale central, a sul de Sacramento e de S. Francisco, os problemas da autarquia são diferentes, mas igualmente ligados à crise persistente. Cidade sobretudo agrícola, com alguns residentes abaixo do nível de pobreza, tem neste momento uma das mais elevadas percentagens de penhoras imobiliárias.
Os eleitos municipais bem tentaram relançar a economia local, com projectos de desenvolvimento urbano de topo. Marina, hotel de luxo, áreas pedonais e comércio de qualidade deviam em princípio atrair uma população com maior poder de compra, mas tal não se verificou. Apesar de uma revisão draconiana das convenções colectivas dos funcionários municipais, que resultou numa redução da assistência médica e das pensões de reforma, o município acabou por declarar falência em Junho passado.
Um pouco mais tarde, a cidade de Mammoth Lakes, no sistema montanhoso da Sierra e com apenas 7.700 residentes, também se declarou em falência. Neste caso, os responsáveis municipais admitem não poder assegurar o a indemnização conseguida na justiça por um promotor imobiliário, em virtude de um ruptura unilateral de contrato, [ParqT local?] num total de 43 milhões de dólares, o que equivale ao triplo do orçamento anual da autarquia.
Os observadores políticos americanos mostram-se cada vez mais inquietos com esta tendência para declarar falência, da parte de instituições ao serviço da população, que dispõem de outras opções, como por exemplo reduzir as despesas ou aceitar sacrifícios temporários, menos gravosos que a falência, a qual prejudica gravemente a reputação da cidade.
Em Vallejo, na área da Baia de S. Francisco, já sofreram com essa triste experiência durante três anos em regime de falência, sob a protecção do famoso "Chapter 9", lei sobre as falências, promulgada em 2008. Um suplício que o município só conseguiu ultrapassar em 2011, após um longo processo que implicou astronómicos custos de justiça, da ordem dos 10 milhões de dólares. O presidente da câmara ficou vacinado: "Trata-se de um preço demasiado alto  para todos. E fica-se marcado quando se é uma autarquia falida. Quem é que quer vir viver para uma cidade assim e assumir as dívidas feitas por outros?"
Nestas condições, perante consequências tão desastrosas, o que leva os municípios a optar pela declaração de falência? Rick Cole apresenta uma solução alternativa: "Temos de admitir a hipótese de uma intervenção exterior. O Estado da Califórnia já dispõe desse mecanismo, para responder às dificuldades das instituições públicas do tipo escolas básicas e secundárias. Trata-se de suspender os eleitos, nomeando para os substituir uma espécie de administrador do Estado, tendo como missão equilibrar o orçamento, sem recorrer à via judicial."
Os defensores desta via citam o exemplo da cidade de Nova Iorque, cujas finanças conheceram dificuldades em 1975 e que, após uma recusa de ajuda federal, foi socorrida e reestruturada por uma comissão de controlo financeiro, criada de urgência e expressamente pelo Estado de Nova Iorque, que previamente afastara os responsáveis municipais eleitos.
Foi um tratamento de choque, denunciado na época como antidemocrático, mas que protegeu da bancarrota a maior cidade dos Estados Unidos. 
Já mais recentemente, o Michigan implementou legislação permitindo a gestão de urgência dos municípios em crise, como alternativa à declaração de falência.
Thomas Ferguson e Robert A. Johnson, ambos do Roosevelt Institut propõem uma outra via, inspirada no "bailout" (racapitalização) dos bancos americanos: "A Reserva Federal devia ajudar os municípios a refinanciar-se em condições aceitáveis, a fim de proteger os serviços essenciais, com taxas de juro semelhantes às concedidas aos bancos que contribuíram para a actual crise."
Caso contrário, se não se conseguir conter a actual vaga de falências, outras cidades do Golden State (Califórnia), não tardarão a seguir o exemplo de Stockton e de S. Bernardino."

Claudine Mulard, Le Monde, 09/08/2012, página 21

Nota final

Como acaba de ler, o mal é geral. Sendo muito curioso e extremamente significativo que S. Bernardino, apesar dos seus 200 mil habitantes, tenha declarado falência por causa de um défice de 37 milhões de euros. A Câmara de Tomar, cidade com pouco mais de 40 mil habitantes, tem uma dívida acumulada superior a 40 milhões de euros, mas está tudo calmo, como se fosse a coisa mais natural deste mundo. Visite Tomar, cidade templária, capital do deixa andar...

8 comentários:

templario disse...

DE: Cantoneiro da Borda da Estrada

Rebelo, pela forma como exibes textos como este e as considerações pessoais que juntas, transmites uma ideia de ti, que, sinceramente.... Deixas implícito um mal disfarçado triunfalismo de não sei quê, e uma clara acusação subjacente de não sei quê aos funcionários públicos, trabalhadores portugueses em geral, aos autarcas e "classe" política, etc. - e até à democracia. Numa palavra: contra o povo, contra os povos, se nos ativermos ao conceito de que povo é toda a população de um país, excluídas as elites políticas e económicas e intelectuais. Há outros, eu sei, quase para todos os gostos e interesses. Ainda há dias evidenciavas aqui que leste os "clássicos", mas pela atitude crítica que tens para com estes escritos, revelas muita ligeireza na interpretação e associação aos tempos modernos, ao Portugal de hoje desses textos clássicos que dizes ter lido.

Até gostei de ler o artigo e agradeço-te a tradução e publicação, mas não retirei dele o "sumo" que verteste no conjunto do post. Não te esqueças que quase todos esses autores clássicos, que eventualmente leste, eram ricos ou viviam protegidos por muitos carrascos dos povos, mas quando produziram os seus escritos ou obras de arte pensavam no povo, nos povos. Por isso ficaram para a posteridade como património dos povos de todo o mundo. Por isso, também, a muitos deles, os ditadores barraram as fronteiras de entrada. Ainda hoje.

Não só por este texto, mas por vários que ultimamente tens selecionado neste teu blogue, devias pedir desculpa a José Sócrates por todas as acusações que lhe tens feito.

Vê lá tu que a crise também já chegou à Suécia...!!!!

Porque terá sido? Porque será que não acaba tão cedo?

E deixo-te uma certeza para memória futura, se por cá andarmos ainda.

Em toda ou grande parte, estas dívidas dos Estados ditos intervencionados e a intervencionar, não vão ser pagas. Escreve aí! Não vão ser pagas!!!

Trata-se de uma crise "sistémica", do regime capitalista, provocada por malandros, inimigos dos povos, exploradores dos povos, e a prova disso é que já só confiam em incompetentes e sacanas, como PPCoelho/MRelvas para seus feitores e capatazes.

O povo, os democratas, os patriotas, tratar-lhes-ão da saúde em devido tempo. É só esperar para ver.

Concerteza que com esta canalha que nos governa anda tudo à rasca, com medo de perder o emprego, muitos com problemas de consciência por terem ido na mentira deles.

Termino, citando uma precipitada frase tua (ou não):

"Vêm aí inevitavelmente despedimentos colectivos e reduções de salários".

"Inevitavelmente"?!?!?!

Isso é frase de funcionário público - que eles me desculpem.

Então tu não te tens calado para mandarem o actual executivo camarário para a rua, por má governação, e não te demarcas deste governo de aldrabões e artolas, que prometeram tudo e mais alguma coisa, fazendo depois o contrário, exigindo que vão para a rua?

Já lá vão quase 200 000 desempregados desde que chegaram ao poder e ainda pedes mais, como inevitável? Isso não é defender um governo. Isso é raiva! Isso é ódio! Isso é estar contra o povo português, contra os que passam fome, os desempregados, e a favor dos que estão agora a enriquecer, a amnhar-se à custa da crise.

Unknown disse...

Meu caro Fernando:
Saúdo o teu regresso aos comentários, ao que vejo com uma certa azia. Que andas tu a ingerir?
De forma sucinta, apenas uma frase: Os factos são sagrados, a opinião é livre. Alargando um pouco, respondo à tua dúvida sobe a minha atitude em relação aos autarcas nabantinos e ao governo. Contesto e critico aqueles, por me parecer que só estão a prejudicar a cidade e o concelho. Não falo do governo porque não seria eficaz, não é esse o âmbito do blogue e por me parecer que estão a fazer exactamente o mesmo que o PS teria de fazer se fosse governo. Tens alguma dúvida?
Sobre a minha atitude perante os leitores funcionários públicos, estás redondamente enganado -respeito-os, pois fui um deles durante mais de trinta anos, o que me leva a procurar alertá-los em tempo útil para aquilo que os espera. Como tu dizes, vamos esperar para ver. Mas com calma e cabeça fresca, que a paixão cega e o ódio deforma a realidade envolvente.

Luis Ferreira disse...

Prof. Rebelo o Sr. Fernando tem absoluta razão no que escreve: o problema é global, sistémico e não se resolve da forma que tem estado a ser feito.

Holland tem tido a coragem de apontar outro caminho...

E em Portugal está à vista: mais desemprego, menos riqueza produzida no País, maior divida aos prestamistas, menos salários, mais pobreza, menos saude, menos educação, menos paciência.

Afinal, diga-me lá, para que raio mudámos de Governo, se passado um no etanos piores em todos os indicadores económicos e sociais? Não tinha esta direita a solução? E é um fato que se exige, quanto a mim bem, a de isso em bloco desta Câmara (objetivamente a pior de se pré em Tomar), porque nao o faz em relação a um Governo torpe, mal preparado e mentiroso compulsivo, gerido pelos incapazes políticos de Relvas/Coelho/Angelo Correia?

Saudações

Unknown disse...

"......relação a um Governo torpe, mal preparado e mentiroso compulsivo, gerido pelos incapazes políticos de Relvas/Coelho/Angelo Correia?....."

Sr Luís Ferreira permita-me:

-Realmente as pessoas que compõem este governo parecem ser mentirosas e incapazes, mas e o anterior governo, o que eram!? -Provavelmente mentirosos, certamente maus gestores do bem público e irresponsáveis nos gastos desmesurados que fizeram em várias áreas.
-Apesar de não concordar na maioria com este governo, espero mui sinceramente que o PS não volte a ser poder neste País nos próximos e longos anos de sofrimento que nos espera.
-O País está falido não só devido a crise que os senhores dizem ser sistémica que o é sim, mas também porque o poder politico é dominado pela irresponsabilidade e por muitos interesses obscuros do poder financeiro.
-Realço também à grande incúria e irresponsabilidade dos diversos governos e em especial o de Guterres e o de Sócrates.
Mais haveria a dizer....

Leão_da_Estrela disse...

Meu caro professor,

A banhos em Cabanas de Tavira ( o que não vale a casa da tia!) lembrei-me de pasar por aqui.

Com a maior das surpresas, vejo que no coração do supra-sumo do capitalismo, há gente a passar fome e municípios a falir...

Até as conquilhas que apanhei esta tarde na baixa-mar me ficaram atravessadas.

Saudações marafadas.

Luis Ferreira disse...

Lamentavelmente está errado.
Todos os dados macroecómicos e indicadores mostram exatamente o contrário.
Um ano depois o Pais está pior, os Portugueses mais pobres e desesperados e o Sr. continua a dizer que a culpa é do Governo PS...
Pior cego é o que não quer ver...

Unknown disse...

Boas férias, amigo Leão da Estrela! Quando puder, compre na ervanária, prepare e beba um cházinho de folhas de boldo, logo a seguir à comida. Vai ver que as conquilhas nunca mais se lhe atravessam no estômago!
Escrevo isto por saber que ficou como eu bastante inquieto com a notícia. No que me diz respeito, não tanto pelo que já aconteceu, mas sobretudo pelo que antevejo que aí vem -mesmo neste penico ibérico- e para o qual ainda não descortinei indícios de solução viável e rápida nas centenas e centenas de escritos que todos os meses leio. Incluindo aquele em que a OCDE aconselhou o governo português a estar preparado para aceitar a falência de algumas autarquias, como forma de implementar depois uma gestão mais rigorosa.
Provavelmente assustados, os jornais portugueses nada escreveram sobre o assunto. Não convinha estragar as férias, não é verdade?

Cordialmente,

Unknown disse...

"...Lamentavelmente está errado.
Todos os dados macroecómicos e indicadores mostram exatamente o contrário.
Um ano depois o Pais está pior, os Portugueses mais pobres e desesperados e o Sr. continua a dizer que a culpa é do Governo PS...
Pior cego é o que não quer ver... "

a)- Errado!? Não sei não!!
b)-Será mentira ou falta de vista dizer que o PS e em especial José Sócrates E António Guterres são os grandes culpados disto!! Penso que não. Olhe bem para o País e tente ser isento...
c)- Depois de tantos milhões mal gastos como algumas Auto-estradas; muitos pavilhoes desportivos, alguns hospitais; Estádios de futebol e muitos outros investimentos.
A nível local existem vários destes exemplos como os pavilhões desportivos, para quê tanto pavilhão numa terra como Tomar. Quando todos sabemos que a população estudantil é cada vez menor.
d)- Quanto aos chamados indicadores,o poder politico facilmente os altera a seu gosto, daí não dar o mínimo relevo a esses indicadores. Dou relevo ao mundo real das pessoas, e não ao vosso mundo imaginário e "cor de rosa".
e)- Esta crise é com toda a certeza muito por culpa de políticos irresponsáveis que temos na Europa que andaram a gastar e a endividar os Países, fazendo uma gestão danosa e ruinosa do bem público, apesar de também os Bancos terem cota parte de culpa, pois ganham muitos milhões à conta.
f)- Os Países tal como as pessoas não podem gastar mais do que têem, pois isso trará graves consequências mais cedo ou mais tarde. Portugal e alguns países da Europa estão agora a pagar essa irresponsabilidade. Há dúvidas!? Só um cego não vê!!!
g)- Continuo a dizer que para bem dos portugueses o PS não deveria ser Poder nos próximos 100 anos, o que não quer dizer que o PSD é o bom da festa, nao de maneira nenhuma. É por demais evidente que a politica neste País mexe com muitos interesses obscuros de pessoas e empresas. Em Portugal os políticos não zelam pelo País, mas sim por outros interesses. Os Portugueses são números e não pessoas para os políticos neste País.