Oficialmente, como todos sabemos, temos uma comunicação social livre, sem qualquer espécie de censura prévia. Oficialmente, porque a realidade é algo diversa. Mesmo sem censura prévia, cada órgão de informação depende dos proprietários, do director, do editor, do chefe de redacção, de orientações que condicionam o chamado "alinhamento" das notícias a difundir, em termos de paginação, de espaço em cada página, de cor, de tipo de letra de título. Até de "livro de estilo", quando existe. Tantas condicionantes afinal! E de tal forma que pelo menos em Portugal o resultado não é lá muito famoso. E refiro-me apenas aos grandes meios nacionais, que sobre os locais estamos há muito conversados. O melhor será apresentar um caso concreto, a título de exemplo.
Todos os dias leio cinco jornais portugueses ( Correio da Manhã, i, Jornal de Notícias, Público e Diário de Notícias) + os semanários Sol e Expresso aos fins de semana, bem como os jornais regionais. Hoje quarta-feira, deparei-me com este alinhamento no que concerne à actualidade política em Espanha, sem dúvida uma forte condicionante da nossa própria evolução:
Dos cinco diários, apenas dois incluem notícias sobre os nossos vizinhos -Correio da Manhã e Diário de Notícias (ver ilustrações acima). Ambos dão grande destaque ao escândalo das escutas aos dirigentes do PP, ordenadas pelo então ministro do interior do governo PSOE e agora líder do mesmo partido, na circunstância apelidado de "Watergate à espanhola" no DN, com direito a chamada de título na primeira página.
O Correio da Manhã embarcou no mesmo tema, dando-lhe relevo de meia página a toda a largura na secção MUNDO e referindo que o PP exige explicações.
Trata-se, como é óbvio, de um tema essencialmente hispano-espanhol, sem quaisquer implicações previsíveis em Portugal, qualquer que venha a ser a sua evolução e subsequente desfecho. Porquê então tanto relevo? Julgo que por paixão doentia pelo fait divers, que os portugueses de fraca formação intelectual e cívica adoram, pois tal como o desporto, não implica escolhas nem traz qualquer consequência para a vida de cada um. Trata-se, por conseguinte, de uma forma moderna e mais sofisticada da velha calhandrice oral, ainda tão praticada, sobretudo nos meios pequenos.
Exagero? Olhe que não! Olhe que não! No jornalismo, como em qualquer outra actividade humana, pouco ou nada acontece por mero acaso. Neste mesmo dia, a grande notícia sobre Espanha -a "bomba", por assim dizer- apenas passou em rodapé na RTP 1 e mereceu um cantinho com foto na última página do Correio da Manhã, em baixo à esquerda:
Pela primeira vez, um governante da zona euro -e logo da quarta economia europeia- admite publicamente recorrer ao que os sindicatos chamam a "decisão maldita" -despedimento colectivo de funcionários públicos. Isto sim, virá a ter consequências bem gravosas em Portugal, onde designadamente as autarquias, entre as quais a de Tomar, sofrem de excesso de pessoal, em relação às receitas arrecadadas. O que vai implicar, mais tarde ou mais cedo, uma redução nunca inferior a 30%, faltando apenas coragem e oportunidade para definir as modalidades e as infelizes vítimas..
Por isso o jornalismo que vamos tendo vai procurando escamotear o assunto, que por ser muito desagradável iria perturbar o sossego dos respectivos leitores em férias, levando-os eventualmente a deixar de comprar um periódico que lhes dá notícias desagradáveis e até inquietantes. Ignorantes, mas contentes... Abençoados os simples, pois deles será o Reino dos Céus.
Peço desculpa por ter sido inconveniente. Não alinho com determinados "alinhamentos".
2 comentários:
Estimado Prof.Rebelo
Tal como nos Jornais, também convém darmos destaque às letras pequenas dos blogues.
Conte-nos lá então como chegou à grande conclusão de que a redução "mínima" de pessoal no Município de Tomar terá de ser 30%.
Sabe que, sem qualquer ofensa, o anterior inquilino da presidência da Câmara entre outros, muitos, devaneios discursivos recorrentes e repetitivos (tipo falar centenas de vezes da recuperação de um quadro na Igreja da Misericórdia eventualmente atribuído à "escola de Gregório Lopes"), dizia eu, que ele chateava-nos sempre com a conversa de que o Município devia ter apenas 400 funcionários...
Meu prezado amigo:
Não me parece que seja o local ou o tempo para esmiuçar a questão que colocas, da inevitável redução de pessoal. Lá virá o tempo, se for caso disso, que o mesmo é dizer se eu estiver na corrida ou para aí virado. Entretanto posso avançar em poucas linhas o essencial.
Penso não ser segredo para ninguém que a troika, ou mais precisamente quem nela manda, entende deverem os salários e os preços baixar pelo menos 30% em Portugal, como forma de voltarmos a ser competitivos. A principal componente salarial em Portugal são os funcionários públicos (entre 700 e 800 mil, num universo laboral de pouco mais de três milhões). Estes funcionários auferem salários em média muito superiores aos do sector privado. Dado que nos termos da legislação em vigor o Estado não lhes pode reduzir os proventos, a conclusão parece-me evidente. E a ti?
Boa continuação de férias! Com menos nortada! Beijinhos para a Anabela!
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