N.O. - Mas sendo assim, não será solução investir na massa cinzenta, inovar?
J.M. - É verdade. Mas os países emergentes já não se contentam, com acontecia até aqui, em ser as oficinas do mundo, fabricando coisas novas a baixo preço. Vão subindo na cadeia de valor, investindo os seus excedentes comerciais em educação, em investigação científica e em alta tecnologia. A China, por exemplo, investe agora quase metade do seu PIB, contra apenas 20% nos países ocidentais. Os países emergentes estão até a ir mais longe: além de recuperarem o atraso, inovam. As patentes concedidas à China, passaram de quase nada em 1995 para quase 10% actualmente.
N.O. - Apesar disso, a classificação de Shangai continua a mostrar a supremacia das universidades ocidentais...
J.M. - Por enquanto; mas até quando? Aliás, os próprios países emergentes também beneficiam da nossa transitória supremacia universitária, enviando as suas élites frequentar os nossos estabelecimentos de topo. Em Inglaterra, 60% dos diplomados em ciências, tecnologia, engenharia e medicina, são estrangeiros. E depois há outro problema: a qualidade do nosso ensino está em constante degradação. Na Europa, em média, mais de 20% dos alunos abandonam a escola sem ter adquirido o nível de leitura que lhe permitiria contribuir positivamente para a sociedade, contra apenas 4% em Shangai.
N.O.- Critica também o modo como os nossos governos reagiram à crise que nos assola. Mas olhe que conseguiram evitar até agora a implosão do sistema.
J.M. - Em vez de procurarem as verdadeiras causas dos problemas, os nossos dirigentes apenas se preocuparam em encontrar a melhor maneira de estimular a actividade económica, de forma a recuperar o anterior nível de crescimento. Como se tal fosse a ordem natural das coisas... E a resposta que encontraram, inaugurada por Alan Greenspan em 1987, na Reserva Federal Americana, foi inundar o planeta com liquidez. Esta política de dinheiro barato -com taxas de juro nulas ou até negativas- permitiu aos governos, às empresas e às famílias endividar-se massivamente para manter o seu nível de vida. Mas esta dependência de um sobre-consumo a crédito conduz-nos à catástrofe!
N.O. - Porquê?
J.M. - Porque em vez de, como preconizou Keynes, facilitar o relançamento económico graças ao investimento público em período de recessão, para depois gerar excedentes em período de retoma, os nossos "neo-keynesianos" transformaram o postulado da despesa pública permanente numa espécie de quase-religião. Veio depois a crise dos "subprimes" que agravou ainda mais os défices, financiados por mais dívida. Quando se acumula o endividamento das famílias, das empresas e dos Estados, chega-se a 650% do PIB na Irlanda e quase 300% na Alemanha. Trata-se de um verdadeiro círculo vicioso. Porque não só, como demonstraram os economistas Reinhart e Rogoff, acima de 90% do PIB o endividamento público trava o crescimento, mas também e sobretudo porque quando o excesso de liquidez acabar por fatalmente gerar inflação, será forçoso aumentar as taxas de juro, tornando as dívidas insuportáveis. Como já está a acontecer na Grécia, em Espanha, na Itália...
N.O. - Mas então, como procurar evitar o declínio? Políticas de austeridade em plena crise, só podem agravar ainda mais a recessão.
J.M. - Tem razão. Os nossos governos devem continuar a investir. Mas não de modo a agravar os desequilíbrios. A prioridade absoluta é a reorientação das despesas públicas para os dois tipos de investimentos mais geradores de crescimento económico: a educação e as infra-estruturas. (1) Deixou-se desvalorizar a função docente e foi um erro grave. Em 1930, nos Estados Unidos, 90% dos estudantes que escolhiam a carreira docente faziam parte do grupo dos 33% melhores dos seus cursos. Nos nossos dias, apenas 20% estão nesse caso.
Na mesma linha de pensamento, segundo a OCDE, os países com as melhores percentagens de êxito em leitura são aqueles em que os professores auferem melhores remunerações... ...
N.O. - Para concluir, defende também que, para evitar as deslocalizações de empresas, tem de se começar por reduzir o nosso nível de vida entre 10 e 15%
J.M. - É verdade. Há que reformar o nosso modelo social, repartindo os sacrifícios o mais equitativamente possível. A idade da reforma tem de ser aumentada, as pensões têm de ser reduzidas e os salários têm de baixar. É urgente! Porque se o não fizermos agora voluntariamente, vai-nos ser imposto dentro de alguns anos pela aceleração do nosso declínio. Quanto mais esperarmos, mais dolorosa vai ser a factura social, económica e política!
Entrevista conduzida por Dominique Nora, Nouvel Observateur, 23/08/2012, páginas 48/51. Tradução e adaptação de António Rebelo.
(1) - Em Tomar, não confundir com "Tomar 2015 - Uma nova Agenda Urbana - Documento de trabalho", uma fantasia que já nos custou milhões em obras sem nexo evidente. Nota do tradutor.
1 comentário:
Excelente! vale a pena ler e reflectir!
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