O texto anterior, sobre a classificação do Açude de Pedra como "de interesse público" parece ter surpreendido alguns leitores. Um deles até se manifestou espantado por eu ter mudado de opinião em relação aos anos 70 do século passado. Como se uma pessoa fosse de pedra.
Urge portanto esclarecer a coisa. Em tempos, uma habilidosa publicidade para certa marca célebre de relógios dizia que "O tempo é o que dele fazemos." Parafraseando, entre os anos 70 do século passado e a actualidade cheguei à conclusão que, infelizmente para todos nós, em Portugal "As leis são o que delas fazemos". No limite, algumas chegam mesmo a servir para tudo, menos para aquilo que determinou a sua entrada em vigor.
Aqui em Tomar, por exemplo, abundam os casos legislativos que em vez de protegerem o património ou os cidadãos, apenas prejudicam aquele e causticam estes. Só quem nunca teve nada de seu, nem teve de recorrer aos serviços de obras e urbanismo do município é que ainda ignora a árdua via sacra administrativa a que nenhum utente escapa. Geralmente com uma pequena componente legal e muito abuso de poder à mistura, tendo em vista objectivos muito afastados do espírito e da letra da Lei.
Na floresta de Leis, decretos-lei, decretos, portarias, regulamentos, despachos, PDM e posturas municipais, os que têm mundo põem-se a sonhar com os ingleses, povo feliz sem Constituição nem bilhete de identidade, nem cartão de eleitor, nem cartão de contribuinte, nem floresta legislativa a dar para tudo e para mais alguma coisa.
Exagero? Olhe que não! Ainda não há muito tempo, noticiaram os jornais locais, o Município de Tomar, através do seu executivo, indeferiu o requerimento de um munícipe que pretendia instalar e explorar, num terreno seu, uma lecicultura = criação de caracóis para consumo humano. Fundamento legal de tão insólita decisão: a legislação em vigor (PDM? RAN? Condicionamento Industrial?) impede a instalação de pecuárias a menos de 500 metros de casas de habitação. Ora, como as criações de caracóis são consideradas pecuárias, por serem poluentes, a câmara indeferiu. E o assunto morreu, como quase sempre ocorre nesta terra, cujos habitantes são regra geral conformistas até à medula, pelo que acham tudo muito natural. Até as maiores barbaridades administrativas.
Ao ler a notícia em causa ri-me para dentro, dada a comicidade da analogia caracóis = pecuária = bois, vacas e etc. Mas continuei a matutar, acabando por resolver um daqueles enigmas vocabulares que me atazanava o espírito: Sabendo-se que em francês caracol = escargot, porque razão em provençal, outrora língua do sul da França e actualmente variante dialectal do francês, caracol = cagouille? Não sendo esse o seu objectivo, mas tendo em conta que as leis e outras decisões são o que delas fazemos, a deliberação camarária acabou por responder à minha dúvida: caracóis = escargots = cagouilles = cagões. E merda já por cá temos até demais. Foi portanto feliz a decisão camarária em questão. Ou não?
1 comentário:
Ora viva, caro Prof.
Não aprovaram a coisa, portanto. Será porque querem (continuar) fazer merda sózinhos?
Bom ano para si e para os seus visitantes.
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