sábado, 8 de dezembro de 2012

Mais leitura para pensar

Não se esqueça de votar. Aqui >>>

A peça seguinte é da autoria de Jacques Attali, prestigiado economista e prospectivista, filiado no PS francês e que em tempos foi conselheiro económico de François Mitterrand. Analisa a realidade francesa, não sendo contudo muito difícil encontrar alguns traços da política lisboeta. Para melhor compreensão, as siglas das organizações mencionadas são seguidas da indicação = e da sua correspondente portuguesa, quando exista. Boa leitura!

"A sociedade de conivência"

"Enquanto os debates públicos se concentram, em todos os palácios oficiais da Europa, sobre a impossível gestão da dívida pública, os credores interessam-se cada vez mais por outro assunto: o mercado laboral. Já conseguiram impor por toda a Europa uma maior flexibilidade, que permite despedimentos individuais e colectivos mais fáceis, condição indispensável para a mobilidade, o crescimento económico e o emprego. Por toda a Europa, menos em França. Pelo que as agências de notação vão repetindo: se nada for feito nessa área no nosso país, a competitividade não voltará e o crescimento económico também não, ao mesmo tempo que as taxas de juro dos empréstimos públicos e privados aumentarão.
Começa-se finalmente no nosso país a debater essa matéria. Aparentemente, os parceiros sociais só estão de acordo sobre um ponto: constatar o desacordo. O MEDEF = patronato francês, solicita a simplificação dos despedimentos colectivos, aceitando em troca o aumento das taxas sociais nos CDD = contratos de duração determinada, o que a associação das PME = pequenas e médias empresas, não aceita. FO = UGT nem sequer quer ouvir falar da reforma dos despedimentos colectivos, enquanto que a CFDT = outra central sindical, esquerdista,  exige previamente o direito de cogestão das empresas, e a CGT = CGTP está sobretudo interessada em recusar qualquer acordo com o patronato, seja ele qual for. Isto enquanto ocorrem mudanças de dirigentes, tanto na CGT como na CFDT.
Alguns progressos são possíveis, nomeadamente sobre o prolongamento dos CDD e a manutenção da protecção social para os desempregados. Mas não sobre o essencial: recriar uma sociedade do emprego. Na verdade, estamos numa sociedade de conivência: todos os parceiros sociais estão de acordo para discordarem, e para entregar ao governo a responsabilidade exclusiva de decisões impopulares, todavia inevitáveis em matéria de flexibilidade. Mais ainda, os mesmos parceiros concordam igualmente em interessar-se apenas pela protecção dos trabalhadores que ainda têm emprego, olvidando deliberadamente os desempregados. Enfim e sobretudo, estão de acordo para não tocar numa verdadeira mina: os fundos para a formação permanente, os quais asseguram confortáveis rendimentos a muita gente que gravita à volta das organizações patronais e sindicais... De facto, esta questão da formação permanente nem sequer faz parte da actual negociação!
E no entanto, é essa a solução: para que a necessária flexibilidade não conduza a uma intolerável precariedade, há que garantir a todos os que terão de ser despedido um novo estatuto. Não já de desempregado, mas de salariado em formação permanente e à procura de trabalho. Para que todos reactualizem os seus conhecimentos laborais e possam encontrar uma nova actividade. É aquilo a que chamei, em crónicas anteriores, um "contrato de evolução".
Para que isso se consiga, há que ousar três reformas radicais. Em primeiro lugar, admitir que formar-se (e as universidades não servem para outra coisa, mesmo no verão) e procurar trabalho são actividades socialmente úteis, que devem ser remuneradas. Em segundo lugar, para financiar essa formação e essa procura, há que usar uma parte das verbas orçamentais, até agora desperdiçadas na formação permanente. Finalmente, entregar o que sobrar de tais recursos aos sindicatos.
De tudo isto, os parceiros sociais fazem o possível e o impossível para não falar. Enquanto o poder político, ocupado a colmatar sucessivas brechas, a evitar despedimentos aqui e além, corre o risco de vir a passar ao lado do essencial: os empregos de amanhã não estão na defesa ilimitada dos empregos do passado, mas na formação profissional e na preparação humana para os empregos do futuro."

Jacques Attali, Perspectives, L'Express, 28/11/2012, página 82

Para os francófonos: Jacques Attali, L'express.fr ou J@ATTALI.COM

Sem comentários: