quarta-feira, 15 de julho de 2009

TENTAÇÕES ELEITORALISTAS

Após o texto sobre a crise económica na Roménia, pareceu-nos útil reproduzir um artigo sobre a crise portuguesa e a provável atitude dos partidos do condomínio do poder. Num país e numa cidade onde todos os candidatos, ou quase, partem implicitamente do princípio segundo o qual o orçamento de estado é um vaca leiteira, com leite que chega e sobra para todos os projectos, mesmo os mais insólitos, bastando ser hábil a ordenhar, impõe-se a leitura atenta desta análise, subscrita por Francisco Sarsfield Cabral e inserida no PÚBLICO de 13 do corrente. Para que depois das eleições ninguém possa alegar desconhecimento do mau tempo previsto para o próximo Inverno.
"Nas eleições legislativas de 2002 e 2005 os portugueses foram enganados. Prometeram-lhes que os impostos iam baixar ou não subiriam -e os impostos aumentaram. Já então me parecia que as promessas de facilidades não iriam trazer muitos votos e que uma política de verdade não apenas daria mais legitimidade a quem viesse a governar, com seria eleitoralmente compensadora, porque os portugueses não são tolos. Não o posso provar, até porque quem iludiu ganhou as eleições. Mas agora depois de ter caído a confiança dos eleitores nos políticos por causa desses enganos, é difícil esperar que os votantes sejam tão distraídos que visões cor-de-rosa rendam nas urnas.
No entanto, as tentações para dourar a pílula persistem. É patente a tendência do PS, que se deverá acentuar até 27 de Setembro, para prever a iminente recuperação económica. As coisas vão muito em breve melhorar -dirão os socialistas ao mais pequeno indicador económico menos desastroso.
Será vender ilusões. Poderá tender para a estabilização a crise global, a crise de que o governo prefere falar, porque a responsabilidade dela não lhe cabe. Mas, a concretizar-se, a retoma será lenta e débil, sobretudo na zona euro -decisiva para Portugal. E Espanha, o nosso primeiro mercado, só deve recuperar lá para 2011. Acresce que alguns oásis para as exportações portuguesas, como Angola e o Brasil, entraram também em crise.
E não se pode garantir que a crise global não sofra uma recaída. Aconteceu nos anos 30. Por exemplo, o sector financeiro ainda não está fora de perigo. Como lembrou o primeiro-ministro sueco (agora na presidência da União Europeia), nos bancos permanecem enormes perdas não declaradas. A própria queda da actividade económica traz problemas adicionais aos bancos, desde logo no crédito malparado.
Mas o mais preocupante quanto ao futuro económico português não é a crise global -é a nossa crise estrutural. Estamos há quase uma década a perder competitividade, o que, já não podendo desvalorizar a moeda, traz desemprego. E com uma economia a crescer abaixo da média da União Europeia, ou seja, a empobrecer relativamente. O que gastamos ultrapassa em cerca de 10 por cento aquilo que produzimos. Resultado: o défice externo português cresce desde há anos a ritmo explosivo. Os empréstimos externos que o financiam tornar-se-ão cada vez mais caros e difíceis -em particular se as contas públicas, de novo muito desiquilibradas, não endireitarem nos próximos tempos, o que é improvável.
Se a ilusão do fim da crise é uma tentação para a propaganda eleitoral do PS, o PSD deverá, por seu turno, evitar omissões quanto ao que terá que fazer se for governo. A começar pelas finanças públicas: onde, concretamente, irá cortar na despesa, nomeadamente na corrente? Não basta suspender investimentos públicos faraónicos, aliás com pouca incidência na despesa pública em 2010.
Estamos com um défice orçamental à volta de 6 por cento do PIB, a mesma ordem de grandeza que provocou a chamada "obcessão do défice". Para já, a coisa passa, dada a crise. Mas teremos que o reduzir, sob pena de a nossa credibilidade nos mercados financeiros se esfumar e o custo do crédito externo se tornar proibitivo. Só que é muito difícil reduzir défices orçamentais com a economia em queda ou a crescer pouco, travando a receita fiscal. Além disso, vai persistir durante anos, pelo menos, o imperativo de uma significativa despesa social, para ajudar os mais atingidos pela crise, como os desempregados.. E também não irá desaparecer tão cedo a necessidade de estimular com despesa pública uma actividade económica anémica.
Se, neste quadro, o PSD quer reduzir impostos, nomeadamente sobre as pequenas e médias empresas, para ser credível terá que explicar ao eleitorado como irá resolver o problema orçamental, pois este parece a quadratura do círculo. Não são felizes os recuos e contradições em torno das palavras de Manuela Ferreira Leite "vamos rasgar e romper com todas as soluções que têm estado a ser adoptadas em termos de política económica e social".
Uma campanha eleitoral séria implica dizer verdades desagradáveis aos portugueses. Provavelmente, os partidos continuarão a tomar-nos por débeis mentais, insistindo em promessas ilusórias e na ocultação de problemas. Não se espantem depois se os eleitores lhes virarem as costas." (franciscosarsfieldcabral@gmail.com)
Os negritos são da responsabilidade de Tomar a Dianteira.
PS: De acordo com elementos geralmente bem informados, neste momento o total das dívidas camarárias corresponde a cerca de 150 por cento da receita anual prevista. Portanto...

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