Distribuído ontem com o semanário SOL, "A ECONOMIA NO FUTURO DE PORTUGAL" é, na minha tosca opinião, um livro que destoa e incomoda. A sua leitura pouco tem de agradável, mas é absolutamente indispensável para quem queira tentar perceber em que país e em que época está vivendo.
É um livro que destoa porque o seu estilo agreste parece fugir deliberadamente daquilo que actualmente "vende" -os livros digestivos ou "de aeroporto". É um livro que incomoda, e incomoda duplamente. Aquilo que diz raramente é optimista e a forma como o diz é tudo menos acessível. E isto apesar de proclamar exactamente o oposto: "A segunda norma do método refere-se à orientação da escrita, onde a opção seguida será privilegiar um sentido positivo e afirmativo." (pág. 46) "A terceira norma do método estabelece o estilo de escrita, evitando as fórmulas convencionais da linguagem técnica e burocrática para privilegiar a terminologia que esteja mais próxima do real." Assim devidamente prevenido, o leitor terá direito a muitas páginas desde género: "Todavia, também depende do que for a qualidade dos dirigentes políticos, económicos e sociais para promoverem a adopção de comportamentos sociais viáveis, designadamente aqueles que terão de se ajustar à passagem do contexto clássico dos confrontos internos que se decidiam em estruturas de jogo de soma nula (o que um grupo social ganhava correspondia à perda que o outro grupo social teria de suportar, porque o que estava em disputa era o que existia dentro das fronteiras que fechavam o espaço relevante para este confronto distributivo) para o novo contexto das relações competitivas em espaços abertos que se decidem em estruturas de jogo de soma variável (em que todos os grupos sociais internos podem perder ou ganhar em relação a outros grupos sociais externos, que passaram a ser intervenientes directos nas relações conflituais porque todos operam no mesmo mercado globalizado)". (pág. 151)
Além desta escrita complexa, mas alegadamente simples segundo os próprios autores, há também alguns axiomas de muito difícil digestão para muitos eleitores, porque sendo insidiosamente acutilantes, são igualmente fotografias na nossa realidade. Tanto a nível nacional como citadino. Este, por exemplo: "Todas as sociedades humanas contêm mecanismos implícitos (no essencial de matriz biológica) de formação de uma classe estruturada detentora do poder formal -é o que, genericamente, se designa como "classe política".
"A experiência milenar mostra que, boa ou má, melhor ou pior, a existência de uma classe política é permanente e de todas as sociedades -embora com frequentes e, por vezes, profundas transformações. A questão nuclear do discriminante entre sociedades radica-se a um nível mais fundo, que designamos pela questão da ocorrência, ou não de uma "elite dirigente".
"Já não se trata de uma estrutura organizada em função de e com vocação para a detenção e o exercício do poder formal; trata-se de uma conjunto -digamos um grupo social auto-formado e auto-consciente e com um grau relativamente elevado de reconhecimento colectivo- capaz de produzir e difundir um corpo estruturado de ideias que, permeando a sociedade, lhe transmitem os comportamentos essenciais..."
Livro encruzilhada, com aportes de economia política, sociologia, geografia, história, gestão, psicologia, etc., A ECONOMIA NO FUTURO DE PORTUGAL, embora o não diga abertamente, propõe a alteração completa das prioridades, admiravelmente resumidas, nos idos de 4o do século passado, pelo general De Gaulle. Disse ele um dia, na sua linguagem militar -"Mandem avançar a tropa; a intendência será forçada a seguir". Em linguagem civil -tenham ideias, avancem com elas, na cultura, no ensino, nas infraestruturas, na saúde. Os recursos logo aparecerão. Sessenta anos mais tarde, acossados pelas dificuldades inerentes à globalização e à mudança cada vez mais acelerada, os membros da equipa de Hernani Lopes (os autores do livro) aconselham exactamente o oposto: Temos de avançar com a intendência, isto é, criar riqueza, criar valor acrescentado, criar mais valia, efectuar e /ou reforçar a acumulação primitiva. O resto virá por acréscimo, tal como acontece com os ratos ao cheirar-lhes a queijo. Ou, como eles escrevem de forma humorística, "Depois de recordados os seis pontos estruturais da gestão de empresas, o último dos princípios de referência que serão tidos em conta na elaboração deste texto são as sete regras da responsabilidade: estudar, estudar, estudar, trabalhar, trabalhar, trabalhar, trabalhar -ou seja, três vezes estudar, quatro vezes trabalhar. As sete regras de responsabilidade, por si só, não são uma garantia de sucesso, nas empresas ou no trabalho analítico. Não as cumprir, porém, é uma receita segura para o fracasso." (pág. 53)
A ECONOMIA NO FUTURO DE PORTUGAL, Hernâni Rodrigues Lopes (coordenador), José Poças Esteves, equipa técnica e consultores da SaeR, Edição O SOL, 285 páginas, 12€50, em qualquer venda de jornais.
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