domingo, 8 de novembro de 2009

CONTINUIDADE E DEFINHAMENTO...

Tinha decidido fornecer hoje à noite uma pitada de história local. Para focar/lembrar alguns factos que podem muito bem constituir ensinamentos importantes sobre o nosso futuro a construir. Entretanto li os jornais e encontrei no PÚBLICO este tema que me pareceu importante.
É meu entendimento que a nível nacional o silêncio sobre a crise resulta, sobretudo, de dois factores: 1 - A direita (PSD/CDS) viu desmentidos na prática os pretensos méritos do liberalismo, com a necessidade de importantes intervenções governamentais para evitar falências em série. Mesmo na pátria do capitalismo puro e duro -os Estados Unidos. 2 -A esquerda (PS, PCP, BE) mostra-se cautelosa, dado que, apesar da gravidade e persistência da crise, a direita tem subido e ganho eleições por essa Europa fora, quando afinal o inverso seria mais lógico. E depois parece haver um certo cansaço em relação ao sacerdote Louçã e ao seu manifesto irrealismo nalguns pontos, bem como uma lenta mas contínua erosão do Mosteiro do Jerónimo. Adiante.
No que a Tomar se refere, há também a considerar o relativo "entontecimento transitório" após o choque provocado pelo "juntar dos trapinhos" PSD/PS, que surpreendeu e escandalizou muitos eleitores. Com toda a razão, de resto. Tanta coisa de parte a parte, e afinal para quê ter votado num ou noutro ? Não teria sido mais correcto fazer a coligação e anunciá-la aos eleitores antes das eleições ?
Sentindo-se, em muitos casos, enganados, os eleitores mais adestrados nestas coisas pensam também que estamos perante uma aliança de mútua conveniência dos militantes envolvidos, que infelizmente vai prolongar por mais algum tempo a continuidade do definhamento, em vez de possibilitar a ruptura, encetando um período de transformação e afirmação. E escrevo "prolongar por mais algum tempo" tendo em conta que, segundo Hernâni Lopes, "...A tendência mais provável num cenário onde a continuidade gera definhamento, é que este seja um factor adicional de continuidade, num círculo vicioso que será operante até se chegar a um ponto de ruptura." Entretanto teremos perdido mais uns anitos em vão. Após o que os eleitores, já anteriormente escaldados, saberão que tanto faz votar PSD como PS. Lindo. E muito mobilizador, não é ?
E vamos agora à tal pitada de história local, que tem tudo a ver com o que antecede. Todos os tomarenses sabem que Tomar começou a ser fundada, lá em cima, a partir de 1 de Março de 1160. Sabem igualmente que o período áureo nabantino vai de 1420 a 1557, que é como quem diz da conquista do controlo da Ordem de Cristo pelo Infante D. Henrique ao final do reinado de D. João III. Com uma fase já decadente a partir da reforma de 1529. O que poucos terão reparado é no longo período obscuro que vai de 1168 (concessão do foral velho) até 1420, do qual apenas se sabe, geralmente, que houve a adulteração do dito foral, em data indeterminada com precisão, a extinção dos templários, em 1312, a "fundação" da Ordem de Cristo, a ida para Castro Marim e o regresso a Tomar em 1325.
E o resto ? É costume dizer-se que os povos felizes não têm história, podendo bem ter sido esse o caso dos tomarenses até 1420. Isto porque, de acordo com Marx, autor maldito mas ainda assim analista económico de muito valor, apesar dos seus evidentes erros, qualquer desenvolvimento económico pressupõe um período mais ou menos longo de poupança, designado por "acumulação primitiva". O tal capital inicial, sem o qual, ainda hoje, os projectos, por muito bons que sejam, ou dificilmente avançam, graças à banca e/ou ao estado, ou não avançam mesmo.
Ciente da necessidade de conseguir fundos, o Infante D. Henrique visou ao mais alto nível de riqueza do país, quando pediu ao pai para tentar obter do papa a sua nomeação como governador e administrador da Ordem de Cristo, que acabou por dominar entre 1420 e 1460. Durante esse longo período, diz-nos o seu cronista Zurara, "lançou a empresa das navegações com os seus cabedais e as rendas da Ordem de Cristo." Sabemos igualmente que tal empresa, apesar dos elevados cabedais envolvidos, só muito mais tarde veio a ser rentável. À data do seu falecimento, o Infante deixou dívidas, as quais só vieram a ser pagas no reinado de D. Manuel, entretanto Mestre da Ordem de Cristo, na qualidade de herdeiro do herdeiro do Infante, e rei de Portugal.
As grandes obras do Convento, do Infante D. Henrique, de D. Manuel I e de D. João III/Dona Catarina, não foram por conseguinte nenhum presente do infante ou da coroa portuguesa. No primeiro caso tratou-se apenas de edificar acomodações para o próprio. Nos dois outros, de mera aplicação dos rendimentos dos cabedais anteriormente aplicados.
A partir de 1529, quando passaram de cavaleiros e comendadores a simples frades de cógula (Reforma de Frei António de Lisboa), foi a longa decadência, com duas pequenas interrupções, uma durante o período filipino e outra logo após a restauração. Até que em 1834 acabou tudo e os tomarenses ficaram órfãos de facto. Desde então habituaram-se a viver directa ou indirectamente à custa do orçamento de estado, tendo-se mostrado até ao presente incapazes de definir o seu próprio futuro. Parecem aguardar que apareça um D. Sebastião salvador, numa manhã de nevoeiro, em vez de procurarem conseguir novamente uma razoável "acumulação primitiva", sem a qual...
E aqui reside o nó górdio. A autarquia vive há vários anos acima dos seus recursos, esperando que o governo e/ou a banca lhe vão permitindo continuar a esbanjar. O governo está na mesma delicada situação, pelo que tenderá reduzir e não a aumentar as transferências para o poder local. Quanto à banca, dois aspectos: 1- Quanto mais empréstimos, mais altos os juros; 2- Com o previsível aumento da euribor, o actual serviço anual da dívida autárquica, da ordem dos 2 milhões de euros, upa! upa!
Mas enquanto funcionários e autarcas forem recebendo a tempo e a horas, está tudo bem. Ou não ?

1 comentário:

Frei Gualdim disse...

Costumava-se dizer que "quem não tem dinheiro não tem vícios". Mudam-se os tempos e já ninguém liga a tal. Porquê antecipar angústicas e problemas. Dizem hoje que vida é para ser vivida já. O amanhã é apenas dos tolos.Tudo bem enquanto o salário continuar pingando. O último que desligue a luz e mude as flores na campa do pai.

Destaco:

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A autarquia vive há vários anos acima dos seus recursos, esperando que o governo e/ou a banca lhe vão permitindo continuar a esbanjar. O governo está na mesma delicada situação, pelo que tenderá reduzir e não a aumentar as transferências para o poder local. Quanto à banca, dois aspectos: 1- Quanto mais empréstimos, mais altos os juros; 2- Com o previsível aumento da euribor, o actual serviço anual da dívida autárquica, da ordem dos 2 milhões de euros, upa! upa!
Mas enquanto funcionários e autarcas forem recebendo a tempo e a horas, está tudo bem. Ou não ?
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