Suponho que poucos saberão, (estas coisas da história já não interessam a ninguém), mas os nossos antepassados (nossos, dos tomarenses, bem entendido) foram sucessivamente foreiros dos Templários, até 1312, e da Ordem de Cristo até à aceitação do foral novo dado por D. Manuel I (1509). Significa isto que beneficiaram de um estatuto próprio durante séculos, após o que passaram a ser regidos pela lei geral do reino.
Sendo foreiros, a entidade que lhes concedera os foros garantia-lhes alguns direitos, mas igualmente muitas obrigações. Entre aqueles figuravam o direito de habitação, o direito de amanhar uma courela mediante renda anual (o foro) e/ou de exercer um ofício. Das obrigações, as principais eram a participação nas campanhas militares, o cumprimento dos direitos de aposentadoria e de comedoria dos nobres e, sobretudo, o pagamento de impostos.
Naqueles tempos, a circulação de moeda era muito reduzida, e a troca directa muito frequente, pelo que os impostos e as rendas dos foros eram pagos em géneros. Na região de Tomar, além dos tradicionais animais domésticos (galinhas, patos, perús, cabritos, cordeiros, vitelos), o usual era pagar com a azeitona e os cereais. Além das filhas casadoiras, no âmbito do direito de pernada, mas isso é já outro assunto mais sensível.
Procurando evitar a falcatrua e/ou a fuga ao pagamento mais ou menos justo, os administradores da Ordem muniram-se desde o início, em 1162, de todas as garantias. Assim, só a Ordem e os por ela designados tinham o direito de fazer açudes fixos no rio, bem como de moer azeitona ou cereais. Maneira ardilosa de forçar os agricultores a entregarem toda a sua produção nos lagares/moínhos existentes (os da Levada), onde lhes retiravam logo a parte referente aos impostos. Além de mais qualquer coisinha para o lagareiro/moleiro...
Os outros foreiros apenas podiam fazer anualmente açudes provisórios, exclusivamente para rega, que deviam obrigatoriamente ser desmontados até meados de Outubro. Por casa das cheias, mas sobretudo para evitar tentações e subsequentes vigarices...
Com a extinção das ordens religiosas em 1834, houve confusões com fartura na questão dos foros, acabando muitos foreiros por se assenhorearem dos terrenos que até então exploravam e pelos quais pagavam os foros anuais. Quanto aos lagares/moínhos e açudes, foram sucessivamente arrematados por vários cidadãos à fazenda nacional. Os últimos foram João Torres Pinheiro e Manuel Mendes Godinho, por compra àquele. Nos nossos dias, como é sabido, resta um açude de madeira e uma roda a funcionar (quando funciona !), ambos propriedade da autarquia, que comprou o conjunto conhecido por Mouchão dos Frades nos anos 40 do século passado.
Toda esta lenga-lenga para tentar enquadrar o mistério do açude do Mouchão, que este ano ainda lá continua em meados de Novembro, contrariando o que sempre se praticou até agora -a sua desmontagem o mais tardar até 15 de Outubro, por causa das cheias. Isto apesar da roda ter dado o berro e deixado de funcionar em Agosto passado.
Finalmente, em mais uma demorada visita ao local, foi fácil desvendar o mistério. A exemplo do que vem fazendo em vários pontos da cidade, preservando a vegetação mais ou menos rasteira que vai nascendo nas ruas e nos espaços verdes, a autarquia está apenas a procurar defender o ambiente. Neste caso a assegurar o poiso e o comedouro da garça. E está certo, pois de acordo com a tradição popular, Tomar sempre foi madrasta para os seus filhos, mas extremamente hospitaleira para as aves de arribação. O pior é que até um rural disse ao meu lado -Mau sinal ! Gaivotas em terra é sinal de tempestade!
Ainda não percebi onde ele queria chegar.
4 comentários:
Na reunião camarária de hoje destaco os seguintes pontos da ordem de trabalhos:
4. EMPREITADA DE ARRANJO URBANÍSTICO DA ENVOLVENTE AO CONVENTO DE CRISTO – PERCURSO DA MATA DOS SETE MONTES – CONCURSO PÚBLICO - PROPOSTA DE ADJUDICAÇÃO.
(vai mesmo para a frente...)
6.5. Informação dos Serviços Municipais de Mercados e Feiras:
6.5.1. Participação de desacatos ocorridos no Mercado Municipal de Tomar no pretérito dia 2009-07-03.
(4 meses para que o executivo tome conhecimento?)
8.3. Operações de Loteamento:
8.3.1. José André de Melo e Castro Salazar Lebre - Operação de loteamento - Cabeça de Carvalho - Freguesia de Olalhas.
(a candidatura à Câmara já recolhe frutos...)
Útil retrospectiva histórica.
Infelizmente hoje o tempo é marcado por oportunismos que escapam ao controle de quem deveria preservar pela causa pública.
Era caso para reafirmar...
"Nunca damos (ou daremos) Tomar por alcavala a alguém."
Nunca daremos Tomar por alcavala a alguém
http://charolinha.blogspot.com/
Boa tarde António Rebelo,
Excelente exposição dos factos históricos e práticas sociais que determinavam o "modus vivendi" de antanho nesta nossa terra. Realmente, corroborando o que "Frei Gualdim" afirma no seu primeiro comentário, permita-me que lhe atribua um papel semelhante ao do padre António Vieira: está a pregar aos peixes, esses sim, os maiores sofredores das atrocidades que se têm cometido no rio nabão!!!
De facto, e voltando à tona de água, o desleixo e abandono aqui invocados pela imagem e pela escrita, tornados vocação pelos responsáveis camarários, só é possível porque os autarcas de cá são gente inculta que não conhece nem reconhece o peso histórico duma urbe velha de séculos, onde se acumularam usos e costumes ligando gerações e gerações, transformando-se naturalmente ao correr dos tempos, mas que permitiram chegar até nós testemunhos dessas vivências. Não percebem a importância da preservação da riqueza história que a cidade de Tomar alberga. Um metro de alcatrão vale mais qie 2 ou 3 séculos de história. Assim sendo, não se admire que a ruína cavalgue sobre esses bens legados pelos nossos antepassados. O novo-riquismo e o supérfluo são agora o mote...
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