domingo, 4 de dezembro de 2011

Coitados dos gregos? E nós?

"Na Grécia, para requisitar a electricidade vai-se à DEI , a EDP grega, uma empresa pública. Tira-se uma senha de vez, espera-se um pouco, depois fala-se com uma empregada que abre o nosso processo e o envia para outra secretária ao lado. Nova espera, desta vez mais longa. Nova conversa, para completar o processo, logo enviado ao responsável pelo serviço. Mais alguns minutos de paciência, enquanto este atende uma chamada, lê rapidamente o processo e o carimba. Retorno à secretária anterior, que carimba logo o pedido. Mais um retorno, desta vez à primeira empregada, que também carimba o pedido e o envia para o seu chefe de serviço, para mais um carimbo. Chega então a altura de ir até à caixa, para entregar uma caução (em dinheiro, não aceitam cheques nem Multibanco). Depois, há ainda mais duas carimbadelas, após o que o futuro consumidor tem de aguardar cerca de dez dias, até virem fazer a ligação. Ainda Assim, a DEI é considerada uma empresa com boas performances, pois até consegue ter lucro.
Como esta, há na Grécia milhares de outras histórias "kafkaianas" sobre a administração pública. Este ano os alunos começaram o ano escolar sem livros, porque o ministério da educação se atrasou na encomenda. Nalgumas disciplinas e anos ainda não há livros nesta altura do ano. Qualquer formalidade representa um esforço inaudito. Cada funcionário tem uma opinião diferente sobre o problema...que entretanto vai ficando por resolver. A melhor solução é conhecer alguém no sítio certo. Pagar "por baixo da mesa" é uma prática corrente. Segundo Transparency International, 10% dos gregos declararam já ter sido obrigados a "untar as mãos" aos funcionários. Os casos mais frequentes ocorrem nos hospitais, nas repartições de finanças e nos departamentos de urbanismo das autarquias. O nível médio de tais "gratificações" é da ordem dos mil e quinhentos euros.
... ... ...Quando em Setembro passado o ministro  das finanças, Evangelos Venizelos, anunciou um novo imposto imobiliário, equivalente do IMI, esclareceu que seria cobrado pela empresa de electricidade. Reconheceu assim, implicitamente, que a direcção-geral dos impostos não está ainda em condições de o fazer. Porquê o fornecedor de electricidade? Porque os que não pagarem ficam logo sem luz. O pior é que o poderoso sindicato da DEI (EDP) não concorda. Os seus aderentes já tentaram bloquear a tipografia que imprime as facturas da luz, e vão multiplicando as acções espectaculares. A mais recente foi o corte da luz ao ministério da saúde, que devia vários meses de consumo.
Porque o Estado também é mau pagador. O ministério das finanças colocou na Internet a relação dos devedores de impostos: O primeiro da lista é a companhia estatal dos caminhos de ferro, cujos custos salariais são superiores às receitas. Alguns laboratórios farmacêuticos já anunciaram que vão deixar de fornecer medicamentos aos hospitais públicos. E agora com os cortes orçamentais o problema vai agravar-se singularmente. ... ... ...
... ... ...Para os políticos que vão acedendo ao poder, o Estado é a base de uma prática clientelar, segundo o consagrado princípio "vota em mim, que eu arranjo emprego para ti e para a tua família". Ministros de esquerda ou de direita "meteram" assim milhares de eleitores nas empresas públicas e na administração.
Pressionados pelos sindicatos, os partidos políticos não se arriscam a suprimir os empregos dos funcionários que nada fazem, explicou-nos o ex-ministro liberal das finanças Stephanos Manos. "Quando fiz parte do governo, em 1992 /93, descobri que o meu ministério tinha 38 advogados. Uma auditoria que mandei efectuar, indicou-me que tínhamos necessidade de apenas quatro. Por precaução, resolvi ficar com seis. Logo que fui substituído, 31 dos que havia despedido foram reintegrados. Aumentam os impostos para poderem continuar a pagar aos funcionários em excesso. Enfraquecem-se assim as PME, que deixam de poder obter financiamento. Pouco a pouco vai surgindo na sociedade um claro antagonismo entre os empregados do sector privado e os funcionários públicos."
A troika impõe a rápida reestruturação do Estado. Funcionários superiores enviados por Bruxelas estão em Atenas para reorganizar a deficiente administração grega. Para o sociólogo Constantin Tsoukalas, "Todas as estratégias de sobrevivência vão falhando uma após outra. Agora as pessoas já nem encontram refúgio no Estado. A classe média vai definhando. As famílias desempenham cada vez menos o seu tradicional papel de último recurso. Há cada vez mais riscos de violenta explosão social"


Alain Salles, correspondente em Atenas, Le Monde, Culture et idées, 03/12/2011, página 7

1 comentário:

Virgílio Lopes disse...

Pedindo licença ao Sr. Rebelo e
com a devida vénia, atrevo-me a reproduzir do Blogue "LADRÕES DE BICICLETAS":



Quinta-feira, 24 de Novembro de 2011
Richard Wilkinson: o vídeo

VEJAM O VÍDEO:

http://www.youtube.com/watch?v=tEIPD7UeQqA&feature=player_embedded



Wilkinson sugere que a prosperidade de um país decorre da existência de uma relação dialética - de mútuo benefício - entre crescimento económico e equidade social, contrariando assim as teses que defendem que o combate às desigualdades apenas pode ter lugar depois de se alcançar uma situação de crescimento da economia (coisa que, em regra, nunca é reconhecida, ficando sempre postergada para as calendas gregas).

(Com um agradecimento à Joana Lopes, pela ajuda na colocação desta versão legendada em português, que a Iniciativa para uma Auditoria Cidadã à Dívida produziu).
Postado por Nuno Serra às 24.11.11



Com todo respeito,

Virgílio Lopes