sábado, 18 de agosto de 2012

"Disse-lhe que não era rapariga para ele"

Os recentes incidentes nos bairros situados a norte de Amiens (143 mil habitantes), França, que causaram ferimentos em 19 polícias e a destruição por fogo posto de dois edifícios públicos, foram noticiados em Portugal de forma muito resumida. Os leitores terão por isso ficado com ideias bastante vagas sobre o sucedido. Procurando sanar essa lacuna, segue-se uma pequena reportagem de um enviado especial, publicada no LIBÉRATION ON LINE (esquerda radical), ontem, 17/08/2012, às 21H45.

Stéphane Diboundje, advogado de defesa, prestando declarações à comunicação social esta tarde. (Foto Thomas Samson, AFP).

Na sequência da revolta urbana nos bairros a norte da cidade, esta tarde havia julgamento no tribunal de primeira instância de Amiens. Eram três os réus.

"Esta tarde no Palácio da Justiça de Amiens, quem esperava ver chegar cabecilhas de bairro, jovens excitados, prontos a ajustar contas com o resto do mundo, terá ficado desiludido. Surgiram Shrek e dois jovens visivelmente ultrapassados pelos acontecimentos.
Shrek é o cidadão Cédric, acusado de incitação à violência no passado domingo. É julgado por "provocação directa de ajuntamento armado". Com 27 anos, tem já um registo criminal tão comprido como um dia de Verão: nove condenações. A alcunha Schrek, foram os amigos dos bairros do norte de Amiens que lha puzeram, mesmo se as parecenças não são assim muitas. Assemelha-se mais a uma daquelas personagens magras e descentradas dos filmes dos irmãos Cohen.
Entrou na sala às 14H30 e saiu dez minutos mais tarde. Vai ficar em preventiva até novo julgamento, previsto para 12 de Setembro próximo. Logo a seguir entraram na sala de audiências os jovens Wilfrid e Christopher, devidamente algemados. São acusados de "deterioração ou degradação de bens alheios por meios perigosos perigosos para as pessoas". Em resumo, incendiaram alguns contentores de lixo na noite de 13 de Agosto, acabando por ser presos dois dias depois, em flagrante delito de reincidência. O olhar febril de Christopher perde-se na atmosfera circundante. Apesar do calor, continua de casaco vestido. À sua direita, a tee-shirt vermelha de Wilfrid parece já ensopada de suor e de stress.
Christopher, agora com 20 anos, não andou muito tempo nos estabelecimentos de ensino. Não sabe ler nem escrever. Perante a juíza, começa logo a chorar. "Eu nem sequer sabia que havia motins nos bairros do norte de Amiens naquela noite. Andávamos a passear e veio-nos a ideia de incendiar os contentores." Logo a seguir procura emendar: "Para dizer a verdade, eu só fiquei à espreita. Foi o Wilfrid é que lançou fogo. Andava muito triste porque a namorada o tinha abandonado. Eu disse-lhe logo que também não era rapariga para ele." Wilfrid começa também a chorar. "Ando sempre enervado, mas o que eu fiz sei que não foi nada bom." A juiz pergunta-lhe então a que horas ateou o incêndio. Wilfrid responde baixinho: "Não sei, porque não sou capaz de ver as horas nos relógios de ponteiros, mas depois olhei para o meu telemóvel e eram 22 horas. Que eu até conheço os algarismos. E também sei contar até 30."
Antes da leitura da sentença, Christopher avança uma última frase: "Olhe que eu não quero ir para a prisão!" O procurador tinha requerido 12 meses de prisão, com pelo menos 6 a cumprir, mas o tribunal foi mais benevolente. Condenou os réus a 8 e 10 meses de prisão, respectivamente, mas com pena suspensa. Os advogados declararam-se "satisfeitos". Christopher abandonou o tribunal aliviado: "Eu não fiz nada, foi o Wilfrid que ateou o fogo. Agora vou para minha casa e não volto a sair. Passei toda a noite a rezar. Tinha muito medo de ir preso." Olheiras profundas, pálpebras a tremer, Chistopher conclui: "Não sei ler nem escrever, mas acabo de levar uma boa lição." E lá foi para os bairros do norte de Amiens. Sozinho."

Rachid Laïreche, enviado especial a Amiens, LIBÉRATION ON LINE, 17/08/2012

3 comentários:

Luis Ferreira disse...

Claro que as políticas ultra-liberais de redução brutal dos "clubes de bairro" e de apoios às associações de moradores das grandes periferias das cidades Francesas, implementadas pelo mandato de Sarkozi nada têm de relação com estas "ondas de violência".

E se notarmos elas sao mais frequentes no verão ou em outros períodos escolares. Talvez porque os "sobrantes" da sociedade capitalista nestas épocas - sem escola oficial aberta - estão sem "enquadramento social".

Em todo o caso uma conclusão destas ondas de violência estivais de França e de Inglaterra nos devem fazer pensar é que há que apostar num desenvolvimento equilibrado e inclusivo, onde nao haja cada vez mais "guetos", lado a lado com um grupo cada vez mais ultra-rico e previligiado.

Se nada for feito, esté mais um caldo de cultura favorável à próxima guerra.

Tomem nota do dia 17 de Agosto de 2012: foi neste dia o Exercito Alemão autorizado a intervir militarista em território alemão (desde a capitulação do III Reich em 1945 que este exercito esta proibido de atuar em território alemão, apenas podendo integrar dispositivos NATO ou com mandato das nações Unidas). De lembrar que a remitalirização de Renânia antecipou em poucos anos a segunda guerra mundial. Decorem o dia por favor: 17 de Agosto de 2012!

Anónimo disse...

Prezado amigo:

Lamento não concordar com o que escreves. Parece-me excessivamente exagerado. Diria até com contornos paranóicos.
É certo que desde a capitulação, a Alemanha estava limitada na sua soberania pelas potências aliadas (Estados Unidos, União Soviética, Inglaterra e França), mas isso era uma situação transitória, que de qualquer modo caducou com a queda do Muro, a reunificação e a implosão da URSS. Por outro lado, o que o Tribunal Constitucional alemão aprovou foi apenas o uso de forças militares em território alemão, secundando as normais forças de segurança, em caso de necessidade.
É meu entendimento que no actual contexto nacional e europeu qualquer alarmismo é nefasto, mormente quando se evocam velhos demónios.
A Alemanha é agora uma sólida democracia, que já conquistou toda a europa, não com as panzer, mas com as ajudas europeias e outros QREN. Oxalá saibamos estar à altura de corresponder!

Luis Ferreira disse...

Meu caro Prof.Rebelo

As coisas são o que são e não aquilo que queremos que seja.
O que o Tribunal Constitucional Alemão decidiu não foi uma "mera formalidade" de final de guerra fria (o que alias aconteceu formalmente em 1991 com o efetivoncolapso da URSS). É muito mais do que isso.

A história sabê-mo-lo bem nao se repetirá stritu sensus, mas os sinais devem ser interpretados. A colonização económica por um lado, a arrogância política por outro, a permanente "militarização" em curso, a compra missiva de metais de todo o tipo, aproveitando o enorme excedente financeiro denunciam o quê?

E fiar-se na plena democracia alemã é esquecer que o Partido nacional socialista (NAZI) chegou ao poder através de eleições democráticas...

Aliás em
Setembro temos eleições na Holanda e veremos o que irá acontecer (não esquecendo que este Pais tem tido uma serie de movimentos de extrema direita populista em crescendo na ultima década indiciando um perigoso movimento "individualista" que tem paralisado de todo a Europa, permitindo à Alemanha aumentar exageradamentebo seu poder).

Convém pensar e perceber os sinais, como a brutal vaia que o publico inglês deu à delegação alemã quando esta entrou no Estádio olímpico nas recentes olimpíadas em Londres.

Se acha que o que se passa na Europa não vai e está a condicionar a nossa vida, o nosso pais e a bossa cidade é não querer ver o problema em tidas as suas nuances. E o nosso caminho é estreito, muito estreito e passa, objetivamente, por conter e controlar a Alemanha, obrigando-a a comprar aos parceiros europeus, obrigando-a a sacrificar a sua política absurda de controlo da inflação e promover o desenvolvimento económico através de divida publica europeia. Ou fazêmos isso ou um dia detes sem nos apercebermos estamos a dormir com a águia alemã sobre a cabeça.