Depois da Grécia, vista pelo escritor de policiais Petros Markaris (cf. Grécia mafiosa, de ontem), o jornalista Yann Plougastel, do Le Monde, conversou com o escritor de policiais Francisco José Viegas, igualmente Secretário de Estado da Cultura, sobre a situação portuguesa. Seguem-se as principais passagens desse encontro.
Francisco José Viegas, visto por Giulia D'Anna Lupo, Le Monde
"Francisco José Viegas recebe no Palácio Nacional da Ajuda, um velho edifício um pouco decrépito, numa colina junto ao Tejo, onde existe igualmente um museu. Percorre-se um imenso corredor vazio, com portas misteriosas, numa atmosfera digna de um filme de Hitchcock. Por uma delas entra-se no seu gabinete. Tão grande como um campo de ténis e com um pé-direito vertiginoso, conta também com belas janelas em ogiva. Indica-nos um sofá de cabedal, acende uma cigarrilha e começa a rir-se: "Não vamos falar de política, pois não?", interroga com ar divertido, num francês melodioso. É claro que não. Ou antes: sim, mas de outra maneira...
Pela madrugada, quando a capital começa a pensar em ir para a cama, Francisco José Viegas escreve policiais. Um deles, Longe de Manaus, obteve recentemente um prémio literário português, equivalente do Goncourt francês. Durante o dia é, desde há um ano, Secretário de Estado da Cultura, na dependência directa do primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, chefe de um governo de centro-direita, que por meio de uma drástica cura de austeridade tenta recolocar a economia nos carris.
... Na sua juventude, logo após a revolução dos cravos de 25 de Abril de 1974, que acabou com a ditadura de Salazar, Viegas militou durante algum tempo na tendência trotskista do PS português."Falava-se sobretudo de sexo e de cannabis", diz-nos com um sorriso.
Mas depois não voltou a filiar-se. Era mesmo algo muito afastado das preocupações deste cinquentão bon vivant, cujos livros falam tanto do corpo das mulheres como da alegria de cozinhar, e que até viveu três anos no Brasil, só para tentar perceber a respectiva atmosfera. "Pertenço a uma geração que a dada altura tem de responder "Sim". E aceitar compromissos. Quando o país atravessa uma crise terrível, escrever nos jornais ou nos blogues o que deve ser a cultura ou a sociedade, como conseguir que o cinema saia do marasmo ou como salvar bibliotecas, já não basta. Por isso eu, editor feliz, escritor sem preocupações de maior, cometi o erro de aceitar esta ocupação política. Mas não vamos falar mais nisso, pois não?"... ... ...
... ... ...Fatalistas, as personagens dos livros de Viegas, diriam decerto, com a saudade em bandoleira, "Vivemos numa sociedade que perdeu os seus sonhos. Os portugueses têm medo do futuro, de falar. Após trezentos e cinquenta anos de Inquisição e cinquenta anos de salazarismo. Agora com a crise estamos na mesma. É terrível."
No seu livro "As duas águas do mar", o primeiro traduzido em francês, Viegas escreve: "Este mundo pertence aos vencedores, aos actores de cinema, aos accionistas de todas as empresas, aos manequins, aos ministros recém-nomeados, aos arquitectos que enriquecem, vendendo apartamentos ou vivendas ainda em projecto, nos quais ninguém se sente bem. Não gostaria de ser arquitecto. Nem actor de cinema."
No seu impressionante gabinete, o secretário de Estado da cultura Francisco José Viegas vai explicando que, na época do seu esplendor, Portugal ia procurar riquezas bem longe, em África e no Brasil, transportando-as para as capitais europeias. O dinheiro proveniente desse comércio serviu apenas para despesas de luxo e nunca alimentou o investimento nacional, o que teria permitido o verdadeiro desenvolvimento do país. Os portugueses instalaram-se no Brasil para procurar enriquecer e nunca para, como os franceses, estabelecer um regime, um sistema, um modelo de sociedade...
Posteriormente, durante muito tempo, foram os pobres da Europa. Os emigrantes de Paris, Genebra, Zurique. "Julgo que a nossa relação com a Europa não é feliz, porque uma parte das nossas raízes continua em África e no Brasil. Agora com a crise, muita gente emigra para lá. Em dez anos realizámos todas as reformas impostas pela Europa (interrupção voluntária da gravidez, casamentos homossexuais). Foi sem dúvida demasiado rápido porque, paralelamente, a nossa economia não beneficiou de bases sólidas. Dependemos bastante da conjuntura espanhola, irlandeza e grega. Perdemos a agricultura, enquanto a pesca e a indústria são praticamente insignificantes. Só nos restam a cultura e o mar, como oferta turística."...
Yann Plougastel, Le Monde, 17/08/2012, página 12
A selecção e o negrito são da responsabilidade de Tomar a dianteira.
Yann Plougastel, Le Monde, 17/08/2012, página 12
A selecção e o negrito são da responsabilidade de Tomar a dianteira.
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2 comentários:
DE: Cantoneiro da Borda da Estrada
"Não vamos falar de política, pois não?" Excelente mensagem que o nosso Ministro da Cultura, Pedro Passos Coelho, divulga, através do seu Secretário de Estado da mesma, para as elites internacionais que lêem o Le Monde. "Quando ouço falar de cultura, puxo logo do revólver", dizia um nazi; mas o Sr. Viegas é teso, desafiador, temerário: de política nada, só falo de cultura!
Onde revela perspicácia de investigação é quando conclui, e anuncia aos eleitores do Le Monde por todo o mundo, que os portugueses foram descobrir as áfricas e os brasis para enriquecerem, enquanto os franceses o fizeram para estabelecer novos regimes e sistemas políticos. Os franceses ligavam lá a richesses... E isto é lindo! Só lhe faltou dizer que "negreiros" foram só os portugueses... Até poderá ter dito, mas o entrevistador cortou...
A terminar o post do Dr. Rebelo, uma outra manifestação de coragem e patriotismo do nosso Clarimundo (da cultura, já se vê), poderosíssima mensagem para as elites internacionais que lêem o Le Monde:
"Só nos restam a cultura e o mar, como oferta turística." O Dr. Rebelo, conhecedor destas coisas de promoção turística, apesar da sua idade e experiência, deve ter pensado para si: "Estamos sempre a aprender... Este sacana está cheio de razão!". E tenho a certeza que ainda está a majicar numa certa desconformidade relativamente a Tomar: "E o mar?!". É para saber que tenho razão quando afirmo aqui, que Tomar se deve voltar para a nossa costa marítima, aí tão perto. Lembra-se daquele excerto que publiquei aqui de Vieira Guimarães, onde ele defendia um "hu-hu-pouca terra-pouca terra-hu-hu" a sair de Tomar em direção ao mar ali para as bandas da Batalha e Nazaré?
Este Ministro... (ministro não, o Ministro da cultura é o Passos Coelho), este Secretário de Estado, comprovadamente Mineiro da cultura portuguesa , desenterrou das profundezas da nossa história (sabe-se lá onde?) esta revelação histórica:
"Julgo que a nossa relação com a Europa não é feliz, porque uma parte das nossas raízes continua em África e no Brasil" Ai que saudade!!!
Ora aí está!..... Só raros homens conseguem pôr a descoberto respostas para as nossas mais intrincadas interrogações, nomeadamente existenciais: refiro-me às negociatas deste governo com o muito democrático poder político e económico angolano, cujo dinheiro é cristalino como os seus diamantes. Foi Relvas! Foi Relvas sim senhor, que ensinou isto ao corajoso Viegas, que faz questão de não falar de política: só cultura. Cultura sim!
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E que Cultura!!!!!!!!!!!
Este comentário merece terminar com nós todos a cantar com a banda Da Vinci:
Já fui ao Brasil
Praia e Bissau
Angola Moçambique
Goa e Macau
Ai, fui até Timor
Já fui um conquistador
Era todo um povo
Guiado pelos céus
Espalhou-se pelo mundo
Seguindo os seus heróis
E levaram a luz da cultura
Semearam laços de ternura
Foram mil epopeias
Vidas tão cheias
Foram oceanos de amor
(agora só música)
.........................
Outra vez....
"Já fui ao Brasil
Praia e Bissau
......................
......................
Caro amigo Templário:
Dado teres manifestado interesse nesta prestação de FJV, julgo que gostarás de saber que o texto era bastante mais longo. Ocupava quase toda uma página do LE MONDE, como sabes impresso em formato Berlim. Resolvi selecccionar só aquilo que me pareceu mais significativo do ponto de vista político. Agora porém, considero que vais apreciar esta tirada de uma das personagens, açoriana, dos livros de Viegas, citada pelo jornalista francês:
"Houve na minha vida mulheres loiras, loiras intimidadas e que me oprimiam, e ruivas, sobretudo ruivas, que fingiam orgasmos, e morenas que adormeciam lentamente, e em cada uma delas havia um segredo que nunca descobri, porque havia os sexos carnudos, húmidos, molhados, febris, feridos, tristes, eufóricos, mortificados, estudados, espontâneos, sem destino, com cheiro a perfume ou a sal, compactos, transparentes, e magníficos, suculentos como um fruto, livres, difíceis, intensos, atormentados, pobres, esquecidos, ignorados, famintos, acolhedores, macios, afáveis, doces, enraivecidos, lúbricos, ávidos, maculados, arrependidos, frescos, frios admiráveis, irritados, prodigiosos de calor e de coragem, tranquilos como baías abrigadas de uma ilha".
No livro, a personagem em questão é o polícia Filipe Castanheira, a residir em Ponta Delgada. Se calha a ser de ponta grossa, como gostava a poetisa-deputada Natália Correia, que nunca casou com o seu patrício Mota Amaral por, segundo ela, ser de ponta delgada, imagina o que teria sido...
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