A ESPERANÇA, OS MITOS E A REALIDADE

António Rebelo

Em relação às outras forças políticas locais, o PS tem uma vantagem evidente: dois dos seus dirigentes, Luis Ferreira e Hugo Crsitóvão, publicam regularmente na imprensa textos bem alinhavados, que denotam raciocínios coerentes, coisa rara aqui por estas bandas, a julgar pelo que se vai lendo. Ora sendo certo que a escrita e a palavra são montras do pensamento, diz-me como falas/escreves, dir-te-ei como pensas.
No "Cidade de Tomar" com data de amanhã, Cristóvão publica um texto bem urdido, com um título deliberadamente provocador: "Roubo mas faço". Por falar em roubo, não vou roubar a ninguém o prazer da sua leitura integral, que penso valer a pena. Uma vez concluída, confirmei a ideia segundo a qual o seu autor é um cidadão empenhado e sincero, inocente, ingénuo e puro. Infelizmente, para ele e para nós, o mundo actual é cada vez mais dos cínicos, dos precatados, dos vividos, dos que têm mundo. É pena, mas que havemos de fazer? Com os anos e as sucessivas e numerosas nódoas negras, resultantes de caneladas e outros trambolhões, Hugo Cristóvão acabará por ser um político prudente, complexo e previdente, tal como grande parte dos seus homólogos.
Há no texto de Cristóvão dois pontos que julgo dever questionar e esmiuçar, para que não haja futuras dúvidas perante resultados menos aguardados por alguns. Num deles, escreveu o citado dirigente socialista que "Já o vimos mas vê-lo-emos mais, comentaristas implicados a vaticinar os maiores disparates ao PS de Tomar, quando os que o fazem por norma desejavam sim estar no seu lugar (no lugar do seu cabeça de lista, no lugar do seu presidente, no lugar do seu vereador, dos seus dirigentes...). Na parte que explicitamente me diz respeito, devo esclarecer que tais afirmações são descabidas, por três razões: 1) - Como já afirmei anteriormente, apresentei-me como candidato a candidato, unicamente por dever de cidadania e para obviar a que alguém pudesse acusar-me de ser mero treinador de bancada; 2) - Cristóvão parece referir-se à inveja ou desejo mimético, realmente muito presente em Tomar, mas que a idade, a cultura e a experiência dissipam completamente. Digo-o visto que quando ele chegar a esta mesma conclusão, já cá não andarei há muitos anos, e estes textos destinam-se, sobretudo, à posteridade; 3) - Contrariamente ao que parece pensar Cristóvão, para quem seja minimamente competente em economia política, o próximo mandato como presidente da Câmara de Tomar não será nada apetitoso. Antes será um verdadeiro bico-de-obra, como a seu tempo infelizmente se constatará. Um verdadeiro petisco, em linguagem irónica.
No outro ponto, o referido articulista concede que "Talvez no PS, admito-o, estejamos enganados. Talvez afinal não seja necessária uma mudança, ou talvez os tomarenses a não desejem. Talvez esteja tudo bem em Tomar e sejamos nós os pessimistas, os derrotistas, os alheados da realidade ou os fabricantes de realidades virtuais." Fica-se assim a saber que no PS lêem os blogues e os jornais, embora continuem a não concordar com aquilo que por lá é dito, salvo pelos próprios, claro.
Quando os dirigentes socialistas locais tiverem tempo para compulsar resultados, olhar para o mapa e reler os books, concluirão de certeza várias coisas. Antes de mais que Tomar está na zona limite sul das autarquias PSD. Ou seja, daqui para cima é terra de PSD, daqui para baixo de outros partidos. Significa isto que o eleitorado tomarense, a julgar pelos resultados obtidos desde as primeiras eleições livres, é como aquele partido canadiano "progressista-conservador". Conservador, mas nem tanto; progressista mas não muito. Ou exactamente o inverso. Num tal quadro sociológico, o PSD só perde quando os seus autarcas cometem séries de erros de palmatória e a oposição apresenta uma alternativa credível. Foi o que aconteceu no final do mandato de Jerónimo Graça e do arquitecto Victorino, por exemplo.
Sucede que, neste final de mandato, sendo certo que os sociais-democratas estão muito mal cotados junto do eleitorado, em virtude dos erros crassos cometidos ao longo dos anos, mas cujos efeitos só agora se começam a fazer sentir de forma mais dolorosa, os cidadãos não vislumbram qualquer candidatura que para eles possa configurar uma alternativa credível. O que se ouve por aí é que se trata de três candidatos "farinha do mesmo saco", tudo "gente do serralho", cujas prestações anteriores estiveram longe de agradar. Nestas condições, conquanto muito debilitado, o PSD continua a ser a força com mais hipóteses de vitória, embora sem maioria absoluta.
Dada a situação de grave crise, pouco ou nada adiantará proclamar uma, dez, cem ou mil vezes que se tem um projecto e uma estratégia, pois uma mentira, mesmo repetida x vezes continuará a ser uma mentira. Conforme escreveu recentemente Rui Tavares, no Público, "Nestas alturas as pessoas querem compreender. Por isso os americanos votaram em alguém que foi professor e sabe "explicar". Transparência não lhes basta, é preciso simplicidade."
O candidato do PS sabe "explicar"? E tem um projecto coerente para explicar?