quarta-feira, 30 de setembro de 2009

HOLANDESES VÃO TER DE "APERTAR O CINTO"

Com as recentes e sucessivas notícias sobre os diversos sinais positivos de ultrapassagem da crise, os portugueses até têm, à primeira vista, razões para crer que o pior já lá vai. Daí a julgar que um dia destes, mais cedo ou mais tarde, tudo voltará a ser como antes, o caminho não é longo. Nada mais errado, todavia. Basta lembrar que a Comissão Europeia, só uma vez realizadas as legislativas, anunciou a abertura de um procedimento contra Portugal e 13 outros países da UE, por défice excessivo (5,9% segundo o governo português, 6,2% segundo a Comissão Europeia). Não por acaso, as medidas constrangentes e obrigatórias a indicar pela UE, com o fim de reduzir o défice até menos de 3%, só deverão ser conhecidas em Novembro. Já com as autárquicas resolvidas e o novo governo em funções. Ele há coisas!

Neste contexto, poderá ser proveitoso ler com atenção o texto seguinte, traduzido do LE MONDE de 23 do corrente, página 8. Quanto mais não seja porque, de acordo com a lógica popular, "Quando vires as barbas do vizinho a arder, trata de pôr as tuas de molho." Quem ainda tiver barba, naturalmente...



"GOVERNO HOLANDÊS TENCIONA REDUZIR AS DESPESAS PÚBLICAS EM 20 %


A queda das exportações deteriorou as finanças da Holanda, cuja dívida pública poderá ser da ordem dos 66% do PIB [Nota do tradutor:71 % em Portugal]

Vai haver forte tempestade nos polders. A frase é do próprio primeiro-ministro do país dos polders - a Holanda. Defendendo perante os deputados um vasto e duro plano de austeridade, Balkenende admitiu recentemente, que nunca desde o final da segunda guerra mundial a Holanda foi submetida a um esforço de contenção tão considerável.
Os três partidos que constituem o governo (cristãos-democratas, trabalhistas e protestantes conservadores) pretendem reduzir em pelo menos 20% o total das despesas públicas. Quarenta biliões de euros terão assim de ser poupados anualmente, designadamente nas áreas da segurança social, da habitação social e dos abonos de família e outras ajudas. Ainda de acordo com o citado plano governamental de austeridade, a idade legal de reforma passará para 67 anos, os impostos serão revistos em alta, os aumentos de salário limitados e o sector financeiro, no qual o governo investiu 50 biliões de euros, deverá ser reordenado.
O primeiro-ministro tenciona igualmente limitar a imigração, designadamente através do endurecimento das condições de obtenção do direito ao reagrupamento familiar. O deputado populista Geert Wilders ousou até propôr que fosse aplicada um coima de mil euros a cada mulher que ostentasse um lenço islâmico na via pública...
O referido projecto governamental é "uma missão excepcional", porém nada impossível, se o país conseguir demonstrar "convicção" e "abertura à mudança", afirmou a Raínha Beatriz no seu discurso do trono, no passado dia 15. O primeiro-ministro e o ministro das finanças defenderam, imediatamente a seguir, a ideia segundo a qual é absolutamente imperativo reagir com um vigor excepcional, para conseguir reduzir e eliminar os efeitos da crise económica.
A crise atingiu de forma brutal um país sobretudo exportador, que tinha conseguido atingir o equilíbrio orçamental e uma situação de quase pleno emprego, antes de 2008. Em contrapartida, a economia holandesa deverá recuar cerca de 5%, o desemprego chegará aos 8% e a dívida pública aos 66% do PIB (+ 50% num ano), no final de 2009.
Sem contestar o diagnóstico governamental, muitos holandeses interrogam-se no entanto sobre o método escolhido pelo primeiro-ministro Balkenende. Afirmando que "o país está agora exactamente a meio da crise" pelo que é impensável consentir no eventual agravamento da situação, a coligação governamental adiou de facto para a primavera de 2010 o início da prevista fase de austeridade. Exactamente um ano antes das próximas eleições legislativas. Até lá, uma vintena de grupos de trabalho deverão encontrar os meios concretos tendentes a reduzir as despesas públicas e a diminuir o peso do estado. Um modo de agir que deixa muitas dúvidas: "Vai criar muita incerteza e esta não é nada boa", sublinhou Elmert Sterken, professor de economia em Groningue, que acrescentou "Que um governo responsável pense resolver uma tal crise deste modo, é uma verdadeira enormidade..."
Por seu lado, a oposição sublinha as contradições de uma coligação que, ainda há poucos meses, decidiu desbloquear 6 biliões de euros para ajudar empresas, estimular o consumo e lançar grandes obras públicas.
"Começar já a apertar não seria razoável. Considerem-se muito felizes por nós termos a coragem de reflectir durante algum tempo", respondeu o ministro das finanças aos seus críticos. Enquanto isto, o chefe de governo Balkenende pareceu algo hesitante quando chegou a hora de responder às perguntas da oposição sobre os aspectos concretos do anunciado plano. "Não me correu nada bem", admitiu ele no dia seguinte.
Os líderes da oposição justificaram a vivacidade das suas críticas com a evidente "falta de visão" e de "liderança" do primeiro-ministro. O presidente do Partido Liberal, Mark Rutte foi particularmente duro. Lançou em pleno parlamento um verdadeiro ultimato ao primeiro-ministro -"Governe ou vá-se embora !"
Jean-Pierre Stroobants - Le Monde
Nota prévia, nota intercalar, tradução e adaptação de António Rebelo

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