sexta-feira, 18 de setembro de 2009

TURISMO E PATRIMÓNIO MUNDIAL EM FRANÇA

Ao fundo a Abadia do Monte S.Miguel, Património da Humanidade. No primeiro plano o dique/estrada mencionado na reportagem. À direita apercebem-se os automóveis estacionados num dos parques igualmente referidos na reportagem. A fotografia é de 1982.

Na parte de cima a Abadia antes referida (a mais de 2 quilómetros). No primeiro plano, uma das oito comportas em aço inoxidavel, geridas por um programa informático e encimadas por um passeio forrado a madeira (tipo deck paivino), para os turistas poderem admirar o panorama.

Nota prévia: A reportagem seguinte foi extraída do conceituado jornal LE MONDE, página 4 da edição datada de 17/09/09. É um texto bastante complexo, destinado sobretudo aos técnicos, aos eleitos e aos cidadãos em geral, habituados a reflectir e a planear em consequência, com gosto por essas actividades laboriosas. Os que não precisam de aprender, porque já sabem tudo desde há muito tempo, os que embirram com o LEMONDE e os que estão convencidos de que improvisando é muito mais fácil e vai praticamente dar ao mesmo, não devem perder tempo com a "minhoquice" que se segue.


O AÇUDE ELECTRÓNICO DO MONTE S. MIGUEL COMEÇA FINALMENTE A FUNCIONAR


"Reportagem -Monte S. Miguel - Província da Mancha - Costa norte da França - Maré baixa junto ao Monte S. Miguel. No longo areal, os visitantes fazem gincana entre as numerosas poças de água. Mas para quem o contempla a partir do fundo da baía, o célebre rochedo emerge acima de...um imenso tapete de vegetação rasteira. Por pouco tempo mais. "O restabelecimento do carácter marítimo do Monte S. Miguel já começou!", exclamou com alegria Laurent Beauvais, presidente (PS) da Região de Baixa Normandia et da Entidade Mista (Estado, Região, Província, autarquias, hoteleiros e similares, agentes de viagens, transportistas, guias,ambientalistas) Baía do Monte S. Miguel.
Esta entidade lidera uma operação fora do comum, que engloba a reconstituição de um ambiente natural que já existiu e a regulação turística de um local classificado Património Mundial da Humanidade. No Couesnon, o pachorrento rio que desagua na baía, o açude-ponte construído para dar força à corrente, de forma a arrastar para bem longe todos os sedimentos acumulados ao longo dos anos à volta do rochedo, termina a sua fase de ensaios. Primeira etapa da recolocação na água do célebre monumento, a entrada em serviço do açude está para breve. A cada nova maré enchente, os vários técnicos vão tentando aperfeiçoar o sistema de controle das oito comportas, cheias de sensores electrónicos.
Soou a hora! Sem qualquer ruído, uma espectacular maquinaria de varões e rodas dentadas começa a mover-se, para abrir as comportas em aço inoxidável. Perante o olhar intrigado de meia dúzia de mirones, a água retida no leito do Couesnon desde a maré alta corre a grande velocidade para a baía, leva os sedimentos, arrasta partes das margens cobertas de vegetação herbácea. E transporta para o largo os sucessivos aluviões que nem a maré vazante nem o calmo rio Couesnon tinham força para deslocar. Uma espécie de autoclismo, para usar linguagem simples..
Quinhentas vezes por ano, um milhão de metros cúbicos de água serão assim despejados na baía em poucas horas. Objectivo: provocar o desaparecimento de 4o hectares de vegetação rasteira, que transformaram ao longo dos anos este ecosistema originariamente marítimo, numa paisagem terrestre. E impedir a fixação de novos aluviões, pois 700.000 metros cúbicos de sedimentos entram na baía em cada ano que passa, ameaçando, se nada for feito entretanto, ligar definitivamente o Monte S. Miguel ao continente nos próximos 30 anos.
"Funciona que é uma verdadeira maravilha. Aquando das primeiras descargas viam-se os sedimentos a cair das margens em blocos consideráveis", sorri François-Xavier de Beaulaincourt, o director da Entidade Mista. O rio Couesnon serpenteia actualmente entre margens aluvionais de 4 metros de espessura. Se tudo acontecer como previsto, dentro de cinco anos teremos um horizonte de areia e de mar até ao afamado rochedo.
Essa é, aliás, a segunda função deste açude de linhas muito sóbrias, cujos pilares de betão, alinhados como uma sucessão de postes, são encimados por um largo passeio/varandim, naturalmente aberto ao público."Um dos grandes desafios era não reduzir a obra à sua função meramente técnica. Conseguimos. Temos um lugar de compreensão da paisagem; uma máquina para revelar o Monte", explicou-nos o arquitecto autor do projecto, Luc Weizmann.
Principal obra para restaurar o meio marítimo, o açude-ponte é, todavia, apenas o princípio do programa adoptado em 2006, após dez anos de concertação regional. O programa prevê 200 milhões de euros de investimentos até 2015, bem como a demolição da maior parte das construções existentes ao redor de um sítio que recebe três milhões de visitantes por ano, todos com visitas guiadas asseguradas.
"Todas as baías do mundo se enchem pouco a pouco de aluviões. Trata-se de um fenómeno natural. Não queremos ir contra a natureza, mas apenas desfazer as construções humanas que aceleraram o processo aluvionar", disse-nos o director da Entidade Mista.
Fora com o dique/estrada, feito no século XIX e que bloqueia as correntes e as marés. Adeus aos 15 hectares de parques de estacionamento pago, à volta das muralhas do rochedo. Será construído um passeio sobre pilares, só para peões, um vai-vem eléctrico e veículos de socorro urgente, o qual ligará o rochedo aos novos parques de estacionamento da zona de recepção aos visitantes, situada a 2,5 quilómetros do monumento.
Livre dos aluviões, o monumento estará inteiramente rodeado pelo mar cento e cinquenta dias por ano, em vez dos actuais cinquenta dias. Assim se poderá apreciar a magia insular, na maré alta, e a beleza do imenso areal, na maré baixa.
Este retorno ao mar, Audrey Hémon observa-o atentamente, na qualidade de responsável pelo ambiente na Entidade Mista da Baía. É a ela que compete certificar-se que a fauna marítima, terrestre ou anfíbia não virá a ser prejudicada, designadamente a passagem dos peixes através do açude-ponte. Ou que as focas e aves não decidiram migrar para paragens com menos mudanças bruscas.
"Efectuámos um levantamento exaustivo da fauna e da flora antes do iníco das obras", declarou-nos Audrey, que prosseguiu: "A deslocação dos limites entre a terra e o mar, água doce e água salgada, vai obrigar as espécies a adaptar-se às novas condições." Mas em caso algum se consentirá que as mudanças provocadas em nome do restabelecimento de paisagens naturais, possam vir a destruir os frágeis ecosistemas da baía."
Grégoire Allix - Le Monde


Nota final: Como se acabou de descrever, tudo muito simples, muito rápido e bastante barato. Assim às três pancadas, com muito improviso à mistura. Tal como em Portugal, em suma. Basta pensar que em Tomar, vão construir novos parques de estacionamento junto ao Convento e melhorar o existente, em vez de acabarem com a circulação automóvel na estrada de acesso, construída no século XIX. Feitios, diria o Solnado, que a sabia toda.

Foto a cores, nota prévia, tradução, adaptação e nota final de António Rebelo.

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