terça-feira, 22 de novembro de 2011

A crise vista do centro

Antes de mais, uma pergunta: Já votou, na consulta à opinião pública tomarense, aqui à direita do seu ecrã? Ainda não?! E está espera de quê? Olhe que o primeiro dever de qualquer cidadão responsável é participar activamente nos assuntos locais. Não me diga que não é um cidadão exemplar...

Agora que a crise que nunca mais acaba já começa a atingir os países do centro, do chamado "núcleo duro" da União Europeia (os 6 países do início: Alemanha, França, Itália, Bélgica Holanda e Luxemburgo), julgo ser oportuno dar a conhecer aos leitores os pontos de vista de comentadores de além-Pirinéus. Para evitar futuros mal entendidos...

"A fraca memória do Ocidente"

"A respeito da crise da Grécia, país agora unanimemente condenado em virtude da sua anterior política, considerado actualmente como um leproso e colocado sob tutela, tenho algumas recordações que talvez permitam corrigir um pouco a acusação. Por exemplo, todos dizem que  antes de aderir à União Europeia e mais precisamente à Zona Euro, os gregos aldrabaram as contas e dissimularam que não preenchiam as condições requeridas para a adesão. Acontece que, se a memória me não falha, ainda oiço François Mitterrand, Claude Cheysson, Jacques Delors, e mesmo Jean-Claude Trichet dizer que não se tratava naturalmente de acreditar nos gregos e nos dados fornecidos, mas de agir de maneira que acolhendo-os, pudéssemos ajudá-los a transformar em verdade as aproximações por eles fornecidas. Tratou-se em suma de um grande gesto de solidariedade. De um acto de fé, numa altura em que ainda não se duvidava da Europa nem havia interrogações sobre o euro.
E tinha-se feito a mesma coisa deixando aumentar os membros da União Europeia de nove para vinte sete, o que era naturalmente excessivo, mesmo podendo esperar, como sugeria Jacques Delors, que acabaria por se constituir um "núcleo duro", reunindo os países economicamente mais fortes.
Sendo assim, tenham dó, não se pretendam agora surpreendidos quando a Grécia -e se calhar Portugal, um dia destes- declarar bancarrota. Já se sabia, quando os aceitámos na Europa, que lhes estávamos a fazer um favor, como países irmãos em quem apostávamos."

Jean Daniel, Editorial, Nouvel Observateur, 16/11/2011, página 3

O mito da "governança"

"Numa perspectiva histórica, acabamos de viver algumas semanas assaz barrocas, para não dizer ridículas. Num dia o euro está salvo, no dia seguinte está no fundo do poço, no outro conclui-se um "acordo decisivo", mas na semana seguinte recomeça o pânico. A inteligência democrática acha-se assim indexada aos altos e baixos da Bolsa e à disposição execrável  dos mercados. E cada novo dia, um fluxo de textos sábios cai sobre os cidadãos. Regra geral "explicações" tão pouco duradoiras como uma salada fresca.
No meia desta confusão, no âmago do nevoeiro sem visibilidade (como se diz por aí), algumas ideias, verdadeiras ou falsas, lá vão ficando. A mais recente diz respeito à "governança da zona euro". De um certo ponto de vista, já não é sem tempo que se preocupam. Mais "federada", a Europa económica, segundo nos prometem, será capaz de vencer as próximas tempestades vindas da Itália, de Espanha ou de Portugal.
Naturalmente, esta questão da "governança" é tudo menos banal. Porque sempre é melhor ter um piloto no avião europeu. Mas têm a certeza que é suficiente? Tenho aqui um recorte muito interessante. Publicado no jornal "Parisien Liberé" de 3 de Novembro, dá a conhecer dados estatísticos oficiais, facultados pelo Eurostat. Visualiza com clareza a percentagem de endividamento dos vários países do Velho Continente. Surpresa: salvo algumas excepções (Inglaterra, Finlândia e Estónia), os da zona euro estão bastante mais endividados que os outros. A Polónia, a Bulgária e a República Checa, todos fora da zona euro, estão menos endividadas.
Há portanto um problema "global" ligado ao euro. A crise da dívida não é imputável unicamente à prodigalidade dos italianos ou às batotices dos gregos. Consultando outras fontes, depressa se conclui qual é o problema: o muito fraco crescimento económico da zona euro, que se vai prolongando. Esta "avaria" provoca o aumento mecânico da dívida, com ou sem "governança", com ou sem gestão rigorosa. Bem podemos impôr às populações todos os sacrifícios imagináveis; esse sofrimento (perigoso para a democracia e para a paz civil) não evitará o aumento da dívida. E a equação torna-se absurda: a austeridade é indispensável, mas não serve para nada!
Quanto aos resgates sucessivos da Grécia, da Itália ou de Portugal, não vão servir para grande coisa. No fim de contas a "governança" prometida, se chegar a ser efectiva, assemelhar-se-à à chegada tardia de um piloto para um avião sem combustível.
Ninguém gosta de falar de tudo isto. Nenhum governo vai ter coragem para reconhecer que está a findar uma sequência histórica. O crescimento robusto que lubrificava as nossas democracias, tornando geríveis as desigualdades, foi-se e não voltará. Tanto mais que deixámos desindustrializar parcialmente a Europa, abrindo-a às tempestades da competição planetária, ao mesmo tempo que a impedíamos de recorrer à inflação. A este respeito, ainda há quem se admire de ver popularizado o refrão apaziguador que serviu de alibi a tal imprevidência: Aos chineses a fabricação das meias, para nós europeus as tecnologias de ponta, a higth-tec ou a aeronáutica! Foi mais uma orgulhosa patetice "ocidental". Já não falta muito para os chineses fabricarem aviões, conceberem programas informáticos e mesmo alta costura.
O verdadeiro desafio é por isso o seguinte: De que modo reconfigurar as nossas democracias para as adaptar a esta perspectiva de crescimento fraco ou mesmo nulo? Já sabemos haver necessidade de mais ética, mais partilha, mais justiça, mais coesão social. Em suma, outro mundo. Os indignados e os ecologistas, tão incompreendidos, já há anos que perceberam. E os outros?"

Jean-Claude Guillebaud, Nouvel Observateur, 16/11/2011, página 5
O negrito e a cor são de TaD.

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