sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

DO "LE MONDE", SEM COMENTÁRIOS...


Christelle-Soraya, 36 anos, convertida ao islão, considera-se feliz sob o véu integral

O fundo do écran do computador mostra o esplendor da mesquita de Cristal, um edifíco monumental da Malásia. Com alguns "cliques", Christelle vai apresentando as fotografias das últimas férias no Dubai. Na piscina, com dois dos seus cinco filhos, posa para o retrato, com os cabelos sob um véu e envergado um vestido comprido, que esconde todo o corpo. "Não me impediu de descer pelo escorrega grande", afirma-nos a jovem francesa, que se converteu ao islão quando tinha 18 anos.
Na sala de jantar do apartamento de renda económica de Evry (Essonne), Christelle-Soraya, 36 anos, recebe os visitantes descalça, com uma saia preta até aos pés e uma T-shirt cinzento claro. Quando sai de casa, o que acontece raramente, veste um longo vestido amplo e preto, e cobre os cabelos e o rosto com um véu igualmente preto mas tansparente de dentro para fora. Por cima, até à altura do peito coloca outro véu preto e transparente. Adoptou o "niqab", ou véu integral, há 11 anos e pensa continuar a usá-lo ainda durante muito tempo.
"A minha mãe diz que já não pode ver assim vestida e aguarda com ansiedade a lei de proibição dio véu integral", diz-nos a jovem senhora, educada numa família sem religião dos arrabaldes de Paris. " O meu irmão recusa-se a acompanhar-me na rua enquanto eu usar o que chama o meu "disfarce de carnaval".
O marido de Christelle, um porteiro argelino que chegou a França pouco antes do casamento, ainda refilou ao princípio: "Estava ciente de que ia ser um bocado complicado". Agora, porém, está contente: "Lá na Argélia sempre vi a minha mãe vestida assim." O filho mais velho, que tem 12 anos, diz que a mãe "faz o que acha bem" e acrescenta que "já está habituado". É o que diz aos seus amigos intrigados.
Mística desde a infância, Christelle procurou respostas no catolicismo e no judaismo, antes de se voltar para o islão, que já conhecia um pouco, por intermédio da sua melhor amiga, de origem argelina. "Aos 15 anos cumpri o ramadão pela primeira vez e adorei: a fraqueza do corpo, a dedicação aos pobres, o jejum que facilita a meditação". Converteu-se aos 18 anos, rodeada pela família de adopção. Entretanto tornou-se cabeleireira, mas não adoptou logo o lenço islâmico (hijab).
Oscilando com dificuldade crescente entre duas culturas, pressentiu que casando com um "homem piedoso" se aproximaria mais do islão. Dois amigos, convertidos como ela, apresentaram-lhe o futuro marido: após uma entrevista e uma "oração de consulta" que se mostrou positiva -"Sonhei e vi-me vestida de noiva e ele viu a tia que pedia a minha mão"- os dois pombinhos casaram, unidos pela mesma prática rigorosa da religião. Christelle deixou de trabalhar, começou a usar o "hijab" e a "aprofundar a sua fé".
Segundo nos disse, foi a leitura do Alcorão que a convenceu a usar o "niqab". "Na minha opinião, as esposas do profeta continuam a ser um modelo a seguir." No entanto, considera-se "muçulmana mas não salafista", designação dos crentes que defendem um retorno às origens do islão.
Usa o véu integral há 11 anos e nunca se sentiu incomodada. Cabeleireira em casa, sai pouco; é o marido que faz as compras. Quando é preciso (no aeroporto, na câmara, no hospital...), destapa o rosto. Em 2008, quando um professor se recusou a recebê-la, "em nome da escola republicana e laica", respondeu-lhe que não via qualquer inconveniente em levantar o véu, para ser identificada.
Assegura que o "niqab" não é modo algum "um acto político ou vontade de provocar a sociedade. Por baixo estou vestida à europeia, portanto não me sinto diferente. E com esta vestimenta sinto-me realizada". Sente-se protegida contra os olhares masculinos "que já não conseguia suportar". "Não quero que saibam se sou jovem ou idosa, bonita ou um camafeu", diz-nos um pouco exaltada a cabeleireira, com um penteado em "dégradé" e um diamante discreto espetado na narina. "Todas as vítimas de agressões sexuais são mulheres. E não me venham com a cantilena da igualdade dos sexos. Não há igualdade nenhuma !"
Com dúvidas em relação a uma eventual lei proibindo o véu integral, continua a pensar no assunto e nas suas consequências, enquanto se vai treinando a esconder o olhar com um véu "normal". "Os olhos são um dos primeiros elementos para o engate", diz-nos ela. "Mas francamente, havendo proibição, prender-me-iam ou multar-me-iam, se eu continuasse a usar véu integral ?"
Os deputados franceses vão dar-lhe uma resposta dentro de algumas semanas.

Stéphanie Le Bars, Le Monde
Tradução e adaptação de António Rebelo

Sem comentários: