sábado, 12 de dezembro de 2009

ONTEM COMO HOJE...

A Corredoura na segunda metade do século XIX, numa foto de Silva Magalhães

Numa altura em que muita gente cuida erradamente que a crise, se ainda não acabou, está quase a acabar, outros tendem a exagerar os visíveis sintomas do marasmo local. Nestas condições talvez seja útil chamar tanto uns como outros à realidade.
Antes de mais, convém repetir que o passado nunca mais volta, embora o presente e o futuro tenham aspectos comuns com o que já foi. Daí a utilidade deste curto texto que decidi transcrever-vos, sobretudo (mas não só) para meditação de fim de semana:
"Estávamos em Tomar.
A primeira impressão foi muito desagradável, a impressão de ter chegado a uma cidade morta. Ninguém pelas ruas, ninguém pelas janelas, ninguém pelas lojas -a solidão enorme, o silêncio sinistro ue deve pairar sobre as velhas cidades abandonadas e desertas.
De vez em quando, muito de longe em longe, um vulto atravessava a rua, e a suas passadas faziam um eco triste naquele oceano de silêncio.
Nós chegámos a Tomar num dia santo. Imaginámos que exactamente por ser dia santificado é que estava assim deserta e calma a cidade. Naturalmente a maior parte da gente tinha ido para os arrabaldes, para alguma festa, e por isso a cidade de Tomar, a bela Tomar, não tinha ninguém nas ruas principais, por onde passava a nossa carruagem, com grande ruído de guizos, ruído que não tinha a habilidade de fazer assomar um rosto curioso a uma janela, uma cara bisbilhoteira a uma porta de rua.
Nos dias imediatos, dias de trabalho, dias de semana, vimos que esse silêncio triste, que essa ausência de vida, de animação, não era do dia santo, era da própria terra."

Gervásio Lobato, O Ocidente, 1885, citado por José-Augusto França, Tomar, 1994

Sem comentários: