domingo, 27 de dezembro de 2009

TRUISMOS, TAUTOLOGIAS E LAPALISSADAS

Antes de mais, visto que o saber não ocupa lugar, aqui têm uma fotografia aérea do castelo do dito. Exactamente ! A residência de Jacques de Chabannes de La Palice ou La Palisse, marechal de França, morto em combate na batalha de Pavia, em 1525. No regresso os soldados cantavam "Hélas, La Palice est mort/Il est mort devant Pavie/ Hélas s'il n'était pas mort/Il ferait encore envie." Com o tempo este último verso transformou-se em "Il serait encore en vie." Temos portanto à partida algo como "Provocaria ainda inveja", que se transformou em "Ainda estaria vivo". Daqui resultou a conhecida verdade de La Palisse, que "antes de morrer ainda estava vivo", uma evidência ou truismo, que pode facilmente transformar-se em tautologia: Porque é que ele morreu ? Porque ainda estava vivo. E porque é que ele ainda estava vivo ? Porque ainda não tinha morrido.
Este preâmbulo todo, tendo em vista preparar os leitores para o texto de amanhã de manhã. Que isto de escrever em Portugal, quando se foi formado noutro lado e noutra língua, não é por vezes nada fácil. Em termos de informação e opinião é mesmo assaz complexo, como a seguir passo a tentar demonstrar.
Os leitores já ouviram decerto, nos vários canais televisivos, respeitáveis directores clínicos, com anos e anos de formação universitária, mais outros tantos de profícua actividade profissional, responderem às perguntas dos jornalistas, quando há doenças, epidemias ou acidentes graves. A dada altura, os profissionais da informação avançam com a pergunta sacrossanta -E qual foi a causa da morte ? Surge então a resposta, praticamente sempre a mesma, com ar solene de sentença final: "Paragem cárdio-respiratória." O jornalista agradece e vai à sua vida.
Felizmente para todos nós, nenhum outro povo europeu usa o português como língua normal de comunicação. Caso contrário seríamos gozados e bem gozados, com toda a razão, de resto. Então não é que andamos há anos a ouvir semelhante truismo ou lapalissada, e não reagimos !? Porque na verdade, indicar como causa do óbito "paragem cárdio-respiratória", sendo verdade, não adianta nem atrasa, uma vez que até hoje toda a gente morreu assim. Por paragem do coração e da respiração. Que respeitáveis e experientes clínicos se fiquem por aí, revela uma quantidade de coisas que nos abstemos de escrever aqui, mostrando igualmente que os jornalistas também se estão nas tintas para a informação do seu público. Caso assim não fosse, perguntariam imediatamente -De acordo, mas qual ou quais as causas que provocaram a paragem do coração e a paragem da respiração ? Porque aí é que está o busilis, a verdadeira causa do falecimento. E não numa fórmula técnica que nos conduz directamente à lapalissada seguinte: Qual a causa dessa paragem ? O falecimento do paciente. E qual a causa do falecimento ? A paragem cárdio-respiratória. Esclarecedor, não é ?
(A partir daqui, os puritanos, os ortodoxos e outros feitios monacais, ou fiscais da moral, devem abster-se de ler e irem à sua vida. O aviso aqui fica. Depois não venham protestar !)
As crianças, ainda não condicionadas pelos implícitos sociais do tipo hipocrisia, subserviência, inveja, etiqueta, frases feitas, lugares comuns etc., detêm geralmente uma grande capacidade de raciocínio, de longe superior à de muitos adultos. Um dia destes, uma dessas crianças vivaças, o Rodrigo, perguntou ao pai, quando iam a caminho do jardim escola, se ele andava de diarreia. -Claro que não ! Olha que raio de pergunta !
Porque é que queres saber ? -Porque está noite ouvi a mamã a dizer-te -Esta merda está muito mole !
O pai, com a coluna muito maleável e um excepcional jogo de cintura, como alguns políticos tomarenses; dotado de grande capacidade de raciocínio, ao contrário desses mesmos políticos, foi rápido na resposta: Ah, estou a ver ! Sabes, não te queria preocupar e por isso não te disse. Mas é realmente verdade e acontece a todos os homens, mais tarde ou mais cedo. Já ficas a saber e um dia logo compreenderás. E seguiram o seu caminho...

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