Noticia a Rádio Hertz que Corvêlo de Sousa respondeu às críticas de Luís Ferreira e Graça Costa referentes à precipitada e inútil retirada da carrinha-quiosque, há mais de 30 anos estacionada na Cerrada dos Cães. Além de alardear neste caso um evidente espírito de casta, ao responder unicamente aos seus pares, lastimavelmente Corvêlo de Sousa parece ter perdido qualidades. Tinha-o até agora por um cidadão impoluto, por vezes com posições políticas das quais discordo, mas sempre respeitador da verdade. Pelo que agora constato, estava equivocado.
Procurando justificar uma injustificável e reles acção retaliatória, exigida por alguém ligado às obras mas pago pela autarquia, o presidente da edilidade nabantina alinha uma série de deliberadas mentiras, que vão da segurança das pessoas até às peças de mais de uma tonelada. Trata-se de um discurso de tal forma "enorme" que nem merece uma crítica detalhada. Bastará avançar três argumentos incontroversos: 1 - Nunca houve nas obras em questão qualquer movimentação de vigas ou outras peças, em betão armado ou de qualquer outra natureza, que tenham posto em perigo a segurança dos visitantes ou da senhora da carrinha; 2 - Conforme mostra a fotografia, a carrinha já estava fora da zona das obras, do lado esquerdo do acesso ao Castelo/Convento pela Porta de S. Tiago, insusceptível de ser vedada; 3 - Se o empreiteiro alguma vez ameaçou parar a obra, caso a carrinha não fosse retirada -o que é muito duvidoso, pois tinha e tem problemas bem mais graves com que se preocupar- estava apenas a tentar arranjar um pretexto para justificar aquilo que acabou mesmo por acontecer. Embora já sem a carrinha no local, as obras estão paradas, porque o empreiteiro apresentou um pedido de insolvência, havendo uma assembleia de credores marcada para 9 de Janeiro.
O que este inesperado comportamento de Corvêlo de Sousa revela é uma aflitiva insegurança, que o levou a recorrer à mentira para agasalhar uma decisão destrambelhada e gravosa sob o ponto de vista social. Exactamente o mesmo comportamento revelado aquando da remoção do veículo em causa, ao convocar a PSP para o local, não fosse dar-se o caso de haver violência...
Como a política transforma as pessoas. Mais uma vez, "Quando o mar bate na rocha..."
2 comentários:
Desculpe Dr. Rebelo transcrever aqui um artigo de Batista-Bastos, hoje no "DN", que desmonta, também,os argumentos do Dr. Corvelo:
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"O DISCURSO DA IMPOSTURA
No discurso do poder há uma expressão quase insistente que pretende amparar, como bondosas e altamente patrióticas, as decisões tomadas. "Tomámos em conta os superiores interesses do País." Esta impositiva forma de inevitabilidade política inculca-nos a ideia de que não há nada a fazer senão admitir com consideração e aceitar com respeito as determinações governamentais, quaisquer que elas sejam. Faz lembrar a famosa locução do salazarismo: "Tudo pela nação. Nada contra a nação."
Uma espécie de controlo impeditivo de um pensamento contrário. E, afinal, quais são "os superiores interesses do País"? A experiência no-lo tem revelado que a unilateralidade dos resultados desses "interesses" apenas se destina a favorecer uma minoria, e a abrir-lhe os caminhos de acesso ao poder. Esta impostura, por insistente (tanto Guterres, quanto Durão, Sócrates, Passos Coelho ou Seguro serviram-se da expressão), distingue-se por criar uma espécie de absurda legitimidade. Os tais "interesses" não são os da esmagadora maioria dos portugueses, e a perseverança com que os dirigentes políticos os nomeiam constituem o abastardamento da lógica interna da frase e da pressuposta grandeza do seu significado.
A base constitutiva da nação é a maioria dos portugueses, exactamente aqueles que são mais atingidos pelo infortúnio, e que não estão representados nos "interesses" defendidos pela classe dominante. A expressão, no seu formalismo hiperbólico, é o dispositivo gramatical de um sistema que não deseja ser questionado, por estar ausente de qualquer requisito moral.
No entretanto, Pedro Passos Coelho, grave e denso, avisa-nos de que, para sair da crise, "temos" de empobrecer. Temos, quem? Os mais de nós, atingidos pelas políticas cuja natureza dissimula uma devassidão ética e uma triste barragem ideológica. A vida, para os portugueses, vai ser muito difícil, avisa. Logo, porém, sorridente e feliz, o ministro Álvaro Santos Pereira, sossega a inquietação da pátria: "Certamente, a crise vai deixar de o ser em 2012." Erro grosseiro. Disparate político. Comentaram as boas almas. Menos de quatro horas depois, o ministro desmentiu-se a si próprio, mesmo quando as televisões reproduziram o paradoxo.
Talvez seja um episódio pitoresco. Porém, membros do Executivo, inclusive o primeiro-ministro, são useiros e vezeiros em tornar verdades num funesto derivado. A religião da mentira faz o seu caminho, quase sem contrariedade. E o País, quero dizer: a arraia-meúda do Fernão Lopes, continua a ser um elemento de espoliação, que não tem nada a ver com os apregoados "interesses." Aliás, eles nem ambicionam conhecer a exacta propriedade da frase. Têm sede de justiça e apenas exigem, a quem manda, decência, honra e um pouco de humanidade."
Desculpar o quê? A boa prosa é sempre de agradecer. Mormente quando até se concorda com o conteúdo, como é o caso.
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