Correio da manhã, 08/11/2011, página 11
Já Eça de Queirós referia, no último quartel do século XIX, que, em termos noticiosos, um vizinho ferido ao fundo da rua, equivale a um morto na capital, 10 em Paris e 100 na China. Tal como um soldado português ferido no Afeganistão ou um GNR agredido em Timor representam pelo menos alguns mortos estrangeiros nas mesmas paragens. Decorridos mais de cem anos e apesar do advento da informação electrónica, tudo continua por assim dizer na mesma.
Naquele que terá sido o seu mais importante discurso dos últimos anos, o primeiro-ministro francês François Fillon anunciou aos gauleses severas medidas de austeridade para os próximos cinco anos, de forma a que a França alcance o défice zero em 2016. Fê-lo apesar de haver uma eleição presidencial no próximo ano e de neste momento, de acordo com todas as sondagens, o presidente Sarkozy estar 15 pontos abaixo de François Hollande, o candidato escolhido pela esquerda nas recentes primárias abertas, organizadas pelo PS francês.
Em Portugal, a intervenção televisiva de Fillon passou praticamente despercebida. Teve pouco mais de um minuto no primeiro canal e uma pequena notícia na página 11 do Correio da Manhã, o diário de maior difusão, na qual nem sequer é focado o principal ponto do discurso. Disse o chefe do governo francês que "A economia francesa está a funcionar alavancada sobretudo pelas transferências sociais e terá de passar a contar mais com a produção de bens e serviços negociáveis". Que quer isto dizer? Qual a importância para Portugal?
Embora a generalidade da população o não saiba, o agora designado "Estado social" ou "modelo social europeu" nasceu em França, com o governo da Frente Popular, nos anos 30 do século XX. Até aí, havia apenas o legado da Revolução Francesa (Liberdade, Igualdade, Fraternidade), mas só posteriormente apareceu a Declaração Universal dos Direitos do Homem (Todos os homens nascem livres e iguais em direitos e em deveres...). Foi o "Front populaire" que instituiu nomeadamente as férias pagas, a segurança social, o abono de família, o subsídio de transporte, o salário mínimo e o subsídio de desemprego. O que o governo francês vem agora dizer é que todas estas conquistas sociais podem vir a estar em causa, caso não se consiga incrementar de forma significativa a produção de bens e serviços transaccionáveis, excluindo portanto o universo "distribuicionista" mas improdutivo do Estado. O que implica poupar 100 mil milhões de euros até finais de 2015 (auxílio da troika a Portugal até 2013 = 78 mil milhões de euros)
É neste preciso ponto que a nova orientação do governo de Paris pode vir a revelar-se particularmente importante para Portugal e para Tomar. Indo por partes. PP Coelho viu bem, ou foi bem aconselhado, ao decidir cortar o 13º e o 14º mês apenas aos funcionários públicos e aos pensionistas do Estado. Na verdade, tal como está consignado, o dito corte representará não só uma redução da despesa pública, mas igualmente um menor esforço do sector improdutivo do Estado, o tal das transferências sociais, que apenas proporcionam rendimentos disponíveis sem contrapartida na produção directa de riqueza.
Pelo contrário, se alargado ao sector privado, passará a incluir a colecta de rendimentos obtidos como contrapartida de actividades produtivas, geradoras de riqueza. Poderá ser muito agradável para os patrões e para os partidários da soi-disant equidade fiscal, entre os quais o senhor Presidente da República. Poderá até vir a permitir a redução do sacrifício a um só subsídio, exactamente o que visa o PS; mas será um erro monumental. Por um lado, a troika dirá que o governo em vez de procurar reduzir a despesa pública continua a procurar aumentar as receitas fiscais. Por outro lado, patrões nacionais e mercados internacionais reagirão negativamente por constatarem que uma vez mais o governo andou a meter a colher onde não era chamado.
Apenas os socialistas e a esquerda ficarão satisfeitos, por terem obtido uma grande vitória graças à luta do povo e dos trabalhadores. Fingirão uns e outros não se dar conta de estarem perante uma vitória pírrica, que irá custar bem caro a todos num futuro próximo. Tudo porque, habituada a distribuir benesses e agora confrontada com uma situação em que apenas há austeridade para partilhar, a esquerda resolveu pôr alguma água no seu vinho: Já que não se pode acabar com os sacrifícios, pelo menos vamos procurar reduzi-los. Triste mentalidade.
Enquanto isto, em Tomar, os sete membros daquilo que devia ser um executivo, apenas vão lutando denodadamente para se manterem à superfície, em águas cada vez mais agitadas. Para além dos vencimentos e mordomias, inalcançáveis fora da política manhosa, ignora-se o que os mantém agarrados ao poder, praticamente contra a lógica e contra a maioria da população, tal com antes aconteceu com Sócrates e ocorre agora com Berlusconi. Estarão talvez à espera que a situação melhore, para então tomarem medidas substantivas e aprovarem o orçamento (criativo como é habitual) para 2012. O que lhes vale é que o povo é sereno e as cadeiras do poder são confortáveis, pois vão ter de esperar até ao final do mandato, ou até arranjarem coragem para calçarem os patins...
1 comentário:
ECONÓMICA E FINACEIRAMENTE, em termos de balanço final do impacto nas contas do Estado :
NÃO PAGAMENTO DE UMA DESPESA = IMPOSTO SOBRE IRS equivalente à despesa não paga.
Sabe-o
o Sr. Rebelo
a troika
os troikanos
o nosso 1º
o nosso PR
o nosso MF
"moi-même"
e milhares de cidadãos que não se deixam enganar e embarretar...
O resto são cantigas, cosmética contabilística que apenas visa impôr uma solução muito mais ideológica/doutrinária do que económica ou de gestão das finanças públicas.
E sobre o sector privado, o que está em causa não é a sua importância e o seu contributo para a economia.
O que está em causa é se é equidade fiscal um pensionista do sector privado, com uma pensão a partir de 485 euros e até 1.000 euros ser tendenciamente cortado nos subsídios, entre 0 e 100%, ter participado activamente nessa economia, ter descontado durante dezenas de anos...e os activos do sector privado com vencimentos entre os 1.000 e os 200.000 euros/mês(Mexias,Bavas e outros) não pagarem um cêntimo.
Ó Sr. Rebelo,
Nem "abrindo-me a cabeça"
conseguirão vender-me tal PATRANHA...
A cabeça não deve servir só para por o chapéu ou para fazer caracóis...
Com todo o respeito,
Virgílio Lopes
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