quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Tempos exaltantes, na verdade, mas...

Ora até que enfim! É uso dizer-se que as grandes "cabeças" se revelam sobretudo nas ocasiões dramáticas. Como aquela que estamos a atravessar, que ainda não tem  fim à vista, nem se sabe se virá a ter. A surpreendente fuga para a frente do primeiro-ministro grego Papandreou, pressionado pelas altas patentes militares e tendo em vista o abandono da zona euro, desencadeou  outra fase da hecatombe económica que assola parte do mundo ocidental desde 2008 e o Japão desde há mais de 20 anos. Com a derrocada bolsista estaremos a assistir ao fim do sistema capitalista, tal como o conhecemos até aqui? Tenho as minhas dúvidas.
Mas outra é a visão de alguns conterrâneos.
Em dois excelentes textos, cuja leitura atenta recomendo vivamente, Luis Ferreira em "A Europa à beira do fim. O que fazer?" e Virgílio Lopes no seu comentário ao nosso post "Monetaristas, liberais e gente K.O.", estão já mentalmente a acompanhar o funeral da Europa e do capitalismo, respectivamente, quando os ditos continuam a estrebuchar, como bem sabemos, visto que somos europeus e vivemos na Europa. Embora nem sempre pareça. Entendo a reacção destes dois estimados conterrâneos, sem contudo a partilhar inteiramente, dado me parecer, salvo prova em contrário, que ambos são vítimas da chamada ilusão de óptica ou efeito paralaxe.
 Passo a explicar. Devido a constrangimentos contextuais que seria despropositado elencar aqui, a comunicação social portuguesa não prima pela qualidade nem se distingue pela cobertura daquilo que realmente se passa no Mundo. Só para dar um exemplo, está em curso neste momento em França um inquérito judicial a um escândalo de proxenetismo, envolvendo altas patentes policiais, advogados, hoteleiros e eleitos, centrado em Lille, uma das grandes metrópoles do norte daquele país. Já há um hotel de quatro estrelas -o Carlton, imagine-se!- encerrado compulsivamente e algumas detenções. O lado picante da questão tem duas vertentes: A - A presidente da câmara de Lille é Martine Aubry, filha de Jacques Delors e secretária-geral do PS francês; B - Dois dos detidos -um director-geral da polícia e um hoteleiro- são acusados de lenocínio, por terem acompanhado várias vezes prostitutas até Washington, onde os aguardava...Dominique Strauss-Kahn!
Serve esta lateralização para ilustrar o singular posição dos leitores portugueses que não têm acesso à comunicação social europeia e mundial. Uma parte da realidade passa-lhes a milhas, como acontece com o citado escândalo. O leitor já tinha sequer ouvido falar sobre o assunto?
No que toca à vertiginosa e cada vez mais perigosa evolução da crise, creio não ser por mero acaso que tanto Luís Ferreira como Virgílio Lopes abordam a questão ao nível internacional e nacional, mas nem ao de leve mencionam o desastre local. É mais um exemplo da nossa tradicional e bem conhecida mania das grandezas. Temos temperamento de heróis.  Somos capazes das maiores proezas e adoramos dar nas vistas. Mas fazer o comezinho, o tradicional mas bem feitinho, isso não, porque não tem qualquer interesse. Noutros termos e em linguagem popular, ajudamos a varrer o lixo à porta dos outros, sem contudo cuidarmos daquele que se acumula à frente da nossa.
Para além do citado alheamento em relação à realidade local, os referidos dois escritos não parecem ter em conta alguns outros aspectos, que me parecem fundamentais e susceptíveis de alterar as conclusões. Assim, ao contrário do que escrevem ambos os autores referidos -de forma excelente, repito- não é a Europa que está em crise ou, se preferirem, não estamos perante uma crise europeia. Apenas de uma crise circunscrita aos países da Europa do Sul (França, Itália, Grécia, Espanha, Portugal e a excepção da Inglaterra e da Irlanda). Por acaso todos sobretudo católicos, ortodoxos ou anglicanos. Os outros, os do norte calvinista ou luterano, não estão em crise, vão bem e recomendam-se. Digo eu, que sou católico e não tenciono vir a deixar de o ser.
Na mesma linha linha, a inesperada decisão do primeiro-ministro grego terá apanhado de surpresa apenas ou sobretudo os que esqueceram ou ignoravam a sua formação. Ele não é 100% grego, mas norte-americano, país onde cresceu, foi educado e cuja nacionalidade partilha com a grega. Assim uma espécie de homólogo do nosso "canadiano" Álvaro dos Santos Pereira, alvo preferido da artilharia de esquerda, apesar de ter feito uma parte da sua formação superior na Universidade de Coimbra...
Chegados aqui, que tal debater, analisar e escrever, sempre partindo do local para o resto, em vez do contrário? Olhem que só os transportes locais, que sem dúvida prestam um serviço útil a meia dúzia de cidadãos, custam aos contribuintes, que somos todos nós (mesmo os que nunca lá andaram), a bagatela de mil euros = 200 contos diários de prejuízo. Acham que podemos continuar muito mais tempo por este caminho? E quem paga?

3 comentários:

Anónimo disse...

DE: Cantoneiro da Borda da Estrada

Quando o pessimismo assalta certos Grupos e Agrupamentos de Status do nosso país, costumo desconfiar logo destes lamechas, das suas prognoses catastrofistas e pôr-me em guarda, quando não colocar-me logo frontalmente contra eles. Foi uma lição que a vida política portuguesa me ensinou ao longo da vida.

Aconteceu com a malvada coligação dos partidos da oposição ao ex-P.Ministro José Sócrates... Orgulho-me de me ter posicionado no lado certo.

Reconhece o Dr. Rebelo, que vivemos

"...outra fase da hecatombe económica que assola parte do mundo ocidental desde 2008".

Não me surpreende a cambalhota de grupos conservados no bem-bom do maná da Tesouraria Nacional Lusa (Vous êtes conservés!- costumavam gritar os operários grevistas em Paris para as filles e madames que assumavam às janelas das repartições públicas, levantando as sais e mostrando-lhes o pername... Lembra-se Dr. Rebelo?). Quando é preciso enfrentar a realidade numa visão de interesse coletivo e patriótico, semear o futuro, buscar o consensualismo objetivo, barricam-se à volta dessa manjedoira

Quando lhes foi exigido que apoiassem o PEC IV (só faltou pedir de joelhos), chegaram a dizer que o problema era o "Zézito", o enviado do diabo, o indesejado Heterodoxo da política portuguesa, hoje completamente enermado da análise política e do golpe de Estado em marcha galopante, que os seus olhos não querem ver.

Enquanto Sócrates berrava por todos os lados que a crise era internacional, etc., e se preocupava em soluções nacionais para enfrentar essa crise para proteger o mais possível os interesses das massas populares, esses mesmos Grupos e Agrupamentos gritavam para todo o MUNDO ouvir, que o problema era o "Zézito", o enviado do diabo que nos levava ao inferno.

Agora dedicam-se a emitir bitaites sobre a política complexa internacional. Até se refere Marx, que citei neste blogue por três vezes para ajudar a explicar o que se estava a passar e até aconselhei a lerem "A Ideologia Alemã", tão, tão actual! Os supostos marxistas J.Sousa e Louça diziam que era o Sócrates! Estes e os que deitaram abaixo o Governo anterior, que apresentava uma solução que a Itália, Espanha, etc., estão agora a agarrar com unhas e dentes. Nem já precisam de citar economistas nobilados como Paul Krugman, já não vão ao seu blogue onde tem vindo a escrever coisinhas que os retrata como estúpidos.

Ainda se vão masturbando com o Luís Duque, o Avô Cantigas, e um ou outro catedrático reacionário da nossa praça.

Esturraram um dos nossos melhores e agora parecem baratas tontas. Já estamos habituados.

Para piorar, o PS prepara-se para apoiar esta cambada do Governo que nos humilha a cada dia que passa.

É de humilhação que se trata. Nem na ditadura salazarista.

Luis Ferreira disse...

Ha quem saiba tirar as conclusões necessarias, mesmo que por vezes incompreendido.

Lembro que o PS propôs, para evitar o acumular do déficit de 400.000€/ano dos Transportes Urbanos de Tomar, uma actualização da tarifa base de 0,70€ para 1,00€, reduzindo assim o déficit em 100.000€.

Fomos muito criticados por esse acto de responsabilidade. Para nota final lembro que a mesma tarifa em Torres Novas é actualmnete de 1,35€ (+35% do que ela ficará com o aumento proposto em Tomar.

Lembro ainda que quem propôs as tarifas mais adequadas para a sustentabilidade do Parque de Campismo, foi a vereação socialista, reduzindo o défit em mais de 25.000€/ano nesse sector, ou a criação de preços para todos os serviços de protecção civil, quando apenas eram cobrados os serviços de ambulância...

Cada um, no seu sector tem uma obrigação de , com profissionalismo, ver onde pode poupar e onde pode, com equilibrio social, aumentar as receitas.

O PS, genericamente, têm.no feito na autarquia de Tomar.

Saudações

Virgílio Lopes disse...

Ó Sr. Cantoneiro,


Liberte-se da obsessão maniqueísta!...

O País e o Mundo não se dividem entre entre apoiantes e críticos do seu Zézito, até porque nem todos,uns e outros, são fanáticos FUNDAMENTALISTAS.

É, felizmente, muito, mesmo tudo, mais do que essa visão doentia, míope e terrívelmente redutora.

Apesar dos engulhos que provoco ao Sr. ex-MRPP, ex e talvez futuro PS (não se sabendo bem qualPS), atrevo-me a voltar a citar o nobilitado Saramago:

"O MAL E O BEM,O BOM E O MAU,ANDAM SEMPRE MISTURADOS. NUNCA SE É COMPLETAMENTE BOM OU COMPLETAMENTE MAU"
(in Claraboia)

Ser marxista, não envolve, nem nunca envolveu, qualquer fidelidade, dependência ou subserviência partidária.

Nem tão pouco repetir mecânicamente as suas afirmações, as suas análises sobre uma realidade de há 150/160 anos.

Ser marxista hoje, é saber usar a sua metodologia na análise do que aconteceu, do que está a acontecer e do que é previsível vir a suceder.

O grande, e para mim inestimável legado de Marx, assenta fundamentalmente no método de análise da evolução social e histórica - o materialismo dialético e as suas 3 leis.

E, como cantava o Adriano, "não há machado que corte... a raíz ao pensamento".

Felizmente!


Com todo o respeito,


Virgílio Lopes