domingo, 29 de agosto de 2010

GRÉCIA: MORTOS CONTINUAM A RECEBER REFORMAS

"Tal como no Japão, onde os serviços de pensões procuram debalde reformados centenários já falecidos, mas que continuam "a receber" as suas pensões, também a terceira idade grega goza se calhar de menos longevidade do que se julgava. O ministério dos assuntos sociais acaba assim de revelar que, dos mil centenários ainda a receber pensões de reforma, trezentos já faleceram há bastante tempo.
Nem sempre a ganância é a causa de tais situações anómalas. Trata-se antes, com frequência, de falta de actualização dos registos oficiais, que lá vai permitindo o progressivo aumento das contas bancárias, à custa do orçamento. Já na área da invalidez, as autoridades gregas admitem ser enganadas em permanência e de forma deliberada, uma prática que custa ao governo 100 milhões de euros anuais, em pensões para falsos inválidos. Trata-se de um segredo que afinal já toda a gente conhecia mais ou menos, mas que as autoridades decidiram trazer a público nesta altura, dado que a Grécia foi obrigada a implementar uma política de austeridade para evitar a bancarrota.
Num país que inventou a palavra "apocalipse" para designar ao mesmo tempo a catástrofe final e a revelação, chegou a hora de acabar com a lei do silêncio, em relação às mil e uma habilidades que têm contribuído para despejar os cofres do estado. O ministério da finanças já deu o primeiro passo, ao reconhecer publicamente que ignora qual seja exactamente o total de funcionários do estado, ou quanto ganha cada um. Só agora está a ser feito o respectivo recenseamento e implementado um sistema unificado de pagamento de vencimentos. No meio disto tudo, o ministério descobriu finalmente os méritos dos cruzamentos informáticos, tendo entretanto começado a estabelecer uma relação das sumidades médicas que declaram rendimentos inferiores ao mínimo submetido a IRS, bem como a detectar via satélite as piscinas particulares não declaradas como sinais exteriores de riqueza.
Todos os gregos conhecem desde há muito as diferenças abissais entre a realidade e a estatística oficial. Porém, uma corrupção qualificada de "sistémica" pelo primeiro-ministro, a par com o tradicional clientelismo, têm permitido a sua sobrevivência e imposto até a opacidade existente. "O governo luta quotidianamente para reduzir a enorme gabegia do dinheiro dos contribuintes, provocada pelas patologias da administração pública", declarou esta semana o porta-voz governamental, que anunciou a informatização do tratamento das receitas médicas pelos serviços da segurança social. O novo sistema já permitiu detectar, por exemplo, tratamentos anti-esterilidade para cidadãos octogenários. Tradicional vaca leiteira conhecida de todos, o sector da saúde está agora sob vigilância permanente dos credores do estado grego: bancos em geral, BCE, UE e FMI.
Ainda há pouco tempo, revelou a inspecção geral da administração pública, ninguém sabia quantos aparelhos de tumografia axial computorizada existem nos hospitais do estado. Num permanente braço de ferro com os seus fornecedores de material médico, a quem não paga desde há anos, o ministério da saúde confessa agora que a respectiva sobrefacturação tem sido a regra geral, a título compensatório.
Outro buraco negro são as finanças das autarquias, na prática isentas de qualquer controlo rigoroso, situação que o governo procura agora ultrapassar reduzindo drasticamente o seu número. Todavia, uma vez que a necessidade cria o engenho, é muito provável que novas manigâncias para enganar o estado estejam já a ser postas em prática.

Catherine Georgoutsos, Atenas, Le Monde, 28/08/10, página 10
Tradaptação de António Rebelo/Tomar a dianteira

3 comentários:

Anónimo disse...

Por cá também há pensionistas de longo curso...

Anónimo disse...

Os bacanais do Conde de Farrobo, lá para os lados de Sete-Rios, parecem ter dado origem ao termo "fórró". Dá vontade de dizer que, na Grécia, é um fórro de gastos; o pior é que é com o dinheiro dos contribuintes, normalmente assalariados. Por cá ainda não atingimos tal nível mas os passeios dos idosos já são uma boa aproximação. Já temos portanto presidentes de junta da "Escola Fórro".
Será que na Grécia não farão "passeios" com o pessoal que se supôe vivo e com mais de 100 anos?
Pedro Miguel

Pensamentos soltos disse...

Acho que na Grécia levam muito a sério a vida para além da morte.
Os ancestráis destes gregos e até á umas boas centenas de anos A.C., existia os faraós que a sua morte levavam tudo o que era tesouros para junto deles, nestes tempos a coisa muda mas o instinto ta lá.
Acho que agora até parece que aforram para além da morte!