quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Crise - Ser grego e ver-se grego - 2

Vasso Polychronopoulou, Atenas, 03 de Outubro, Foto Giorgios Moutafis/Polaris/Le Monde

Na publicação de ontem abordou-se o caso de uma jovem funcionária pública grega, angustiada com a situação do seu país e com o seu eventual despedimento. Seguem-se dois outros retratos sociais -uma jornalista e um vendedor de automóveis, ambos também na casa dos 30.

"Vasso Polychronopoulou, 35 anos, não tem trabalho desde o verão passado. "Mas não faço parte das estatísticas", diz-nos. Porque foi a recibos verdes que trabalhou como jornalista para uma produtora que fornecia programas para a televisão do estado.
Polvo tentacular e dispendioso, o audiovisual público foi forçado a cortes drásticos. A emissão para a qual Vasso trabalhava foi suprimida. E com ela o seu emprego. Sem indemnização nem direito a subsídio de desemprego. Neste momento o desemprego é já de 16,3% e, pela primeira vez desde 2001, a população activa diminuiu em 2011.
"Com 35 anos estou outra vez dependente da minha família." Estudou línguas, em França e em Inglaterra. "Há muitos jovens diplomados sem trabalho. Estou disposta a trabalhar num bar, como quando era estudante. Mas não me dão emprego porque sou demasiado diplomada." Ganhava antes 1.300 euros e ainda pode viver das suas economias, que contudo desaparecem como manteiga em nariz de cão. Dentro de poucos meses, se entretanto não arranjar trabalho, deixará de ter recursos para pagar a segurança social. "Se depois adoecer, logo se vê. Sinto-me muito insegura e culpo o governo e a Europa. Crescemos a pensar que éramos primeiro europeus e só depois gregos. E a Europa que temos trata-nos agora como vigaristas. Os amigos que tenho no estrangeiro sentem-se mal. Apesar disso, o governo incita os jovens mais diplomados a emigrarem. É muito estranho constatar que o nosso próprio governo nos manda embora do país. Os nossos pais procuraram que a nossa juventude fosse menos difícil que a deles. É verdade que fomos uns felizardos. Mas agora caímos na real e damo-nos conta de que afinal vamos ser muito mais pobres do que eles. Recuso pertencer a uma geração perdida. Entre amigos, gracejamos amiúde: graças a Deus estamos na Grécia. Há bom tempo. Podia ser bem pior. Imaginem só se estivéssemos na Irlanda!"

"Ioanis Eleftheriadis vende automóveis num stand do norte de Atenas, desde há quatro anos. Ganhava 1050 euros mais as comissões. Agora reduziram-lhe o salário para 850 euros e comissões nem vê-las, com o afundamento do mercado automóvel grego. As vendas de carros novos baixaram 37,2% em 2010 e 42% no primeiro semestre deste ano. Como quase todos os gregos, vai apertando o cinto. "Já não saímos à noite nem aos fins de semana, tentamos gastar o menos possível e deixámos de pôr dinheiro de lado. Deixei de ter cartão de crédito e multibanco. Nos supermercados os preços continuam a não baixar. Somos um país caro, com salários cada vez mais baixos."
"A mulher trabalhava numa operadora telefónica. Foi despedida há três anos e não voltou a conseguir trabalho. "Ninguém arrisca contratar ma mulher de 35 anos, com uma criança. Têm medo que não tenha disponibilidade suficiente."
Com pouco mais de trinta anos, não têm dívidas nem pagam renda de casa. Herdaram uma vivenda nos arrabaldes de Atenas. Mas eis que são agora confrontados com o novo IMI, muito impopular, mas decidido de urgência pelo governo, para tentar reduzir o défice. Pela primeira vez na vida, Ioannis, filho de um contabilista, jura que não vai pagar o novo imposto. "Quero lá saber que me mandem prender, como disse recentemente Théodore Pangalos."
Vice-primeiro ministro e descendente de uma grande família, Pangalos costuma usar o estilo Alberto João. Ainda há pouco escandalizou os gregos, quando declarou na TV que não podia pagar o novo imposto imobiliário, pelo que desafiava o ministro das finanças a mandá-lo prender. E Ioannis faz um sorriso amarelo...
"Quando se forem embora, os actuais governantes estarão mais ricos. Estão a vender a Grécia ao desbarato. Vamos ficar sem nada. Entretanto fazemos cada vez mais sacrifícios, pagamos mais impostos e nunca mais vemos uma luz ao fundo do túnel."

Alain Salles, Atenas, Grécia, Le Monde, 05/10/2011, página 14
Tradução e adaptação de António Rebelo

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